Um Day Sailer
na Lagoa do Casamento

"Durante toda a velejada jamais vi algum veleiro..."

por José Campello
 

 

O passeio foi um sucesso e o tempo colaborou com bastante vento e sol permitindo cumprir 90% do planejado, ficando descartados apenas o Capivari e a lagoa Bonifácia.

Pena que o Danilo, Dieter Brack e namorada não puderam ir para dividir as alegrias e ansiedades do programa, tudo bem, fica para outra vez.

A tripulação composta por mim, meu filho Fernando e sobrinho Lucas todos velejadores, curtiu muito a natureza e certamente ficará com as emoções da ventura gravadas para o resto da vida.

O programa foi montado com sucesso utilizando os recursos do site Popa com grande fidelidade no mapa, WPs, e características dos locais fornecidas por Luiz Carlos Portinho, básico para quem quiser se aventurar neste roteiro.

Saímos na quinta feira de POA, dormimos em Palmares e sexta de manhã diante de um vento de aproximadamente 25 nós adentramos a Lagoa do Casamento via lagoas do Firoca e Araçá com vento sudoeste batendo forte na cara com muita onda, molhando bastante.

Depois de pegar altura suficiente optamos pelo circuito anti-horário. Com o Day sailer carregado e não querendo arriscar uma virada, começamos o 1º través apenas com a genoa deslocando a 4 nós. A 1ª parada no levante d´água da fazenda Boa Vista (8MN) já ficou evidenciado as belezas que nos esperavam. Aproveitamos para secar, descansar e lanchar.

A seguir encarando um contravento, bordejamos com a grande rizada subindo até 1 MN da lagoa Bonifácia (abortada) contornando a ponta oeste cruzando o banco central na raiz com a bolina toda baixa (calado de 1,15m) sem toques, entrando às 18 hs no Jacarezinho (levante dágua) paradouro protegido com barrancas para pernoite em terra, após mais 11 milhas percorridas.

Com o vento favorável, de través, encaramos ainda mais 4 MN até a Sanga da Pimenta chegando às 19:00 hs.

Percorremos ao todo no 1º dia 27 MN, dando destaque para a sanga Pimenta que se apresentou como um paraíso aos nossos olhos pela beleza, natureza selvagem intocada e excelente paradouro com múltipla opções para acampamento, na grama, no mato protegido, muito peixe, muita fauna, simplesmente a melhor opção em toda a velejada.

Na sexta feira dia e noite ventou forte, mas à noite uma bela lua quebrava as trevas.

Mais tarde me protegi dentro de um capão embaixo de uma figueira para dormir enquanto a garotada preferiu armar a barraca no gramado mais exposto desafiando o vento.

Depois de explorar a beleza da sanga até onde os aguapés permitiam arrumamos o barco e partimos em contravento com vento sudoeste próximo de 20 nós rumo ao canal do Abreu. Só então rumamos para o Furado tangenciando a divisa imaginária com a Laguna dos Patos exatamente por cima do banco com vento sudoeste pela alheta com a bolina semi-recolhida sem jamais tocar no fundo.

A lagoa estava cheia pelo quadrante do vento que soprava já a mais de 30 horas. Entramos no canal do Furado sem problemas, pela margem norte. Lá encontramos 4 pesqueiros típicos da região que acompanhamos todo o canal só com a grande desfraldada.

Nosso objetivo era preparar uma massa na fazenda das Almas onde fomos bem recebidos por uma curiosa e atenta cobra verde que morava nos pneus de atracação. Ao tentar pegá-la pelo rabo ela saltou na água, mas voltou pra casa loguinho sem abandonar o lar.

Com o estômago satisfeito e uma boa sesta, tirada sob a vela do barco antes de invadirmos o rio Morto, restabelecemos o equilíbrio entre as emoções e tensões. No retorno conhecemos o famoso canal da Ilha Grande, aconselhável para barcos de maior calado.

E o paradouro Monjolo? Imaginávamos um agradável ancoradouro dentro de uma baia com barranca na margem, sombra ao pé de figueiras no fim do canal, entretanto a realidade das ondas batendo, a roupa molhada, o sudoeste nos fustigando mostrou que ele ficara para trás lá no canal onde ventos do quadrante nordeste, sudoeste não tem vez, permitindo uma ancoragem tranquila.

Entrando na seção sul da lagoa apontamos nossa proa para a sanga Helena em novo contravento agora mais suave.

Buscamos a margem para amenizar o balanço e o salpico. A sanga de acesso difícil, raso, mostrou uma fauna ativa com ratões do banhado e muitos pássaros, garças e marrecas. A lavoura de arroz avança contra os limites do arroio.

Subimos 1,0MN até as aguapés nos barrarem, então voltamos deslizando suavemente na vela admirando a natureza, a vida e o entardecer.

Projetáramos dormir no arroio Cavalhada ou no Casamento. O vento amainara, mas o barco desenvolvia 5 nós sem ondas, uma delícia de velejada.

Cobrimos as 4,5 milhas em 1 h. O Cavalhada não estava para cavalheiro, uma entrada artificial para captação de água não permitia acesso e o leito do arroio estava interrompido pela passagem de fios elétricos que apesar de aparentar mais de 10 metros não convidavam seu cruzamento. Restava a margem direita que com grama muito alta irregular e descampada não nos sorriu com simpatia.

Fomos em frente antes que anoitecesse. Aí uma surpresa, uma distorsão do mapa nos favoreceu, ao invés das duas milhas esperadas, apenas 0,9 MN nos separavam da sanga do casamento. Lá encontramos os dois barcos do seu Teixeira com perto de 15 turistas de POA, dispostos a cantar, pescar e beber em total descontração de fim de semana. Teixeira e seu filho cuja casa abrigava nosso carro e reboque ficaram estusiamados em nos rever.

No dia seguinte a alegre turma convidou-nos para comer um churrasco, o que agradecemos nos despedindo e seguindo nosso destino. Na saída apontamos para Frei Bastião 4,1 MN adiante pela margem leste. Necessitamos motorar 3/4 da distância, o vento acabara.

Este local pode ser esquecido. É raso, feio, sujo e possui atravessamento de cabos elétricos. É de longe o pior cenário da lagoa. Só pensá-lo numa emergência.

O penúltimo destino, a ponta norte da Ilha grande, centro geográfico da lagoa e passagem obrigatória dos pescadores que vão para o Furado estava a 6,5 milhas de motorada.

O Luis Eduardo nos prevenira quanto a quantidade de cobras e de fato há vários rastros nas dunas existentes que se estendem brancas em profusão pela margem leste. Não existe barranca mas há locais abertos artificialmente pelos pescadores no meio do junco e por um deles nos infiltramos para nosso último lanche antes da travessia final de 7 MN motorada até Palmares com direito a banho de lagoa.

Na última milha o retorno de uma agradável brisa ora norte ora sul, nos permitiu entrar a vela pelo canal da lagoa do Araçá. O retorno ao trapiche de seu Teixeira aconteceu às 18:h, mas até aprontar o barco e tormar banho no hotel passou das 20:30 h o retorno para POA.

A quem deseja um dia fazer o roteiro dou algumas informações uteis:

- Anexo segue um mapa do site cedido por Luis Eduardo Portinho com esboço do percurso e distâncias percorridas, 77MN ao todo, além dos pontos de pernoite. Os WP lançados são confiáveis e precisos. O GPS é indispensável.

Não levamos carta náutica, apenas o mapa envelopado num saco plástico com as medidas pré-calculadas, cujo vento chegou a lançá-lo na água sem prejuízo no entanto por causa do encapamento.

- Tivemos sorte de pegar a lagoa cheia pelo tipo de vento sudoeste que soprou na véspera e nos dias da velejada. Se soprasse com intensidade e persistência o nordeste, provavelmente teríamos de recolher a bolina em alguns arroios/sangas.

Devido ao regime dos ventos a lagoa chega a variar quase 1 m na altura da lâmina d´água. Sabe-se de barcos que ficam presos durante a noite por falta de calado na saida da manhã.

Na noite de sábado para domingo sentimos este efeito na sanga do casamento ficando com o leme enterrado no leito com a popa fora dágua num desnível de 20 cm pela inversão do vento de sudoeste para nordeste durante a noite.

- O carro e reboque podem ficar na casa de seu Teixeira que aprecia as visitas e oferece a possibilidade de passeios com pernoites fora.

- O barco Day Sailer se presta para a aventura, construído em grande quantidade pela Mariner na década de 80, é prático, facilmente rebocável por qualquer veículo medindo 5,10m, pesando 260 kg, possui duas velas com 13,47 m² com possibilidade de rizo e uma mini cabine espaçosa o suficiente para depósito de mantimentos, fogão, acessórios de cozinha mochilas e barracas, além de calado ajustável de 0,20 m a 1,15m, mastro de 7,40m, no meu caso basculável. O GPS chegou acusar 6,7nós mesmo carregado.

O motor de 3,3 Hp é indispensável para entrada nas sangas, manobras e principalmente falta de vento se houver compromissos marcados no retorno. Sentimos no domingo quando motoramos 15 milhas seguidas na calmaria garantindo a hora de chegada. Calculamos que não usaríamos mais de 10 litros de combustível no percurso e gastamos 7litros ao todo. Em velocidade cruzeiro faz 6,0 milhas com 2,0 L de combustível no tanqe integrado.

- Locais como Sanga Helena, Cavalhada, Frei Bastião não oferecem condições para pernoite. Também o norte da Ilha Grande possui difícil acesso para barcos maiores que canoas de pescadores.

- De forma geral a Lagoa não é pródiga em pontos de acesso à terra com poucas praias e barrancas, reservando-os para as sangas/arroios. Os melhores pontos de pernoite são Fazenda Boa Vista, Jacarezinho, sanga Pimenta e sanga do Casamento.

Convencido de afinal ter descoberto o enigma da Lagoa do Casamento passo minha versão.

" Com uma noiva viúva da "nossa canção" (Roberto Carlos?) aguarda o parceiro que uma vez transpassou-a por inteiro em direção ao Capivari e Laguna sem jamais ter retornado, tal qual a Manuela aguardou Giuseppe Garibaldi, ela continua aguardando...

O parceiro desejado é o veleiro, raro na região.
Durante toda a velejada jamais vi algum.


Num lance de miragem despontado, uma sombra branca triangular prenunciava esta companhia a mais de 5 milhas na saída do Monjolo, frustada no entanto pela transformação em um grande silo arrozeiro pitorescamente iluminado pelo sol na margem oposta, na sanga do Casamento.

A lagoa, como uma noiva nem sempre tímida, seduz os visitantes com suas belezas escondidas oferecendo peixes de vários tipos e tamanhos, como as tainhas que saltam a todo instante e abundância de bagres e traíras.

Quem se utilizar do recurso Lupa verá na foto 34 o tamanho dos bagres pescados pela turma de POA durante a noite. Detalhes das possibilidades da pesca talvez possam ser comentados por nosso recente colega Edison Woycinck, uma vez que o nosso cardápio pisciano foi rico só em Lambari frito na mantiga, por sinal delicioso.

Da carência de parceiros a noiva pode, traiçoeiramente em conluio com o vento, segurá-los por mais tempo satisfazendo seus caprichos numa série de artíficios fechando a boca dos arroios e sangas aprisionando-os pelo tamanho de sua quilhas".

Lamentavelmente Palmares não possui clube náutico. A falta de veleiros contudo é contrabalançada pela presença das canoas e traineiras de pesca e principalmente pela hospitalidade de seu povo representado pelo seu Teixeira e seu filho Antônio.


A rampa do entreposto de pesca funciona muito bem para lanchas de até porte médio e foi tranquilo para nosso Day Sailer.

Fico a disposição no que puder ajudar à outros aventureiros que queiram fazer roteiro semelhante.


Por fim quero ressaltar a competência e companheirismo de Fernando (filho Oceanólogo) e Lucas ( sobrinho Piloto) e desejar que todos possam ter colegas de aventura como eles.

 

 

 

 

 

 


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