Foi impressionante!
Como é bom estar em meio a gente tão aguerrida
Danilo Chagas Ribeiro

25/03/2008
Eu que velejo normalmente em cruzeiro, sem nenhum compromisso com performance, a não ser na churrasqueira a bordo, fiquei muito impressionado. No outro final de semana participei de uma regata no Guaíba a bordo do Shogun, um Frers 40. Fazia tempo que eu não participava de uma regata com gurizada a bordo. Era um Butantã: só cobras. São caras competentes movidos pela paixão, pela emoção. O Tolazo é uma tora. Força bruta e experiência em regatas, sabe o que faz. Meticuloso e cuidadoso, é fabricante de velas. O Henrique é uma praga a bordo. Pros adversários, claro. Fica completamente enlouquecido depois do apito de largada e não pára mais de trabalhar e de aporrinhar com detalhes. Se no barco dos outros ele distribui jogo daquele jeito, imagino o que seja no seu próprio (um Fast 303, em reformas). O Totoco é prestador de serviços náuticos e conhece muito o Shogun e as fainas. Fica alucinado com a regata e busca jogo o tempo todo. O cara é incansável. Esqueci de perguntar a marca das pilhas que ele usa. Conheço os três faz tempo, mas nunca tinha estado a bordo com nenhum deles.

A Anelize é apaixonada por regatas também. Quando fez 15 anos preferiu conhecer Isle of Wight, berço do iatismo, a ter festa de debutantes. Vive no Veleiros, corre de Laser e estreou na roda de leme do Shogun agora na XIV Copa Porto Alegre. A tripulação contou ainda com a Conceição, esposa do Tolazo e também experiente em regatas.

Com toda essa gente destilando experiência e adrenalina a bordo, o comandante Marcelo Caminha tenta aparentar calma. Exerce o comando com serenidade, faz a tática e anuncia as manobras com antecedência, mas apesar de disfarçar muito bem, é ele quem bombeia e atiça a gurizada, muito sutilmente. Como se precisasse. Na verdade, é outro doido por regatas.

O barco é um colosso. Anda muito. Seguidamente fatura no Guaíba e ser fita azul é sua especialidade.
Imagine o que pode acontecer no ânimo dessa gente tão aguerrida, se alguém ficar na frente. Pois quando, logo após a largada, um O'Day23, sem direito, atravessou-se no rumo do Shogun embalonado, com aquela inércia de encouraçado, só faltou a gurizada pular pro convés dele e afogar o inexperiente comandante. Ele ficou rindo, com a mulher a bordo, parecendo não entender bem o porquê de tanta injúria da tripulação do Shogun.

Acontece que esses caras são guerreiros embarcados para o combate, para buscar a vitória. São amantes do esporte, da competição. Esse pessoal não embarca para brincar. Aliás, a diversão deles é o combate. Cada um dá o que pode a bordo e são obcecados pela performance. Desviar do O'Day não custou nada, claro, mas ter que sair do rumo reduz a performance e pode significar a derrota se houver disputa acirrada na chegada. Brigaram contra alguém que estava, mesmo que involuntariamente, prejudicando a missão deles. Só tem uma coisa que realmente interessa ali: vencer! E neste papel, são uns Dobermans. Depois de atiçados, ninguém mais segura os caras. Só estando entre eles para perceber a gana toda.

Entre as viradas de bordo, quando a faina diminui, a tripulação fica de olho no vento, trimando os panos e observando outros participantes, como todo bom velejador de regata faz. Tecem comentários sobre o desenvolvimento do barco e se regozijam da posição de vantagem em relação aos adversários. Motivam-se mutuamente. Estão sempre atentos a rondadas do vento, à raia, ao barco. A conversa durante a regata gira exclusivamente em torno dela. A vela está no sangue daquela gurizada medonha.

Qualquer possibilidade de melhorar o rendimento é buscada de forma obcessiva. Às vezes a trimada de pano é só de uns 10cm, e ainda retocada logo em seguida por uma polegada. Como diz o comandante Caminha, é coisa de "meio click na catraca".

O regime ditado a bordo pelo comandante não pode ser mais democrático, mas a tripulação se comporta como se estivesse sob severo regime militar. É incrível o tremendo senso de responsabilidade e o foco aguçado da gurizada.

Estes caras representam o mais puro e autêntico espírito de luta da juventude sadia. Exercem a bordo a perseguição feroz da meta. Acreditando em si mesmos, sem prejuízo do espírito de equipe, são a nata do esporte amador.

Terminada a regata, começa a faina para deixar o barco como estava ao desatracar. Velas dobradas, escotas aduchadas, barco limpo, tudo em ordem. Aliás, sem ordens. Todos fazem a faina por conta própria, buscando serviço. Pouco depois do barco atracado, já está tudo em seus lugares, restando beber a cerveja oferecida pelo comandante, sem alarde.

O comandante Caminha comentou que gostaria de enviar suas escusas à tripulação do O'Day. "A gurizada está acostumada com a gritaria das regatas 'quentes' e pensa que todo mundo também está", disse o comandante.

Foi um privilégio ter embarcado no Shogun e vivenciado tanta camaradagem, competência e espírito de competição.
Parabéns ao Comandante Caminha por estimular e dar oportunidade a estes guerreiros.