À procura de um barco dos sonhos
Achar o barco ideal é difícil
Nelson Mattos Filho

21 Jul 2008
N
esses dias em Salvador temos visto muitas pessoas, inclusive casais, em visita à marina onde estamos, com o objetivo de conhecer os barcos e à procura de comprar o barco dos sonhos. Observando estas pessoas me vejo há 10 anos, correndo em busca do sonho de comprar um barco e viver a bordo.

Tenho vontade de chegar junto, invadir seus sonhos, responder perguntas e colher o máximo de informações sobre eles, o que pretendem, o que fazem, o que esperam da náutica e como procuram o barco desejado. Tentar ser a luz de um farol nesse mar de incertezas. Não fico somente na pretensão, quando sinto que não serei um intruso inconveniente, chego junto e faço minha parte. Muitos ficam mais do que agradecidos e fico com a sensação de ter feito uma boa ação, ganhando pontos para uma vida eterna. Se bem que meus créditos para a vida terrena já são bem altos, isso porque, segundo dizem alguns, a cada dia velejado ganhamos uns cinco mais para frente. Isso é que é vida!

Achar o barco ideal é difícil. Ter a consciência de estar buscando a coisa certa, o barco certo, que o sonho nós leva ao rumo desejado, no primeiro momento, é quase impossível. É como mergulhar num oceano profundo e escuro.

A maior parte das pessoas que sai à procura de um veleiro vem da classe média. São pessoas que estão dispostas a vender um bem, carro ou imóvel, ou raspar recursos da poupança e se aventurar nessa nova vida. Procuram por barcos usados, na faixa de 25 a 36 pés, aonde a oferta é maior e a escolha é mais difícil. Aqueles que têm mais recursos ou pertencem a uma classe mais alta, partem logo para um barco novo, mas nem sempre vão ter a certeza de ter feito a escolha certa.

Dias atrás assistimos o caso de um veleiro argentino que foi abandonado pela tripulação em alto mar. Foram resgatados por um navio que estava nas proximidades, mas que aparentemente, segundo vimos nas fotos, o barco estava intacto, inclusive com o motor funcionando. Cheguei a ler e escutar alguns comentários de velejadores, que diziam terem os caras amarelado, terem se acovardado perante a fúria do mar, serem inexperientes, serem um monte de coisas, mas nenhum comentário sobre solidariedade por essas pessoas. Julgar ou condenar foi muito fácil, mas tentar compreender o abandono de um barco e de um sonho, no meio de um oceano, não ouvi, nem li ninguém fazer.

Será que esses velejadores eram realmente inexperientes em alto mar? Será que esses velejadores faziam a viagem dos sonhos? Será que esses velejadores foram orientados na hora de comprar o barco? O que passou na cabeça desses velejadores para abandonar o barco? Uma coisa eu tenho certeza, o mar não passa a mão pela cabeça de ninguém e nesse mundo, sonho e pesadelo navegam abraçados.

Comprar um barco requer muito mais do que sonho, temos visto muito barco abandonado em clubes e Marinas sem que tenham navegado um metro. Muitas vezes por falta de uma pequena orientação na hora da compra. Muitas vezes por não ser o que queria ou que o barco não era aquele que procurava.

Ter apenas como parâmetro o interesse do vendedor é o pior que podemos fazer. Antes de optar por um barco, principalmente o veleiro, o ideal é navegar uns dias em algum barco alugado ou mesmo passar uns dias morando a bordo. Ter noção do espaço disponível. Se familiarizar com a faina de bordo. Navegar em mar aberto e águas abrigadas. Trabalhar na manutenção. No barco a motor o trabalho é ligar o motor e acelerar. No barco a vela, qualquer navegada requer pelo menos uma hora de preparação antes da largada e na chegada, quase o mesmo tempo para se organizar velas, cabos e adriças.

No nosso caso, primeiro adquirimos um barco pequeno e sem cabine, depois partimos para um barco maior e cabinado. Tivemos muita sorte na compra, mas muito trabalho para colocar o barco para navegar, já que ele tinha perdido o mastro no mar e estava com o motor avariado. Não tínhamos muitas opções em Natal e não dispúnhamos de condições para fazer a procura em outras praças como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

Conversamos muito e procuramos muitos conselhos de velejadores experientes, inclusive que passavam por Natal em cruzeiro. Recebemos muitas orientações e fomos adquirindo conhecimentos para decidir a compra. Portanto, o meu interesse nesses futuros navegadores é apenas uma retribuição por tudo que me foi passado e que contribuiu muito para a compra do velho e bom Avoante.

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Artigo publicado originalmente na Tribuna do Norte
Ilustração: Bruno Mantovani

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