O tripulante que abandonou o Ilikai com navegabilidade
O que Você faria?
Danilo Chagas Ribeiro

10 Jun 2008
O
abandono do Ilikai me entristeceu muito. Todos os dias me pergunto por onde andará o veleiro argentino. Não por talvez andar zanzando aqui pela nossa costa gaúcha, e também não só por ser um bonito veleiro de 41 pés, ou ainda pelo que vale ou valia. Talvez o que mais me incomode seja o fato de ter sido abandonado em condições de navegabilidade. Fosse um carro, ou qualquer outra coisa abandonada, certamente não me deixaria assim. E foi abandonado com seguimento. Como que vivo, apto para navegar e para velejar. Navegando e velejando.

Se fosse eu...
Depois que o comandante teve costelas fissuradas a bordo, em 30 de maio passado, ao enfrentar vento forte na costa gaúcha, solicitou socorro pelo rádio e foi içado para um cargueiro que passava por perto.
Se eu fosse o tripulante Pablo Gato, que desembarcou com o comandante ferido, o que eu teria feito? Abandonaria ou seguiria sozinho no Ilikai?

Não sei as condições físicas em que o tripulante estava ou que eu estaria. Ele estava exausto? Não me parece, ao ver a foto dele já no navio filipino. Tinha experiência e competência para navegar sozinho naquele mar, em um 41 pés, como se fosse um skipper? Ou era um experiente marinheiro de água doce? Sabia ele usar o GPS e encontrar Imbituba?
Nada sei a respeito dele.

Não se abandona um barco assim
Não importa se o barco estava bem segurado, ou não. Não se trata de avaliar a perda pecuniária, se é que houve. Mas tem alguma coisa que me diz que um barco que pode navegar, não poderia ser abandonado como foi. O Ilikai podia navegar a pano e a motor, como efetivamente saiu navegando. Sozinho. Que imagem mais melancólica aquela gravada em vídeo!
Não acredito nisso do barco ter alma, nem em superstições. Mas também não acredito que eu abandonasse um barco naquela situação, fosse ele de quem fosse. Simplesmente porque não se abandona um barco assim.

Trocar o nome do barco dá azar?
Dizem nos trapiches que não se deve trocar o nome de um barco porque isso dá azar. Joaquin del Sagrado Corazon de Jesus Somoza foi o primeiro dono e construtor do Ilikai, e assim o batizou. Vendido, passou a chamar-se Francisco. Quando Miguel Del Rio, terceiro e atual dono o comprou, rebatizou-o de Ilikai novamente.
"Lo construi al barco con mis propias manos en un taller de Zona Sur del Gran Buenos Aires cerca de la Cuidad de Quilmes. Es un Terral 41 magnifico. Eh ido hasta Angra en Brasil, tambien ah viajado hasta Punta del este en Uruguay y eh superado grandes tormentas con ese velero llendo a la costa del mar Argentino hasta Mar del Plata. Fue el mejor Barco de todos los que tube en mi vida!!!", contou Joaquin ao Popa.com.br. Na foto acima, o Ilikai, então Francisco, amarrado em Puerto Norte, Bs. As.

Por quanto tempo dá azar trocar o nome de um barco? Rebatizá-lo com o nome original não acaba com o azar? Diz o dito que "gato que levou tijolada não faz pouso em olaria".
Saiba mais sobre rebatismo.

Vai desembarcar, ou não vai?!...
Quem sabe se ao avaliar que o barco estava com o piloto automático avariado, e que seria preciso navegar ainda umas 24 horas até chegar a Imbituba, eu ficasse bem menos entusiasmado com minhas próprias convicções? Eles já vinham navegando na pauleira por outras 24 horas. Sabe lá o estado físico em que eu estaria para encarar aquele mar solito, com algum tráfego pela frente e tempo instável. E tinha um vento de primeira categoria.
Não se trataria de dizer ou pensar "Deixa pra mim, que eu vou tentar!". Sem essa! Ou o cara "se garante", ou desembarca. "Se garantir" por 24horas. Sem ninguém para fazer a proa, ou para trazer um café ou comida. Pelo menos tem VHF e GPS no cockpit? Sem piloto automático, tudo fica mais difícil quando se está só a bordo.
Navegabilidade do barco não é suficiente. É preciso mais do que isso.

E aí?... Vai dar uma de herói e seguir as convicções, ou vai desembarcar e ficar assistindo o barco partir abandonado?

GO, GO, GO!!!
Quando o tripulante abandonou o navio e começou a subir a escada "quebra-peito", algo de errado aconteceu. Acho que precisa jeito pra subir naquela encrenca. A escada afastou-se do costado de sopetão, com o cara pendurado, balançando, e de certo já mais sofrido que joelho de freira em semana santa. Em seguida, enquanto ele ainda estava se recuperando, ouve-se no vídeo alguém do navio gritar: GO, GO, GO!!! (VAI, VAI, VAI!!!).
O navio navegava a 4 nós e não parece que o tripulante usava colete salva-vidas. Se caísse...

 

Que dê a catraca?
Analisando as fotos feitas por um tripulante filipino do Kickapoo Belle, percebi algo que me chamou a atenção. Em uma delas aparece a catraca da escota de bombordo do Ilikai, mas em foto posterior, ela já não aparece mais.
Será que tentaram prender o barco ao navio pela catraca, e ela voou fora? O Ilikai subia e descia alguns metros em relação ao navio, a cada onda.
Certamente que não desaparafusaram a catraca para levar de recuerdo.


A catraca está no lugar
Mais um cabo está por ser lançado do navio
Onde está a catraca?

E aí? Mais essa agora! Mas parece que tem uma catraca menor mais pra popa, talvez do balão.
Vai encarar?

Fotos: Ilikai (Francisco): Joaquin del Sagrado Corazon de Jesus Somoza. Demais imagens (fotos e frames do vídeo): tripulantes filipinos não identificados
Colaboração: Guto Vieira da Fonseca e Jessé Freitas

 

Mais sobre o acidente do Ilikai

Acidente a bordo, na costa gaúcha
Cargueiro resgata tripulantes e veleiro é deixado à deriva
Ilikai - o resgate
Ilikai - teria havido alternativa para o salvamento?
Da aquisição de embarcação abandonada por ocupação ou salvamento
O tripulante que abandonou o Ilikai com navegabilidade
Onde estará o Ilikai? (vídeo)
Reconhecimento à tripulação do Kickapoo Belle
Ilikai - o relato do tripulante

Comentários: info@popa.com.br