De St Maarten aos Açores e a Lisboa
A travessia do Atlântico Norte pelo Entre Pólos
Ademir de Miranda (Gigante)

1º Agosto 2008
O Entre Pólos estava atracado em St. Maarten, no Caribe, desde fevereiro passado. Era hora de continuar a viagem, fazendo a travessia do Atlântico Norte.

A despedida no aeroporto de Porto Alegre em 25/04/2008 foi emocionante, principalmente para mim, que recebi de minha filha uma cartinha que fez de improviso em um guardanapo, com desenhos que li no avião. Só irei ver meus filhos novamente em outubro ou novembro. Vai ser duro, mas é por uma justa causa.
No aeroporto estavam Cleuza, Junior, Tayná, Dany, e o meu amigo Flavio Fiala, que chegou quase na hora do embarque para se despedir.

Na ilha de Sint Maarten (escrevem assim os holandeses, e Saint Martin os franceses) a faina foi grande. Muita coisa a ser feita. Preparar o barco para uma travessia é uma tarefa cansativa, e não dá para deixar nada a fazer. E eu deixei. Queria subir no mastro para revisar.

Na condição de viagem sob pressão da previsão do tempo que vinha estudando há algum tempo, a hora era agora, ou no máximo até o dia 6/5, pois a próxima janela iria demorar talvez uma semana ou mais. Um dos tripulantes, João Pedro Wolf, havia comprado passagem de Lisboa para retornar ao Brasil dia 26/5, se não saísse naquela previsão, ou ele perderia o retorno, ou voltava de Sint Maarten. Por mim não teria problema. Tinha tempo para ir em outra janela de tempo.

Perdi muito tempo limpando o casco (três tardes). Existe aqui uma craca diferente, mole e comprida no casco do Entre Pólos. Já estava com uns 15 centímetros de comprimento. E tem uns bichinhos, parecem umas minúsculas formigas, que dão uma coceira no corpo e tem que cuidar pois entram nas orelhas dando uma irritação e atrasando o trabalho...

Para ganhar tempo, busquei diesel com o camburão, de bote, pois a craca na hélice era grande. Tinha muita sujeira no fundo. E eu precisava fazer da maneira mais rápida possível.

A retranca havia trincado no suporte do burro, antes de iniciar a viagem. Em P. Alegre fiz uma luva de alumínio para não correr o risco de quebrar na travessia. A instalação foi simples. Colei a luva com Sikaflex 221, prensado com dois sargentos, e no dia seguinte furei, fiz rosca na retranca, coloquei 12 parafusos e ficou perfeito. Aproveitei e fiz nesta luva um ponto a mais, pois queria colocar um anti-jaibe que existe na Europa. Custei para achar, consegui em Barcelona. Encontrei os amigos Marcelo Aaron e esposa Alexandra, o casal do veleiro Beetowen, Marcelo e Maura, e fiz novos amigos Marcelo e Mariza, ele brasileiro e ela Belga, Dadi e Denise do trawler Jadi. Guilherme, um Pernambucano que tem uma loja de eletrônicos, e é um excelente técnico, é muito atencioso. Trocou com a Raymarine o display do piloto que estava dando problema, segundo ele defeito de fábrica. Matou a saudade da cerveja brasileira e da cachaça. Grande figura.

Dia 2/5 à noite chegou o João Pedro, e dia 3/5 ao meio dia o Tau Golin. Os dois tiveram problemas no atraso dos vôos. Um problema que tive foi o feriado de carnaval em St. Maarten. O comércio fechou na terça feira e só abriu na segunda, dia 4/5. Eu precisava comprar algumas peças e equipamento de reposição, mas com este feriado e o atraso dos tripulantes que eu contava para ajuda na faina, ficou meio apertado para deixar tudo em ordem. Baixei um fax meteorológico ainda na marina para checar se estava tudo bem com o programa. Aproveitei e expliquei aos tripulantes como funcionava. O João Pedro, que gosta mais de computador, ficou encarregado de todos os dias ligar os equipamentos e baixar as previsões. Dia 5/5 fizemos o rancho para a travessia. No dia da partida tivemos uma despedida com uma lasanha maravilhosa feita no almoço pela Alexandra. Foi uma despedida em alto estilo.

Saímos com a abertura da ponte das 17:30 horas, rumo aos Açores. Na primeira noite, vela, na saída entre St. Maarten e Anguila, o vento virou pra cara e forte, uma pequena tempestade, que não durou muito. Na segunda noite, entrou uma pauleira, e por um anti-jaibe mal feito, e por não estar no meu turno, deveria ter desfeito ou avisado a tripulação para afrouxar a engenhoca se desse alguma virada de vento. E virou, ptqpariu. Deu um jaibe que arrancou o carro de passar a escota da trinqueta de BB, e quebrou a ponteira do burro rígido. No dia seguinte consertei o estrago, adaptando a ponteira com um novo furo, e uma manilha ao invés do pino. Em Faial contatei o Marcio da Equinautic, que prontamente providenciou a nova ponteira para o próximo tripulante trazer.

Entrou a calmaria. 60 horas de um mar oleoso, e muito calor. O Japonês no porão começava a trabalhar. Conforme eu vinha estudando já há algum tempo as previsões e tendência de tempo para a época, fiz um traçado na carta que comprei em Trinidad, para a travessia. É a North Atlantic 4012, com um rumo em curva, subindo ao norte a umas 400 milhas, deixando as Bermudas por BB, curvando em direção aos Açores e Ilha Flores. Tirei pontos da carta a cada 150 milhas, naveguei até próximo ao ponto número oito. Conforme a previsão via fax que tirávamos todos os dias, o vento estava cada vez mais favorável, e resolvi mudar o rumo em direção reta a Faial (veja track abaixo), pois economizaríamos mais de 100 milhas. Também navegaríamos entre as baixas e altas pressões, um pouco mais perto da baixa para termos vento. Pela carta sinótica do fax, a baixa estava fervendo. Achamos melhor navegar com mais tranqüilidade e segurança.

Depois da calmaria, velas, asa de pombo, vento SSE de 15 a 20 nós com ondas aceitáveis por vários dias. Tenho um sistema cardã no radar, com dois cabos para regular quando o barco navega adernado. Estes cabos desgastados partiram. Faltou aquela revisão no mastro. O João Pedro se ofereceu para subir e consertar. De noite mais uma pauleira, e das grandes. Põe a grande no segundo rizo, recolhe a genoa, mais tarde arma tudo de novo que o vento caiu, volta toda a rotina: vamos ao mastro, arma tudo outra vez, que de novo o vento apertou.

De repente, um estrondo. A lei do Edi, aquele! O Murf. Aquela revisada no mastro em St. Maarten fez falta. Sempre que subo ao mastro verifico todos os terminais, fiação, parafusos dos trilhos, inclusive o da vela grande que, se afrouxar um parafuso, o grande não desce, e geralmente quando mais precisamos. Bem, com o estrondo os parafusos do trilho do pau de spi afrouxaram, e com a pressão da genoa na pauleira, arrancou o trilho, ficando em dois pedaços. E o pau pendurado, sovando o mastro. E, de novo, à noite. No dia seguinte fui catar parafusos e furadeira, desentortar o trilho e fazer o conserto. Novas roscas foram feitas. Precisávamos desta armação, pois quase toda a viagem foi em asa de pombo.

O moitão de desvio do lazy jack no mastro soltou os rebites e caiu. Passei o cabo por dentro do degrau da escada acima e foi tranqüilo até Faial onde foi consertado. De novo aquela subida do mastro fez falta. Todo o dia sai almoço, um dia por tripulante na cozinha. O interior do barco está meio bagunçado. Em Faial teremos faina. Hoje derramei meu cappuccino no sofá da sala, em uma adernada brusca de rajada. Que lambança. E com leite, o cheiro era insuportável. Aqui no Atlântico Norte estou fazendo a menor média que já fiz em minhas navegadas com o Entre Pólos. Estamos velejando a 48 horas na pauleira, com ventos de 20 a 25 nós verdadeiros, e às vezes chega a trinta. E desta vez é de través, SSE, e ondas também SSE. As safadas entram no costado, deixando o balanço desconfortável. Com a vela grande na segunda forra, e genoa às vezes 40% enrolada, parece que não rende a singradura. Também tem corrente contrária. A corrente do golfo acho que era de ferro e afundou, pois não a encontramos. Com exceção das 60 horas de calmaria, sempre tivemos vento. Quando era fraco, ajudávamos com o japonês de plantão. Não queríamos ficar muito tempo no oceano e também tinha a volta apertada do João Pedro. Por um bom planejamento e sorte, conseguimos chegar a Faial no prazo.

Os dias passaram tranqüilos. Fazíamos quarto de duas em duas horas. Eu, como sempre, só dormi em minha cabine duas vezes. Prefiro ficar por perto, com um olho aberto e outro fechado, e o cockpit do Entre Pólos é muito confortável. Nossos últimos quatro dias foram ajudados pelo japa, por termos ventos fracos, apesar de favoráveis, dando pouco rendimento na média diária. Então dê-lhe motor. Chegamos dia 21 de maio, na Marina de Horta em Faial Açores.

Singradura diária de St. Maarten a Faial:
primeiro dia, 148mn
segundo dia, 157mn
terceiro dia 165mn
quarto dia 160mn
quinto dia 145mn
sexto dia 131mn
sétimo dia 153mn
oitavo dia 149mn
nono dia 155mn
décimo dia 155mn
décimo primeiro dia 170mn
décimo segundo dia 157mn
décimo terceiro dia 156mn
décimo quarto dia 157mn
últimas 20 horas para chegar em Faial 128mn.
Total de S.Maartem a Faial/Açores, 2.286 milhas, em 14 dias e 20 horas.

Faial é uma Ilha fascinante. O povo é prestativo e educado. Um dia o Tau Golin perguntou a um morador da Ilha onde era a padaria. O Homem o levou até lá, entrou e mandou atender. João Pedro, dia 23 partiu para Lisboa depois de um passeio por Faial. Comecei os consertos e a organizar o barco, Tau Golin se encarregou da faxina. Também aproveitei para subir no mastro para revisar e não correr mais riscos desnecessários. Depois de tudo pronto fomos conhecer a ilha. Alugamos um carro e com 125 quilômetros fizemos a volta em Faial. Conhecemos os dois vulcões, o de Capelinhos e a Caldeira. Andamos por todos os cantinhos da ilha. Queria ficar mais alguns dias pelos Açores.

Fomos ao restaurante da marina de Horta pesquisar preços e conhecemos a proprietária que é brasileira, de Porto Alegre. Além da comida ser boa, o bife, custava Euros 5.00 e na sexta teve uma feijoada à brasileira ao mesmo preço. Ficamos fregueses. Tau Golin vinha desde St. Maarten pedindo para ir a Lisboa, pois queria concluir a travessia do Atlântico, e também concluir um trabalho para a universidade, onde ele leciona. Ele tinha passagem para o Brasil dia 15/6 e tinha compromisso em Lisboa sobre seu doutorado. Resolvi seguir mais cedo para o continente e aproveitar mais o Mediterrâneo. Entrei em contato com o Andreas, que era candidato à travessia Açores-Lisboa, e acertamos o embarque de Lisboa a Barcelona, que em minha opinião foram 987 milhas só de filé.

Dia 29 amanheceu chuvoso em Horta, Faial. Pretendíamos sair para Angra do Heroísmo na Ilha Terceira, distante 60 milhas aproximadamente, e tínhamos uma previsão boa. A chuva e o contravento que veio eram localizados. Saímos às 11 horas. A chuva deu uma trégua e veio um vento de través fraco. Levou uma hora + ou - para se ir à ilha Terceira. Saindo-se de Faial, passa-se por entre a ilha do Pico, afastando–se do Faial. Passa-se Pico e Ilha São Jorge, navegando neste corredor por aproximadamente 35 milhas. E chuva e contra vento. Ondas curtas e altas varriam o convés. E muito frio. A 15 milhas da chegada já não tinha vento nem chuva. Chegamos às 10 horas na marina de Angra do Heroísmo. Já escuro o guarda nos auxiliou a atracar. Resolvemos sair para comer pois não estávamos dispostos a cozinhar e havíamos passado o dia com lanches e frutas.

Angra do Heroísmo é uma cidade maior que Horta. O comércio é bem variadoo, com muitos restaurantes e, ao contrário de Horta, a vida noturna é bem agitada. A marina é menor, mas muito boa. Tem toda a estrutura náutica que precisar nas duas ilhas. Em Angra mergulhei para revisar o casco, em um dia ensolarado e bonito mas a água, gelada de doer, dói mais que parto de porco espinho, mesmo com neoprene. Conhecemos bem a cidade. O interior da Ilha fica para uma próxima, pois o Tau Golin está com os dias contados, e eu aceitei levá-lo até Lisboa.

Saímos dia 1º de junho às 11 horas da marina de Angra do Heroísmo (foto), com uma boa previsão do site Grib. Como estávamos em dois, eu e Tau Golin, fazíamos turnos de três em três horas. Como o fuso tinha três horas de diferença para o Brasil, todo o dia me comunicava com a Cleuza via rádio, às 20 horas no Brasil e 23 horas nos Açores. Após nossa conversa, começava meu primeiro turno, das 23:30 às 02:30 horas.

Passamos com a ilha no través, apreciando a beleza daquele lugar, distante e difícil de chegar. Ficava imaginando se um dia vou ter a oportunidade de voltar. Será que não estou indo cedo demais deste paraíso?
Velejando com todas as velas, grande e genoa, conseguimos velejar quase 24 horas no nosso rumo leste, e de novo o vento foi diminuindo. Caiu pra 10 nós, depois oito, e o japonês volta a ajudar. Não estou em regata e baixou de 5 nós. O japa tem que se pagar. Tenho muito a ver no continente, e em proporção, pouco tempo.

Com exceção da Argentina Uruguai, e Paraguai, e recentemente os Estados Unidos, é a primeira vez que viajo para fora do Brasil. Trabalhei muito. Quando tinha condição financeira para ir, não tinha tempo, pois a melhor época para viajar sempre era tempo de safra na minha empresa. Tudo bem. Agora estou indo do jeito que eu sempre quis, velejando, e como diz o Denis do programa Bahia Náutica, com parte do mundo em mãos, e ainda levando a casa nas costas. No dia seguinte, à tarde, o céu escureceu na popa. Parecia que corríamos do mau tempo. Na popa, tudo escuro. Nuvens alucinadas cruzavam o céu. Relâmpagos e trovões. Até parecia que São Pedro estava jogando boliche. Na proa, tudo azul com sol, deixando a certeza que saímos na hora certa pois o tempo desabou nos Açores. Conforme a previsão, isso se repetiu por três dias.

O Barômetro não baixava de 1029mb, me dando a tranqüilidade de navegar. O vento continuava fraco e, às vezes, picos de 10 nós. No dia 4 tentamos baixar um fax meteorológico, mas o sinal do SSB estava fraco e chegava muito borrado. Não me preocupei pois tinha salvo as previsões do Grib por sete dias. Com a linha na água pegamos um atum de aproximadamente 4 quilos. Era muito peixe para duas pessoas. Peguei o bicheiro (haste para levantar o peixe da água) que estava no bote, cuidando para não machucar, e o suspendi pelas guelras. Tirei o anzol e ele saiu nadando. Coloquei o bicheiro pendurado na targa. Isso foi um erro lamentável, que mais adiante viria a me causar um problemão.

O mar parece um deserto. Nenhum barco, navio, nem nada. Até agora sempre saiu o almoço. Está bem tranqüilo. À tarde batemos papos e aproveito para repassar o livro do Marçal (Um Giro no Atlântico), e também o livro do Edson de Deu (Passageiros do Vento). Nestes dois livros consegui muita informação para a minha viagem. O livro Passageiros do Vento já tenho há muitos anos. Li diversas vezes, inclusive mais uma na viagem. O do Marçal Ceccom foi lançado em 2007. Comprei com Marçal. Nna dedicatória escreveu que era o primeiro a ser vendido da coleção. Estou captando informação por a minha viagem ser parecida com a dele. Estou usando como guia.

Em Portugal é muito fácil navegar. Na saída da Marina de Angra, o funcionário nos deu um livro guia das marinas de Portugal. Com este guia você sabe aonde vai, inclusive escolhe os melhores e mais completos portos. Na quarta-feira entrou o que seria o vento esperado, porém ainda fraco, NW a W, 10 a 14 nós. Subimos o balão e com ele também o astral, pois estava velejando em grande estilo, com a mais bela armação de vela que possa ter um veleiro, colorido e alegre. Mantivemos assim desde manhã ate às 4 da tarde, quando o vento começou a apertar, chegando a 20 nós e ameaçando aumentar. Mas ficou só na ameaça, e depois caiu para 15 nós. Armamos em asa de pombo com a trinqueta no outro bordo. Assim, com três velas, conseguimos aproveitar melhor o vento. À tarde, golfinhos vieram brincar e alegrar nossa viagem. À noite começou a esfriar mais. Parece que quanto mais próximo do continente, mais esfriava, e começou o trânsito de navios de madrugada.

A noite foi chuvosa e muito fria. Vento toda a noite de ¾ de popa. Amanheceu e a chuva parou, mas o vento estava aumentando cada vez mais, e o frio também. À noite o vento ultrapassava os vinte nós, e agora era de través, às vezes orça folgada, com enorme ondas entre 5 a 6 metros, também de través. Faziam o barco adernar com vários estrondos no costado. No turno do Tau Golin, + ou - às três da madrugada, ele me chamou, pois o piloto automático estava louco e não obedecia o track. A proa procurava o norte. Botei no rumo correto e acionei a função track de novo, mas não adiantava. Ele insistia em procurar o norte. Deixei então no automático com rumo da bússola, tendo que a cada hora corrigir a deriva, que era maior que o normal. Eu achava que era por causa do vento e das ondas que forçavam o rumo. Estávamos com quase trinta nós de vento, com a grande no segundo rizo e a genoa 30% enrolada. O vento apertava, substituímos a genoa pela trinqueta, o barco balançava bastante, e a velocidade continuava boa. Ofrio era insuportável. Nosso rumo é RM087 e o vento segue de través. Dois dias e duas noites nestas condições. Só fizemos lanche e frutas pois estava impossível cozinhar com este balanço. Também ficamos os dois no cockpit, entre uma cochilada e outra.

O movimento de navios ia aumentando conforme nos aproximávamos do continente. Um navio em rumo cruzado e sem direito de passagem manobrou, passando pela nossa popa. Isso é raro de ver. Já estava me preparando para fazer a manobra mas não foi preciso. Nossa velocidade não poderia ser melhor, de seis a oito nós. Apesar do balanço lateral, o barco surfava, aumentando ainda mais a velocidade. Ainda de madrugada, nos aproximamos das "hidrovias". Havia tido muitas recomendações sobre este trecho, pois o movimento de navios é enorme. É uma estrada imaginária para o trânsito de navios, que acompanham paralelamente a costa européia. Primeiro os encontramos no sentido norte sul. Passamos por 5 navios nesta avenida. Depois tem um trecho tipo "passarela", que divide as duas pistas, e aí vem a pista de sul a norte. Encontramos mais quatro navios. Foi fácil passar pelas vias. Acho que tivemos sorte neste dia, pois esperava mais movimento, segundo os relatos e recomendações. Melhor assim, pois estávamos cansados, e não precisamos desviar de nenhum navio. O outro japonês de plantão, o Furuno (radar), durante toda viagem não tirou o olhar de 360graus em torno do barco.

Estávamos mais próximos ao continente. Estávamos chegando a Cascais, o primeiro porto. Começa o movimento de rede, muita rede. Me fez lembrar do Guaíba e da Lagoa. Que saudades! Não das redes. Todas as redes são de fundo, então é só cuidar pra não atropelar as bóias.

Velejamos até próximo à costa, quando enfim começou a parar o vento e a esquentar, começamos a tirar inúmeros casacos, abrigos e meias. Ao chegarmos a Cascais, já estávamos de calção e sem camisa. Eram 11 horas, com quatro de fuso para o Brasil. Foram 858 milhas, de Angra do Heroísmo a Cascais, em seis dias.

Em Cascais, passeamos, conhecemos toda a cidade e praias, e fizemos amizade com uns brasileiros que residem e trabalham lá. Eles nos levaram para conhecer o cabo Espichel, um maravilhoso passeio (foto). Em Cascais novamente mergulhei para revisar o casco. Apesar do calor, água gelada. Encontrei dois enormes arranhões logo abaixo da linha d’água. Cheguei a pensar que poderia ser este o motivo da mudança de rumo do piloto. Tau Golin achou que foi uma bóia de pesca à deriva que passamos, mas era muito pequena para aquele tipo de arranhão. E naquelas noites anteriores foram tantos estrondos no costado, que não dava pra decifrar o que era onda ou outro objeto.

Lavamos o barco e organizamos tudo. Tentei calibrar a CPU do piloto, mas na ida a Lisboa descobri que não era configuração. Olhei para a bússola do piloto, que fica na targa, e vi que o bicheiro estava ao lado dela, e com a ponta enferrujada. E lembrei que o usei naquele peixe que devolvemos ao mar. No peixe seguinte não precisou. Levantei com a linha até o cockpit. O bicheiro era novo. Eu o havia comprado no Caribe. E como enferrujou, a ponteira é de ferro e deve ter dado interferência magnética na bússola do piloto, pois foi só retirar o bicheiro da targa e digitar a configuração anterior, que tudo voltou a funcionar perfeitamente.

Fizemos as 20 milhas de Cascais a Lisboa, fotografando e filmando monumentos históricos e conhecidos, como a Torre de Belém, o Monumento aos Descobridores, etc. Passamos com a maré vazando, a 3 nós de corrente contra, e um grande número de pescadores com suas redes.

Quando chegamos na doca de Alcântara, nosso porto em Lisboa, não havia ninguém para ajudar a atracar. Aí tem que ser só na individualidade pois até mesmo os velejadores locais, vendo a dificuldade de atracar com vento, passavam e nem olhavam. Que saudades do meu povo! Felizmente deu tudo certo. No outro dia vi um portuga com cinco tripulantes arranhar seu barco. Assisti do cockpit. Achava que com cinco eles conseguiriam.

Depois de toda a faina saímos a conhecer Lisboa. No outro dia o Tau Golin ficou no barco, pois tinha compromisso com Seu Francisco, professor e historiador em Lisboa. Eu fui de "Elétrico" (bonde da Carris) a uma loja náutica para comprar a carta do Mediterrâneo. No elétrico uma dupla tentou por a mão no meu bolso. Por eu estar atento, não tiveram êxito.

Passeamos por Lisboa, conhecemos velhos e antigos lugares. Lembrei da Bahia, pois o cheiro de urina nos cantos, não é só coisa de lá e de algumas outras cidades do Brasil. Também é globalizado. Uma pena, pois é um patrimônio da humanidade urinado. Dia 15/6, à tarde, o Seu Francisco veio buscar o Tau Golin para levá-lo ao aeroporto.

Agradeço aos tripulantes Tau Golin e João Pedro Wolf que me acompanharam na Travessia do Atlântico, parte dessa minha viagem que começou em 07/08/2007 e que, além de ser um sonho que estou realizando, é meu presente de 50 anos.

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