De Benalmádena (Málaga) a Barcelona
Diário do veleiro Entre Pólos no Mediterrâneo (Jun-Jul/08)
Andreas Bernauer

12 Ago 2008

28 Junho 2008
:
Amanheceu com céu claro e uma bruma seca. Eram 7:00 horas da manhã. Parecia neblina, mas estava seco e o barco não tinha sereno. Saímos mesmo assim, motorando, pois não havia vento nenhum. Saímos meio sem rumo. Tínhamos três alternativas e iríamos navegando até dar vontade de parar ou ao acharmos uma bela paisagem. É uma enorme sensação de prazer navegar assim. Havia poucos barcos nesta área. A costa é montanhosa, com pedras e clima semi-árido. Nada é verde. Encravadas nos pés das montanhas, estão cidades e praias de areia branca. Muitos prédios de apartamentos e inúmeras marinas para conhecer. Esta costa é maravilhosa e tem uma estrutura náutica e turística excepcional. É só parar e curtir. Dá para navegar de dia, sem estresse. Se bater a fome, dá até para parar para comer em um restaurante à beira da praia. Lindo.

Decidimos ir para as ilhas Baleares: Ibiza e Majorca. Para tanto, teremos que navegar à noite, para ter mais tempo livre neste lugar. O vento apareceu... 15 nós na cara. Continuamos com o “vento de porão” e a mestra em cima. Noite gostosa, temperatura amena, ondas pequenas e curtas, como na Lagoa dos Patos. O Entre Pólos (na foto ao lado, em Barcelona) avançando majestosamente, sem bater nem caturrar. Um Cadillac dos mares. Convés seco em todo o percurso. Amanheceu, mais um dia esplendido. Contornamos o Cabo das Gatas, mas não vimos nenhuma. Cedo demais? Talvez... O motor subitamente perdeu potencia e parou. O Gigante foi ver o vacuômetro: estava alto, indicando um entupimento. Revertemos os registros para o outro tanque e seguimos viajem, sem mais problemas.

Detalhe: Em outra parada abrimos as tampas de inspeção e vimos uma gosma pegajosa que parece lama. É uma bactéria que se forma no diesel e procria. Lavamos os tanques e colocamos um aditivo especial, bactericida, resolvendo o problema. É importante saber que estas bactérias não são espanholas nem portuguesas. Nós as temos também no Brasil. Se alguém tiver lama marrom e pegajosa no tanque, não é cocô de cachorro não, por mais que pareça. É bactéria e será preciso limpar e adicionar o aditivo. Os mecânicos sabem. Vale a dica...

29 de junho:

O Entre Pólos ronrona macio. A quatro milhas de Cartagena, o Gigante preparou um entrecot ao forno com arroz e legumes, simplesmente espetacular. Ou a fome também era gigante... Afinal, só comemos sanduíches durante a noite. Tínhamos decidido a entrar em Cartagena. As montanhas rochosas e altas, com castelos e fortificações em cima eram muito bonitas e atrativas. Mas não víamos a cidade nem a entrada do porto. Chegando mais perto, vimos os faroletes encarnado e verde, sobre as extremidades dos molhes. Estavam superpostos, parecendo uma muralha inteiriça. O porto comercial estava à direita, o de pesca à esquerda e a marina em frente. Como sempre, muito bem montada, toda com flutuantes e limpa. Muitos peixes curiosos cercando o barco. Cracas à bahiana: é um bom prato para estes cascudos daqui. Entrada feita (25,00Euros/dia), passaportes apresentados, gente muito simpática e prestativa. Lavanderia de moedas para a roupa, água, luz e internet (paga). Que mais é preciso?

Eram 16:00 horas. Resolvemos dar uma volta pela cidade. Era domingo e estava tudo fechado. Fizemos um passeio em um ônibus de dois andares, o de cima conversível. Há muitas edificações antigas interessantes, mas a maior parte da cidade é moderna, mas bonita e ajardinada. Retornamos para lavar roupa, ajeitar o barco e por em dia nossas comunicações. No final das contas, o Gigante conseguiu a internet de graça. Simpatia e bom humor conseguem milagres. Muito barulho, buzinaços até dos navios, algazarra nas ruas. A Espanha ganhou da Alemanha de 2 x 0. Campeã da Copa Europa! Há 44 anos que não conseguia... VALE!!

30 de junho

Meu filho tinha um compromisso em Valencia. Está mais ao norte, mas seria muito mais longe ir de barco e retornar de lá para as ilhas Baleares. Resolvemos alugar um carro e ir por terra até lá, resolver o assunto e passear, retornando no mesmo dia para Cartagena.

Dia muito quente e ensolarado. Alugamos um carro pequeno e fomos os três para Valença, a aproximadamente 270 km Estradas muito boas e conservadas. Velocidade permitida até 130 Km/h. De bom tamanho. Montanhas e cidadezinhas á beira do mar. Clima seco e pouco verde. Tivemos vontade de entrar em algumas delas, mas queríamos voltar antes de escurecer. Não havia o GPS na locadora. Nos perdemos inúmeras vezes até encontrar o endereço, mas chegamos. Tudo certo agora. Passeamos pela cidade e fomos conhecer a marina. Tudo estava em obras. Vimos enormes galpões da BMW Oracle, Alinghi e outras feras da vela. Estão refazendo tudo: marinas novas e enormes, pontes, cais e uma pista de Fórmula 1 que contorna as marinas e parte da cidade. Passeamos pelo centro. Prédios modernos, muito tráfego, stress de se perder muitas vezes. Retornamos a Cartagena. Paramos em um grande centro de compras, a uns 4 km antes da cidade, com vários shoppings, restaurantes e cadeias de lojas internacionais. Fizemos nossas compras em um Carrefour enorme, aproveitando que estávamos de carro. Depois de um bom arroz com lingüiça, fomos dormir, vencidos pelo cansaço da aventura.

01 de julho:

Enquanto o Gigante preparava o barco, devolvemos o carro. Passamos pelas lojas perto da estação de trem e novamente não estavam abertas. Sabemos que aqui se faz a siesta, abrindo somente à tarde, mas passamos três vezes em horários de comércio, e nada estava aberto. Seria feriado? Isto nos aconteceu várias vezes aqui na Espanha. Quando será que trabalham aqui? Sabemos que são apenas 36 horas de trabalho por semana, mas será que temos que combinar um horário com cada dono de loja para conseguir comprar algo? Não é à toa que muitos portugueses sonham em ir trabalhar na Espanha. Mas, aqui entre nós, as praias e o calor justificam...

Vento de 10 nós de través. No mar, de novo, velejando. Maravilha. Passamos por perto de uma bóia de meteorologia (foto ao lado), assinalada oficialmente no plotter e nas cartas. Era do tamanho de uma bola de basquete, amarela, com uma antena em cima. Nunca tinha visto uma assim, “em pessoa”. Achei que seria grande e pomposa, por isso não a vimos, apesar de estar no nosso percurso. Velejamos um bom tempo e quando o vento amainava, ajudávamos com um pouco de motor, mantendo 6 nós por toda a noite. Aqui já tem tráfego de navios e há a “avenida” assinalada no plotter. Cruzamos numa boa, sem estresse.

2 de julho:

Noite linda, lua meio cheia, 15 nós de vento, mestra, genoa e trinqueta, 6,5 nós de velocidade. O Gigante sabe muito bem como “tirar suco” do Entre Pólos. A combinação da genoa e trinqueta (foto ao lado) forma um canal entre as velas que aumenta a velocidade em torno de 0,5 nó. A Refeno que se cuide...

Chegamos às 11:00 horas na pequena ilha de Formentera (foto abaixo), antes de Ibiza. Ancoramos perto da cidade, onde havia muitos barcos, lanchas e veleiros de todos os tamanhos. Baixamos o bote e seguimos para o porto e marina para consultar valores. 150,00 Euros por dia! Ficamos na ancora mesmo. Tivemos dificuldade para saber onde deixar o bote. Ninguém informava nada e nem davam bola para nós. Acabamos amarrando perto da rampa de serviço. Como ninguém falou nada, o Gigante colocou o cabo de aço com cadeado no motor e no bote e fomos dar uma volta.

No porto, não tem cidade. Tem umas poucas lojas, uma náutica. Notamos que há uma profusão de lojas alugando motos, bicicletas e carros. Paisagem seca e empoeirada... O lance aqui é alugar moto e rodar pelas pequenas estradinhas das praias. São lindas, de areias brancas e mar azul turquesa. Dizem que aqui nas Baleares é o Caribe do Mediterrâneo. E não é exagero. Estávamos preocupados com o bote e resolvemos voltar para o barco.

3 de julho:

Levantamos as 10:00 horas. Saímos rumo a Ibiza, acompanhando a costa e as praias. Um desbunde! A cor do mar é espetacular. Merecia ficar mais tempo.

Ibiza está a 12 milhas de Formentera. Muitíssimo transito de veleiros, iates de alto luxo, catamarans de transporte e tudo o mais. Difícil fazer uma rota sem ter de alterá-la constantemente, para desviar. Fomos costeando as montanhas de Ibiza (foto ao lado) até chegar ao porto principal, que é bem grande e movimentado. Sabíamos que o preço da marina é exorbitante. Por isso, seguimos em frente e entramos em uma baia logo ao lado do porto, protegida e limpa. O fundo é transparente, mas tem muitas algas que lembram um capinzal. Encontramos uma clareira e jogamos a ancora. Mergulhamos para inspecionar o fundo e a hélice. Só tem limo, sem cracas. No mais, tudo em ordem. Água transparente e não tão fria. Poucos peixes e pouca vida marinha aqui. Baixamos o bote e fomos para a praia. Fomos para o porto. A pé é bem perto, bastando atravessar uma península entre a baia e o porto.

Lá, pegamos uma lanchinha até o centro. A cidade é um charme, com muitos becos e lojas de tudo, praças ajardinadas, muito movimento, gente bonita. Preços iguais que no continente. Passeamos bastante pelas pequenas ruas. Voltamos na lanchinha e retornamos ao barco.

Ainda era cedo. Resolvemos rumar até uma pequena baia entre as montanhas, a 5 milhas apenas, que parecia mais protegida para dormir. Estava previsto um vento forte nesta noite. É bom prevenir.

Entramos a motor em uma garganta entre paredões de pedra bem altos, com mar azul e limpo (foto acima). Lá no fundo havia uma praia com hotéis paradisíacos (foto ao lado). Espetacular. Um charme. Ancoramos bem, entre outros três veleiros e fomos de bote para a praia. Comemos sorvete, compramos refrigerantes e voltamos para o barco, maravilhados, mas cansados.

4 de julho:

A noite foi um tanto preocupante. O vento apertou, nossa popa estava bem perto das pedras (foto ao lado). Felizmente a ancora segurou bem apesar das ondas mexidas que entravam na garganta. Café tomado, “pé na estrada” para Majorca, a 65 milhas. Ao sair da garganta, vimos o mar bem mexido e ondas grandes, e curtas. O vento à noite foi bem forte. Foi a única vez que vi o Entre Pólos bater na caturrada. Motor e vela, vento na cara. Ao nos afastarmos da costa, o mar acalmou. Navegada tranqüila, com bom tempo e pouco vento.

Chegamos à tarde em Palma de Majorca. A ilha tem montanhas de pedra, altas, mas com mais vegetação. Fomos entrando na baia onde está a cidade. É bem grande e o porto é enorme e muito movimentado. Entramos na marina em frente ao calçadão. É enorme e superlotada de barcos a vela e iates e muito confusa também. Indicaram-nos um lugar para atracar e falar com a recepção, ou o Controle, como dizem aqui. Resumo: 82,00 Euros por dia. Caro, mas razoável, pela fama do lugar. Resolvemos ficar um dia. Atracamos na vaga indicada, no flutuante. Fizemos o restante do atum que pescamos, congelado no freezer, revisamos o barco e fomos dormir.

5 de julho:

Levantei cedo e o Gigante também. Fomos para a cidade para comprar óleo hidráulico em um posto de gasolina. No caminho, compramos pão fresco no mercado do centro. A cidade se parece com o Guarujá, no litoral de São Paulo. Prédios modernos em toda a extensão da baia e da praia. Calçadão com restaurantes e algumas lojinhas... fechadas. A única loja náutica ainda estava fechada. Continuamos não entendendo quando eles trabalham... Ainda acho que os clientes marcam hora com os lojistas...

A ilha é muito grande e aqui também seria necessário ficar alguns dias e alugar um carro para conhecer os melhores lugares. De barco, seria necessário ficar muito tempo, para circunavegar a ilha toda e conhecer seus lindos atributos.

Com muito calor, fomos a um restaurante italiano na beira do calçadão. Boa comida e preço razoável. Palma não é uma cidade cara, como dizem. Os preços são iguais aos da Espanha. Nossa diária já estava vencida e resolvemos partir, rumo a Barcelona. Depois de 21.000 milhas percorridas, o piloto automático cansou. Para o leme ficar mais leve, retiramos o pistão e levamos “no braço” até Barcelona. Vento de alheta, moderado. Velas perfeitamente equilibradas pelo Gigante. O Entre Pólos singrando os mares majestosamente. Colocamos dois elásticos, um de cada lado do timão e era isso. Horas de velejada com apenas um ajustezinho, feito suavemente com o pé... Era um perfeito “automatic piloteixon Tabajara”! A lua se pôs, o vento escasseou. Motor ajudando. Turnos de duas horas ou mais, conforme a animação do timoneiro. Pouco movimento de navios e pesqueiros por aqui.

6 e 7 de julho:

Ás 14:00 horas, chegávamos ao enorme porto de Barcelona. Existem várias entradas. Como é praxe, primeiro entramos na errada. Fomos pelo canal dos navios até o fundo e aí tinha uma ponte. Altura: 18,5 metros. Meia volta e entramos na barra Norte. Muitos navios atracados, um deles com muitos veleiros no convés. A maioria de bandeira alemã, se preparando para as férias de verão. Navegar assim é fácil. Chegamos à marina. Existe um clube náutico – Reial Club Maritim de Barcelona (escrito assim mesmo, em Catalão) - e a marina pública - Port Vell . Os dois, em plena praça e calçadão, muita gente, camelôs, barracas e um enorme shopping center. Muitos veleiros e barcos antigos restaurados, outros enormes. O Entre Pólos ficou bem pequeno, junto aos seus irmãos maiores. Não tinha lugar na marina pública mas conseguimos uma vaga no Clube. Para isso, tivemos que atracar em outro cais, passando por uma ponte pivotada que abre a cada 30 minutos, com muito estardalhaço de sirenas e sinaleiras, para segurança e aviso aos pedestres. Ficamos em um bom lugar, bem no meio do “buxixo”. Depois de uma carne ao forno, saímos para encontrar uma loja náutica. Atendimento muito bom e o melhor: estava aberta! Encomenda feita, banho tomado, desodorante, perfume e cabelo penteado. Ajeitamos as coisas e fomos passear em volta da marina.

Barcelona é espetacular. Ouvem-se inúmeros idiomas diferentes. Muitos turistas, muita gente bizarra, trajes loucos, vê-se de tudo. Tudo parece uma grande festa. Muitas bicicletas nas ciclovias. Nas avenidas, restaurantes nas calçadas, lojas, gente passeando e curtindo. A praia é ao lado dos molhes do porto, com mar limpo, integrada na cidade. Mesmo de noite, muita gente namorando na areia. Caminhamos no dia seguinte também, fizemos um passeio de ônibus conversível, visitamos a catedral, etc. Muita obra em andamento e muitas restaurações sendo feitas. Barcelona (foto al lado) mistura o moderno e o clássico com perfeição. Basta andar pela cidade e olhar também para cima. Prédios antigos, praças bonitas, becos entre os prédios com acesso para jardins internos... Entrar nos becos sempre é uma surpresa. Tudo tem que ser visto e apreciado. Uma cidade alegre e imperdível.

Aqui foi a nossa despedida do Entre Pólos e do Gigante (foto ao lado). Um bom jantar, com tudo a que tínhamos direito, na boa e alegre companhia de um bom amigo, excelente anfitrião e navegador. Somos muito gratos por este verdadeiro presente que recebemos. Sem dúvida, esta é a velejada dos sonhos de qualquer navegador brasileiro.

Um grande abraço, Gigante Ademir de Miranda.

Os Andreas, pai e filho.

Comentários: info@popa.com.br

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