E um sonho me levou a Noronha...
Cylon Rosa Neto
Toda minha infância desde a mais remota lembrança teve vínculo com a Natureza, porém, a época, sempre em terra, nas ações e fantasias de um guri caçador e pescador, mas com os olhos sempre voltados para a água, com uma distância na aparência difícil de superar para chegar neste objetivo.
Esta distância era então reduzida nas viagens de leitura, com os livros de Francisco de Barros Júnior em suas expedições nos rios do Brasil, os filmes de Mike Nelson com seus mergulhos, as séries de Jacques Costeau, além de outros livros como Expedição Moana, Expedição Kon Tiki e Mundo Silencioso. Ao ver estes filmes, ler estes livros, eu tinha a fantasia do horizonte infinito e de ter um barco que me levasse com o vento para conhecer estes lugares, apesar de estar ainda na pré-adolescência.
Depois de muito me esforçar e ainda jovem estruturar e organizar a vida pessoal, aos 24 anos fiz a loucura de fazer um empréstimo (naquela inflação!) e comprar com esta grana um barquinho de
Ao longo destes 25 anos seguintes, houve erros e acertos, como todo aprendizado, foram muitas regatas, alguns cruzeiros mais representativos, muitos mergulhos em diferentes e encantadores locais, viagens inesquecíveis, novos e fraternos amigos também velejadores e mergulhadores. Desta forma, continuo trabalhando muito para tentar me qualificar como pessoa, logo, também como velejador e mergulhador.
Nestes anos todos, uma fantasia continuava latente, inconclusa, ansiosa, aquela da efetiva travessia oceânica, sair de um continente e chegar em uma ilha, um sonho ainda impossível, apesar do preparo de aptidão do nosso Veleiro, o Raio de Luar, mas com equação de tempo e oportunidade não resolvida para cumprir este desejo com ele.
Nos últimos 10 anos minhas atividades profissionais me levaram para fora do Estado, com predominância na Bahia, onde além de trabalho, fiz novos e espetaculares amigos....
Um deles, em especial, Comandante Carlos Kise, da Omega Engenharia, em 31 de agosto deste ano me fez o mais incrível, inacreditável e surpreendente convite, simplesmente dizendo:
“Vamos na REFENO conosco? “
Esta simplicidade, como tudo de melhor na vida, alterou para sempre um paradigma no meu espírito, pois ao ousadamente (minha agenda profissional não permitia de forma alguma...) responder sim, o impossível aconteceu.......... eu simplesmente fui...
Para então ter todo o dia o Leo cantando desafinado:
“você não vale nada mais eu gosto de você, mesmo sem saber porque”..., também ter a Companhia de novos amigos e que compunham uma tripulação heterogênea, mas muito unida pela harmonia que o Carlos faz ter a bordo do Sonho, seu grande e equipado veleiro. Pude então sentir de fato algo que havia lido nos livros do Bernard Moitessier, o “sopro de alto mar” !!
Assim, chegou o dia 21 de setembro de 2009, este astral e generosidade que o Carlos gera a bordo do Sonho tornou instantaneamente amigos 7 desconhecidos entre si, permitindo que em 48 horas de mar já tivéssemos esta construção aparentemente impossível devido a diversidade de origens, formação e personalidades.
Largada em Recife na frente de toda nossa classe
Sentimos nós todos alegria daquela água azul cobalto, os golfinhos com suas arrojadas manobras, uma baleia desgarrada das rotas usuais, as pescarias quando o vento aliviava, mas, especialmente os ventos alíseos e o Sonho velejando em um través a 7 nós, apontando para nosso destino, waypoint final desta jornada, a Ilha de Fernando de Noronha, onde muito mergulhei e pouco conheci aos 16 imaturos anos, em 1976, agora estava como porto de chegada de uma navegada inesquecível.
Golfinhos e a o mar de um azul inenarrável
Quis o destino que o sonho por mim acalentado desde menino fosse realizado a bordo do Veleiro chamado exatamente de Sonho, uma sincronicidade somente explicada pelas teorias de Carl Jung. Quando avistamos o farol da Ilha,
Leo e sua alegria contagiante e permanente, também o brinde da pesca farta no corrico
A estes, nas pessoas dos comandantes Carlos e Clóvis, rendo minhas homenagens e meu eterno agradecimento, pois do convite deles e da companhia do Leo, Serqueira, Giovani e Otávio mais um sonho se realizou, aquele Sonho que me levou a Noronha, depois de 49 bem vividos anos....chegamos, saí e....
Mergulho no porto pós chegada para ancoragem definitiva
O fantástico Comandante Carlos Kise, também Cylon com Clóvis já em Noronha na manhã após chegada na madrugada.
Cylon pronto para a triste partida já na chegada
....E por incrível que pareça, somente 30 dias e longos 33 anos depois estava lá novamente, agora na Companhia do Cylon Primo, sem aquela ansiedade da adolescência, não mais 2 meninos com a autorização do Juiz, mas 2 pessoas com personalidade formada e com o privilégio da presença das famílias que entre a adolescência de 1976 e a maturidade(para não dizer velhice...) de 2009 construímos.
Tal qual nosso antigo hotel, estamos apresentando as diferenças e o peso do tempo, mas não troco aqueles ansiosos e incertos 16 anos de idade, pelos atuais 49 anos um tanto “gastos e brancos”, mas bem organizados de corpo e de espírito.
Nós no Hotel, em 1976 e em 2009
Passamos uma semana reencontrando e descobrindo a ilha, comparando com nossas avaliações e expectativas de 33 anos atrás, quando então somente mergulhamos. Agora, buscamos seu âmago e alma, estes, como nós, tiveram aspectos de melhora e outros não, especialmente aqueles de conservação que hoje estão presentes, ausentes em 1976. Esta ausência pretérita deixou cicatrizes, porque os tubarões de 33 anos atrás pouco apareceram, mas, por outro lado, a vegetação é muito mais luxuriante pela atual idéia de preservação.
Tubarãozinho acompanhado pela Simone
No entanto, estarmos lá, curtirmos o lugar com a mente aberta, compartilhá-lo com nossas famílias, por acaso, encontrar com surpresa o Comandante Carlos Kise também com a sua família, tudo teve um sabor de vitória, de plena satisfação, de realização e de encantamento.
Nossa família e a do Carlos saboreando um dourado assado na Cacimba do Padre
Uma ansiedade somente me afligia em parte, a expectativa de fazer, ou não, o mergulho técnico na Corveta V17. Depois de muito ponderar, avaliar riscos e oportunidades, fomos os dois “Cylons” ....e fizemos o que acredito ser, até o momento , o mergulho de nossas vidas !!
Na cabine da Corveta V17 a
O cumprimento pela realização de nós dois 33 anos depois
Quando chegamos ao convés a
Assim, em 2009 o Sonho primeiro me levou a Noronha, depois os sonhos ao longo do tempo acalentados nos levaram novamente, embalados pelo sentimento de irmandade e companheirismo, mas especialmente pelo amor de nossas famílias partícipes. Ver meus filhos fazerem seus respectivos batismos formais na “meca” do mergulho no Brasil fez-me agradecido e orgulhoso das oportunidades que a vida nos dá como retorno aos nossos sadios esforços.
Gabriela e Matheus no seu batismo formal, já haviam mergulhado antes, porém comigo, nunca independentes.
Valeram cada um dos dias dos 33 anos que esperamos para lá voltar. E, em um mesmo ano, lá chegar em setembro velejando, já em novembro voltar e mergulhar na corveta e com minha família... inacreditável!!!!!!!!
Cylon Rosa Neto, admirando da janela as águas do Rio Negro e a selva da outra margem sob a luz das estrelas em 01\12\2009.