Sob
as ordens de um comandante gelado
A Revista Época publicou excelente matéria de 12 páginas entitulada "Coração Antártico", enfatizando o terrível convívio a bordo do Paratii 2 durante a expedição. O estilo 'gelado' deste comandante que adora a solidão da Antártida é fartamente ilustrado pelos depoimentos de dois tripulantes que abandonaram a expedição. O próprio Amyr mostra um bordo ainda não publicado de seu temperamento pouco dado ao convívio embarcado. Desentendimentos, gritos,
lágrimas e humilhação Ao ler sobre a torturante convivência a bordo do Paratii 2, lembrei de uma navegada em que me foi difícil tolerar a conduta de um dos tripulantes que eu pensava conhecer melhor. Mas nunca sequer imaginei que alguém pudesse sair no soco a bordo, como li nesta matéria. Muito menos em se tratando de um navegador renomado. Dos 4 tripulantes, apenas Flávio Fontes, o tripulante fixo do barco, foi até o final da viagem. Os outros 3 desembarcaram há 2 meses, em Ushuaia. Alex da Silva Ribeiro (proeiro e cozinheiro) arriou porque não suportou o comandante. Gibrail Rameck Júnior (mecânico) desembarcou porque o comandante não o tolerava mais, e o cinegrafista da National Geographic porque acabara seu trabalho. Após "76 dias de desentendimentos,
gritos, lágrimas e humilhação" atracaram em Port
Lockroy, o ponto de partida e de chegada da circunavegação
polar. Os tripulantes apelidaram a expedição de "Big
Brother em alto-mar". O jeito de urinar.
E de reclamar. Amyr ficou furioso ao ver gotas de urina na tampa do vaso, exigindo que o tripulante a limpasse com desinfetante. Se a disciplina não for cobrada, o barco vira uma bagunça. Amyr tinha todo o direito de reclamar. Parece que aí o problema foi o jeito. O jeito de urinar, e de reclamar. A
palavra do comandante é a lei Se alguém acidentar-se a bordo, p.ex., o comandante poderá ter que responder criminalmente, mesmo que por culpa exclusiva do tripulante. Por outro lado, o comandante é quem dá as ordens. E pode mandar sozinho, ditatorialmente. Pode obrigar os tripulantes ao uso de coletes salva-vidas, se julgar que as condições de segurança exigem isso. Pode impedir o uso de bebida alcoólica a bordo, se julgar por si só que há riscos (resgatar um náufrago bêbado não deve ser fácil). Pode manter um rumo mesmo que a tripulação toda conclua que vá dar nas pedras. O comandante tem poderes para isso. E se assim não fosse, o barco poderia virar uma baderna. Ao comandante cabe escolher a tripulação, e a ela cabe aceitar, ou não, o convite para embarcar. Uma vez embarcado, o tripulante deve submeter-se às ordens do comandante. Não sei como classificar o Paratii 2, se como embarcação de uso comercial, de recreio, ou o que. Em embarcações de recreio observa-se na prática que o comandante relaciona-se com seus tripulantes procurando tornar o convívio o mais agradável possível. E isso não é 'exclusividade' do comandante. Todos a bordo devem buscar isso, como em uma família, em uma empresa, ou em um vaso de guerra, no porto seguro ou entre os icebergs da Antártida. Em momentos de stress a bordo vê-se também comandantes gritando com a tripulação e repreendendo grandes amigos por bobagens, mas é circunstancial e lembra os marmanjos brigando em um mesmo time de peladas de futebol. Em regatas isso ocorre freqüentemente. Passados os momentos de faina complicada, entretanto, tudo volta ao normal. "Para mim foi
uma experiência legal" "O Júnior foi uma pessoa baixo-astral do começo ao fim. Já o Alex é um cara sensacional mas nunca vai ser um navegador. Só funciona se mandar nele. Gostei muito desse problema de relacionamento com as pessoas. Para mim foi uma experiência legal. Foi uma novidade ter comportamentos tão diferentes no mesmo barco", declarou o comandante Amyr, 48 anos. Para quem é comandante e dá
as ordens, até pode ter sido legal. Já para a tripulação
parece ter sido um inferno no gelo. Mesmo assim é difícil
acreditar que alguém possa ser tão indiferente ao que está
acontecendo a bordo, a ponto de classificar de 'legal' um clima tão
ruim como este relatado. É preciso ser gelado demais. De ídolo e amigo,
ao desprezo Alex vem de família de homens do mar, serviu à Marinha e naufragou no pesqueiro Chile Dos na costa gaúcha em setembro passado, onde viu colegas morrerem. No bote salva-vidas por 4 dias, ele e mais 7 tripulantes inventavam assunto: "Eu dizia que sairia dali e faria uma viagem pelo mundo porque tinha um amigo (Fontes, o Imediato do Paratii 2) que trabalhava para o Amyr Klink.", disse Alex. Já a bordo do Paratii 2, Alex conta que rezavam para Amyr acordar de bom humor. "Teve um dia que, depois de eu limpar o banheiro por 2 horas, o Amyr não estava satisfeito. Fiquei mais 2 horas limpando com uma escova de dentes". Júnior, dono da marina Perequê-Açu, em Paraty, já conhecia Amyr há tempo. Diz que Amyr era uma referência para ele. "Amyr se transformou em outra pessoa no barco. Se eu pudesse, tinha saltado em cima de um iceberg." O trauma foi tão grande na submissão aos caprichos do comandante Amyr que Júnior ainda hoje acorda-se em pânico no meio da noite. O gosto pelo gelo:
"Odeio comunicação" Isto parece explicar o gosto de Amyr Klink pelas navegadas solitárias. Prefere estar sozinho, sente-se bem assim. Mas já que optou por ter companhia na Antártida, entende-se que poderia ter removido o gelo, pelo menos de dentro do barco.
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