Regata Buenos Aires - Rio de Janeiro, 1950
A Grande Regata!
Átila Böhm

05 Ago 2012
A partir de 1947, muita energia foi aplicada para a realização da 2ª Regata Buenos Aires - Rio de Janeiro. A comunidade náutica internacional reconhecia a Buenos Aires – Rio como a nova regata de longo curso com 33 inscritos de 5 países:

Do lado Brasileiro:
ATREVIDA – Desenho de Nat. Herreshoff 1923 Comprimento do deck 95’ maior barco inscrito, vendido para o Brasil em 1946.
ALBATROZ – Desenho de Uffa Fox de 1935, pertencente à Marinha do Brasil.
VENDAVAL – Desenho S&S de 1942, 3º colocado na BsAs - Rio de 1947.
ONDINA – Classe Brasil lançado à água em 1947.
SIROCCO – Desenho de Knut Reimers, considerado deslocamento leve para a época, foi para a água em 1947.
MAJOY e ARACATY – Classe Brasil, foram para a água 1949.

Do lado Argentino:
CANGREJO – Desenho Frers de 1944 com comprimento de 40’.
JOANNE – Desenho Frers de 1946 acabara de chegar da Inglaterra, a onde correu a Fastnet Race de 1948 sagrando-se 2º na classe C.
FJORD III – Irmão gêmeo do JOANNE lançado em 1947.
MARIANDICK – Frers Classe Narval 39’, foi para a água em 1948.
FORTUNA – Desenho Manuel Campos de 1949 com comprimento de 63’.
TUDEMAY – Classe Brasil foi para a água em Buenos Aires em 1949.
TRUCHA e GITANO – Desenho de German Frers foram para a água em 1949 os dois com 40’ Classe Narval.
PETE IV – Desenho F. Solis de 1949, linhas de vanguarda para a época.
ERRANTE – Desenho Frers foi para a água em 1950.

Do Uruguai:
UPA – Desenho de Harry Pidgeon construído no Astillero Marando no Uruguai em 1940.
CAESAR – Desenho de Roberto Hosmann lançado em 1946.
ASTRAL – Comandado pelo famoso arquiteto uruguaio Roman Fresnedo Siri. Entre outras obras projetou o Hipódromo do Cristal em Porto Alegre.

Da Alemanha:
MAGELLAN – Desenho de Kurt A. H. Oehlmann de 1948. Após a 2ª Guerra Mundial o Capitão de Submarino Alemão U Boat Heinrich Lehmann-Willenbrock construiu o MAGELLAN e depois da regata vendeu o barco no Brasil para Oscar A. Schmidt que o rebatizou de Destino. O filme Das Boat do diretor Wolfgang Petersen relata a historia do U Boat U96 na Segunda Guerra Mundial.

Da Inglaterra:
BLUE DISA – Desenho de Laurent Giles Classe R.N.S.A 24, o menor barco da regata com comprimento de 31’. Entre 1949 e 53 foram encomendados 16 barcos. O BLUE DISA é o casco No 4 da série e foi lançado em 1949 pelo estaleiro Camper & Nicholson.

Dois grandes protagonistas da Regata de 1947, 1ª Buenos Aires - Rio, não participaram da edição de 1950: José Candido Pimentel Duarte e Felipe Justo.
José Candido Pimentel Duarte em setembro de 1949, faltando 4 meses para largada da regata, descobriu que estava com Leucemia. Sua viagem para Buenos Aires foi cancelada, partindo para New York, onde iniciou seu tratamento no Memorial Hospital, do qual acompanhou os preparativos e desenrolar da regata. Seu filho e companheiro de velejadas, Fernando Pimentel Duarte, acompanhava-o em New York e, por ordem de seu pai, em janeiro de 1950, foi direto do hospital para Buenos Aires para juntar-se ao seu irmão José Luiz e competir com o VENDAVAL na segunda edição da regata.
José Candido escolhera o escritório de Olin Stephens e Rod Sparkman para projetar o VENDAVAL, construído no Rio de Janeiro na Ilha dos Ferreiros, no Estaleiro Brazilian Coal Co. sendo batizado em 17 de janeiro de 1942 . No livro de memórias de Olin Stephens consta que o projeto do Vendaval foi o único executado durante a 2ª guerra mundial. Olin e Rod tornaram-se amigos de José Candido e o visitavam no hospital em New York.
José Candido, ainda no Hospital de New York, convidou o Capitão de Corveta Helio Leôncio Martins para assumir o comando do Vendaval, porém ele achava que o comando deveria ser do José Luiz Pimentel Duarte (filho mais velho do José Candido).
Felipe Justo, vencedor da primeira edição Buenos Aires Rio, capitão do Alfard, que deixou a sua marca indelével no iatismo da América Latina, porém não participou da 2º edição. Faleceu navegando na costa do Uruguai anos antes da 2ª Buenos Aires – Rio.
O primeiro desafio da regata consistia em chegar a Buenos Aires. As condições meteorológicas da região podem ser extremamente adversas, e por consequência a navegação deve ser precisa. Devo lembrar, que os instrumentos de navegação disponíveis na época eram a bussola, cartas náuticas, compasso, régua, relógio, alidade, rádio gônio, sextante, lápis e borracha. Muitas histórias poderiam ser relatadas aqui dos contratempos encontrados pelos veleiros e velejadores. Entretanto, relatarei duas que considero ilustrativas.
Segundo o diário de bordo do veleiro SIROCCO, escrito por Frederico Krueder, em 26 de dezembro o barco deixou o porto de Santos rumo a Buenos Aires, fazendo escalas em La Paloma e Montevidéu. Conforme seu diário de bordo, no dia 28 o vento virou para o Sul e no dia 3 janeiro escreveu: “Encontramo-nos hoje a 60 mn ao largo da costa do Rio Grande do Sul. Há grande marulho de ondas curtas. O iate balança fazendo 5 nós. Muita animação a bordo, apesar de não termos mais pão, estar racionada a água e, de manhã, comemos apenas uma papa grossa sem leite.” No dia 12 partiram de Montevidéu com um vento de Nordeste que foi aumentando de intensidade. Ainda relatou que chegaram a Buenos Aires com as velas muito danificadas pelos fortes ventos e foi difícil a navegação no canal de acesso ao porto.
E, os veleiros da Escola Naval da Marinha do Brasil: ALBATROZ e o GRAZINA, que partiram do Rio de Janeiro, no dia 3 de janeiro, escoltados pelo Navio de Guerra BERTIOGA, com destino a Buenos Aires, enfrentaram no segundo dia de viagem a primeira tempestade com vento Sudoeste e chuvas. O GRAZINA foi forçado a arribar para Santos em função do mal tempo, que o colocou fora da regata em função do prazo para chegar ao porto de Buenos Aires. Dia 15 de janeiro, após 12 dias de navegação, o ALBATROZ e o Navio de Guerra BERTIOGA, aproximam-se do porto de Buenos Aires.

E aí vamos nós para 2º grande regata em 22 de janeiro de 1950.

Dia 22 - Vento Sudeste de 45 nós. Uma hora antes da largada e muitos contratempos continuavam acontecendo:
ALDEBARAN quebrou a retranca e retornou ao porto.
ATREVIDA que desloca 90 toneladas e 3,80 m de calado, encalhou antes da partida. Encontrou muita dificuldade de bordejar no estreito canal de acesso ao porto de Buenos Aires.
FORTUNA teve avarias no estaiamento e retornou ao porto.
LORNA teve avarias no estaiamento e retornou ao porto.
ALBATROZ e ISEO não largaram.
O helicóptero com cinegrafistas e repórteres caiu no mar. Todos sobreviveram inclusive os filmes. Ver a foto do TUDERMAY onde aparece o helicóptero.
Às 17 horas larga a regata. As condições meteorológicas eram realmente adversas com vento Sudeste rondando para leste, fazendo com que toda flotilha sofresse com o vento forte a noite toda. Foram inúmeros bordos para passar o canal do Rio da Prata, cercado por baixios e cascos soçobrados.

Dia 23 - Vento contra e forte pela manha, o ALFARD arribou em Colônia, no Uruguai, para fazer reparos. E, o SIROCCO que navegava junto à costa do Uruguai, tentando evitar a correnteza contrária, fazia reparos na vela grande e costurava os garrunchos da buja, que se soltaram. O vento diminuiu a intensidade durante a tarde.

Dia 24 - VENDAVAL, FJORD III e JOANNE estavam entre o Cabo Polônio e o Farol do Chuí. Na altura da Ponta Santo Inácio o SIROCCO colocou o balão e começou a navegar a velocidade de 12 nós. O ONDINA estava no través do Cabo Polônio, o MAJOY em La Paloma e o Aracaty em Punta del Este.

Dia 25 - VENDAVAL, FJORD III e JOANNE estavam próximo ao Farol Capão da Marca. O SIROCCO cruzou o Chuí em 10º lugar, informação fornecida à eles por um navio da Marinha Brasileira. O ONDINA poucas milhas a frente do MAJOY, ao Sul de Rio Grande, fizeram 150 mn em 24 horas e o ARACATY que estava no través do Farol do Albardão, distante 60 mn para o mar, adotou a estratégia de afastar-se da costa.

Dia 26 - Vento nordeste forte. Segundo German Frers, em seu livro "Viajes, Disenos e Regatas", o FJORD III adotou a estratégia de seguir o rumo do VENDAVAL, que optou pelo bordo de terra. Fizeram muitos bordos curtos próximos à praia e avançaram poucas milhas. O SIROCCO em razão do vento forte foi obrigado a capear. O ARACATY seguiu seu bordo para o mar e o MAJOY para terra, estavam na altura do Farol do Capão da Marca.

Dia 27 - Vento Nordeste forte. VENDAVAL e FJORD III navegavam ao Sul do Cabo Sta. Marta, com bordos curtos próximo a praia, o que tornava a velejada cansativa. Na altura do São Simão ARACATY fez 93mn em seu rumo afastado da costa e o MAJOY fez um pouco mais de 70 mn próximo a costa.

Dia 28 - Vento Nordeste forte. VENDAVAL e FJORD III fizeram um bordo longo para o mar, a 50 mn da costa onde os dois cambaram para o norte na altura Laguna. O ONDINA encontrava-se próximo a Torres, o MAJOY ao norte de Tramandaí e o ARACATY estava a 140 mn da costa na ao Sul de Tramandaí.

Dia 29 – Sem referencia ao vento na posição do VENDAVAL e do FJORD III, que estavam na altura da Ilha de Florianópolis a 50 mn da costa, onde fizeram novamente o bordo para a terra. ONDINA e o MAJOY, que tentavam contornar o Cabo Sta. Marta, encontraram vento Nordeste forte e praticamente não avançam.

Dia 30 - VENDAVAL e FJORD III estavam próximos a Ilha do Bom Abrigo. O SIROCCO cruzou o Cabo Santa Marta em 7º lugar e segundo seu comandante Frederico Krueder, estavam com avarias nos estais, que poderia levar a ruptura do mastro. "O vazamento de água pela enora (a onde o mastro cruza o convés), molhava os colchões, o mal cheiro e falta de higiene pessoal incomodavam a pele dos tripulantes e tornavam a regata mais difícil." O ARACATY estava a 40 mn a Sudeste de Florianópolis, na altura de Imbituba, enquanto o ONDINA e MAJOY montaram o Cabo Sta. Marta.

Dia 31 – O VENDAVAL navegava ao largo de Ilhabela e o FJORD III a 30 milhas afastado da costa. O vento acalmou para o SIROCCO na altura de São Francisco do Sul. O ARACATY cruzou na frente do ONDINA e do MAJOY e desistiu da regata. O ONDINA e o MAJOY ao Sul de Florianópolis seguiram no bordo para o Leste.

Dia 1 - Vento contra fraco para o VENDAVAL e o FJORD III que estavam próximo a Ilha Grande em Angra dos Reis. O ONDINA e o MAJOY navegaram a maior parte do dia para o Leste e praticamente não avançaram em direção ao objetivo, cambando para o Norte no fim da tarde, na altura de Florianópolis.

Dia 2 - O VENDAVAL cruzou a linha de chegada aos 00 horas e 21 minutos, sagrando-se Fita Azul da 2ª Buenos Aires - Rio, seguido pelo FORD III, 50 minutos após e em terceiro o chegou o JOANNE às 13 horas.

Fernando Pimentel Duarte, relembrando da regata, escreveu em um email para mim: “Navegávamos a noite próximo a orla do Rio de Janeiro, calmaria com pequenos sopros de ventos de todos os lados, mas o emocionante foi que, não me lembro da estação de rádio, o locutor esportivo Oduvaldo Cozzi irradiava, de bordo de uma lancha, as manobras que fazíamos como se fosse a transmissão de jogo de futebol. Mas, o que realmente nos deixou emocionados, foi quando navegávamos em frente à Copacabana e o locutor pediu aos moradores apagassem as acendessem as luzes dos apartamentos para nos incentivar, no que foi atendido por todos."
O ONDINA e o MAJOY estavam na altura de São Francisco do Sul a 130 mn da costa e, singraram 100 mn em direção ao Rio de Janeiro.

Dia 3 - O ERRENTE chega as 18 horas conquistando o quarto lugar em tempo corrigido. O SIROCCO na altura de Santos, encalmado, avaliou que não teriam mais chances na competição e às 19 horas entrou no Porto de Santos dando por encerrada a participação na regata. O ONDINA e o MAJOY estavam entre a Ilha do Bom Abrigo e Santos.

Dia 4 - As 07 horas cruzou a linha de chegada o ALFARD. Ao final da tarde entrou um vento Sudoeste forte, o ONDINA estava a 80 mn do Rio de Janeiro seguido do MAJOY.

Dia 5 - Entre 2 e 3 horas cruzaram a linha de chegada na ordem o TRUCHA, MAGELLAN e ONDINA e as 09 horas da manha o MAJOY completa o percurso.

Agradecimentos:
Ricardo Garlace YCA, Francisco Billoc AAVC, Fernando Pimentel Duarte ICRJ, Roberto Geyer, ICRJ, Jonas de Barros Penteado ICS e Biblioteca do VDS.
Apesar da ajuda precisa e cuidadosa dos colaboradores acima, este artigo pode conter erros, que são de minha inteira responsabilidade.

Resultado da Regata BsAs - Rio 1950

 

Artigo anterior: Regata Buenos Aires - Rio de Janeiro, 1947

Comentários recebidos

27 Mai 2013
Victor R. DemaisonC

Caro Átila,
Só tomei conhecimento desta reportagem hoje. Mas faço questão de te parabenizar, mesmo que tardiamente.
Abs,
Victor R. Demaison
C


Envie seus comentários

Nome
 
e-mail