O caso Bateau Mouche
A história de uma tragédia náutica

24 Out 2008
TRF concede reparação a irmã de vítimas do Bateau Mouche

A Justiça concedeu indenização por danos morais de R$ 250 mil aos cinco irmãos da bailarina Maria Lúcia Leonel, morta no naufrágio do Bateau Mouche, na passagem de ano de 1988 para 89. O processo tramitava desde 1991.

O juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (ES e RJ), Mauro Luís Rocha Lopes, decidiu, ontem, que os réus Bateau Mouche Rio Turismo Ltda, Itatiaia Agência de Viagens e Turismo Ltda, os sócios das referidas empresas e a União Federal contribuíram diretamente para a ocorrência da tragédia.

O barco superlotado naufragou na saída da Baía de Guanabara, matando 55 pessoas, que pretendiam acompanhar, do mar, os fogos da Praia de Copacabana. O advogado da família, Leonardo Arantes que também já ganhou a causa num processo anterior para os pais da bailarina, disse que vai recorrer da decisão no Supremo Tribunal Federal (STF) para rever o valor da indenização. Os réus também podem recorrer.
"A ação dos pais já transitou em julgado e agora está na fase da quantificação do valor de dano moral e material", afirmou o advogado, sem revelar o valor. Ele representa outras 15 famílias, que estão em fases diferentes no processo. Até hoje, apenas uma família recebeu indenização. Um casal de irmãos, que não teve o nome revelado, recebeu R$ 850 mil cada um pela morte do pai.
Fonte: G1/Agência Estado; Imagem JB

16/11/1990 - O caso Bateau Mouche
Neste dia, os noves sócios do Bateau Mouche foram julgados na 12ª Vara Criminal pelo naufrágio ocorrido na noite de 31 de dezembro de 1988, quando o Bateau Mouche IV afundou na Baia da Guanabara matando 55 pessoas que estavam a bordo.

O Juiz Jasmin Simões Costa, absolveu o proprietário da Itatiaia Turismo, os sócios e o mecânico da Bateau Mouche Rio Turismo Ltda., acusados de responsabilidade no naufrágio. Em sua sentença responsabilizou as autoridades "pela ineficiência em regulamentar, ordenar e fiscalizar essa espécie de atividade". Acatou a tese de defesa, afirmando que os réus não atuaram dolosa ou culposamente por não prever o naufrágio.

O julgamento fugiu à rotina do Tribunal Marítimo e entrou para a história da Justiça.
O processo continha vários laudos técnicos comprovando o péssimo estado de conservação do Bateau Mouche IV. O relatório demonstrava a falta de estabilidade da embarcação; o desempenho insatisfatório da bomba de esgotamento; não existiam instruções para o caso de acidente; várias vigias estavam abertas; o casco estava em mau estado; só havia 54 coletes salva-vidas e continuava numa extensa lista de irregularidades que não deixou nenhum dos juízes em dúvida sobre a responsabilidade dos armadores do naufrágio.

A viagem para tragédia começou às 21h15 do dia 31 de dezembro de 1988 e terminou às 23h50, entre a Iha da Cotunduba e o Morro da Urca, a 20 metros de profundidade.

A Viagem para Tragédia
Tudo levava a crer que a viagem não acabaria bem. Os passageiros estranharam a superlotação do barco, de dois andares, com mesas e cadeiras soltas. Ainda dentro da Baía de Guanabara o barco, de casco chato e adequado somente para águas abrigadas, balançava muito. A Capitania dos Portos interceptou o barco e o liberou.
Fonte: JBlog/Ana Paula Amorim (16/11/1990) Imagem: JB

O caso Bateau Mouche
(Institucional/OAB-RJ)

Antônio Evaristo de Moraes Filho
(09.04.1933 - 28.03.1997)

No réveillon de 1988/1989, o Bateau Mouche naufragou, matando 55 pessoas entre as 142 que estavam a bordo. O barco era de propriedade de uma empresa que tinha nove sócios, todos com o título de gerente, apesar de quase todos eles não participarem da administração.

Numa noite de reveillon, sempre, o clima é de festa, de emoção. O Rio de Janeiro promovia sua festa oficial na praia de Copacabana, com fogos de artifício clareando a noite, mas alheio à tragédia que acontecia muito próximo dali.

O barco já havia contornado o Pão de Açúcar, seguindo para Copacabana, quando seus ocupantes foram surpreendidos por ondas enormes. Às 22h30 descobriu-se água no banheiro do convés inferior, que entrava, em quantidade, pelo vaso sanitário. Logo após, balançando muito, o barco adernou para a direita. Era o caos. O mar cada vez mais agitado, fazia entrar água pelas vigias, inundando o convés inferior. O Bateau Mouche prosseguiu assim mesmo. Às 23h45, nas proximidades da Ilha Cotunduba, com a casa de máquinas cheia de água, os motores pararam.

Descontrolado, o barco se inclinou para a direita e emborcou, espalhando seus passageiros no mar. Pessoas em outros barcos que estavam nas imediações, ouvindo os gritos, foram ajudar, jogando bóias e coletes salva-vidas, iluminando a área e recolhendo pessoas. Durante vários dias trabalhou-se no resgate de corpos.

A notícia abalou toda a cidade. A mídia já condenava os proprietários do Bateau Mouche , mesmo antes de serem indiciados. Era o clamor público, era a mídia induzindo a opinião pública contra os proprietários do barco.

A Marinha promoveu dois inquéritos: um administrativo, de competência do Tribunal Marítimo, para que a Capitania dos Portos investigasse as causas técnicas do naufrágio; e um Inquérito Policial Militar para apurar a possibilidade de ter havido suborno contra dois sargentos da Capitania, que após interceptar o Bateau Mouche o liberou em seguida. Mais um inquérito foi aberto, este pela Polícia Civil, para apurar a responsabilidade criminal.

Inicialmente, apenas dois dos nove sócios, os que assistiram o embarque dos passageiros foram indiciados - Faustino Puertas Vidal e Álvaro Pereira da Costa -, porque se atribuía a tragédia ao excesso de lotação.

Evaristo de Moraes assumiu com George Tavares, inicialmente, a defesa desses dois proprietários do barco. Pesquisando, viram que a gerência efetiva dos dois barcos, desde o início da empresa, foi confiada a uma pessoa que não fazia parte da sociedade, enquanto os sócios gerenciavam os restaurantes e hotéis. No Direito Comercial e Marítimo encontraram a figura do "armador-gerente", que é um empregado encarregado de administrar navios, em nome e por conta dos proprietários. Este era o engenheiro eletricista Mario Rodrigues Triller, uma das vítimas do naufrágio. A partir daí e considerando que a responsabilidade criminal é pessoal, sustentaram a ausência de culpa penal dos proprietários do Bateau Mouche . Houve falhas humanas, técnicas e naturais, mas se havia irregularidades no barco, a culpa era da Capitania dos Portos, que fazia as vistorias, exigia e liberava as embarcações para navegação. Havia ainda a acusação de superlotação do Bateau Mouche , facilmente contornável, porque a Capitania dos Portos autorizou até 153 passageiros, ou seja, onze a mais do que havia no barco.

O terceiro indiciado foi Francisco Garcia Riveiro, dono da agência de turismo que arrendou o barco e responsável pela organização do passeio. Havia contra ele também a acusação de corrupção ativa. Seus defensores eram Nilo Batista e Felipe Amodeo.

Possivelmente para dar uma satisfação à opinião pública, aos sobreviventes e aos parentes dos mortos, no dia 22 de janeiro, um domingo, o juiz de plantão no fórum, decretou a prisão preventiva de Faustino, Álvaro e Francisco. As causas do naufrágio ainda não tinham sido esclarecidas e os inquéritos ainda não tinha apontado responsáveis, por isso, três dias depois da prisão, a prisão foi revogada pelo juiz Jasmin Simões Costa, titular da 12ª Vara Criminal, por falta de provas e porque a perícia ainda estava sendo realizada pela Marinha.

O resultado da perícia do barco apresentou uma série erros: superlotação, porque a capacidade máxima seria de 80 passageiros; o convés superior tinha peso excessivo, por causa de camada de cimento e aço, duas caixas dágua e outras peças móveis; a bomba de esgoto funcionavam mal; as vigias estavam mal vedadas. Mesmo assim, a Capitania dos Portos havia dado autorização de navegação em 1980, limitando a lotação em 150 pessoas e três tripulantes. Em 1988, ano do naufrágio, o barco foi vistoriado pela Capitania dos Portos em 18 de julho e 28 e 29 de dezembro, dois dias antes do naufrágio - durante todo esse tempo, as falhas descritas já existiam, sem que a Capitania fizesse qualquer exigência.

Em março de 1989 os três inquéritos estavam concluídos. O da Capitania dos Portos responsabilizou os nove sócios da Bateau Mouche , o mestre-arrais Camilo Faro Costa, o engenheiro Mario Rodrigues Triller e o mecânico Edson Gonçalves de Carvalho, este último também defendido por Evaristo. O do suborno indiciou nove oficiais e um praça da Marinha. O da Polícia Civil indiciou Álvaro Pereira, Faustino Puertas e Francisco Garcia Riveiro por sinistro com morte e expor pessoas a perigo em embarcação própria ou alheia) e o mecânico Edson Gonçalves, por negligência.

A promotora Leny Assis denunciou os outros sete sócios e Francisco Garcia por corrupção ativa. A denúncia foi para o juiz Jasmin Simões Costa e teve início a ação penal.

Em agosto o Tribunal Marítimo condenou a Bateau Mouche a multa e os proprietários perderam o registro de armadores, impedidos de participar de qualquer empresa de navegação. Uma pena administrativa, porque o tribunal não tem poder de impor pena de prisão.

Em 16 de novembro de 1990, os nove sócios do Bateau Mouche , Francisco Garcia Riveiro e o mecânico Edson Gonçalves de Carvalho foram julgados na 12ª Vara Criminal. Evaristo e George insistiram na tese de que os sócios do Bateau Mouche desconheciam o risco do passeio, não contribuindo para o desastre, provando isso com a presença do mestre-arrais e do engenheiro no barco e que o número de passageiros fora autorizado pela Capitania dos Portos.

Apesar da pressão da opinião pública, o juiz de 1ª Instância, Jasmin Simões Costa, absolveu todos os réus. Em segunda instância, em 30 de novembro de 1991, Faustino e Álvaro foram condenados a quatro anos de detenção por atentado culposo contra a segurança de transporte marítimo. Na auditoria da Marinha houve três condenados: o capitão-tenente Schons, responsável pela vistoria de 28 e 29 de dezembro de 1988, por homicídio culposo e dois sargentos acusados de suborno. Os três militares foram beneficiados com sursis .

Evaristo embargou a condenação de Faustino e Álvaro, por não ter sido unânime. Em 5 de maio de 1993, a sentença foi confirmada por unanimidade pelas quatro câmaras criminais do Tribunal de Justiça. Os dois fugiram da prisão e seis meses depois se entregaram, passando a cumprir a pena em regime aberto - apenas dormiam na prisão.
Fonte: OABRJonline Foto: OABRJonline

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