Porto Alegre - Rio Grande - Porto Alegre
A primeira velejada de um barco do ICG no mar
Augusto Chagas

 

Publicado nos nº 19 e 20, Ano II, da revista VELA, 1.955



De buja cheia
"A louríssima Jaqueline Bauer, a bordo de um pequeno veleiro,
dá uma demonstração de sua plástica perfeita.
Leitor amigo, note que a buja está cheia.
"

(Observação na contracapa da revista Vela, sem dúvida audaciosa para aqueles anos 50)

 

 

Porto Alegre - Rio Grande - Porto Alegre

 

Barco: Guanabara

Nome: Mandarim II

Tripulantes: José Napoleão Philomena, conhecido como Gunga

                   Eduardo Rodrigues, Dadá

                   Saul Bastos

                   Augusto Chagas

 

Dia 12/fevereiro/1955 Sábado 

Saímos do Iate Clube Guaíba, na Praia de Belas esquina com a Rua Costa já meio tarde, pois carregar o barco não foi fácil.  Velejamos até a Chico Manuel, chegando lá pelas 20 horas.  A janta foi uma sopa de lentilhas comida junto com todas as mariposas do mundo.  Depois da janta velejamos até o Sítio.

 

Dia 13/fevereiro/1955 Domingo 

Chegamos no Sítio a uma da madrugada. De manhã falamos com os tripulantes de três barcos que estavam abrigados aqui que só nos aconselharam viagem curta pela lagoa.  Pensávamos ir até ao Pontal de Tapes mas, resolvemos ir só até as Ilha de Barba Negra.

Tem tanta coisa a bordo que se unidas achamos que daria até para chegar a Rio Grande.  Em compensação já notamos falta do peso para o cardan do fogareiro Primus e bóias para o espinhel.

            Ancoramos na parte norte da ilha.  Fomos ver se comprávamos algum peixe dos pescadores mas acabamos ganhando uma piava que de tão grande só aceitamos a metade suficiente para nós três.  Depois do almoço saí para tentar caçar algum jacaré mas só encontrei um que assim mesmo já estava morto há alguns anos.

            Durante a tarde roncou um temporal, porém estávamos bem abrigados comentando o acertado de termos seguido o conselho que nos tinha sido dado no Sítio. Quando estávamos jantando apareceram num caíque à vela três pescadores procurando um outro cujo filho tinha se acidentado na Barra do Ribeiro (parece que a criança tinha quebrado os dois braços).

           

Dia 14/fevereiro/1955 Segunda-feira

             As sete e trinta saímos rumo ao Pontal de Tapes usando nossa bússola de mão sem sabermos se ela marca certo ou não.  É uma daquelas bússolas tipo Besar, sem líquido para amortecer o movimento e que colocávamos em cima de um pano tentando deixa-la na horizontal única posição que ela funcionava...  Vento aumentou muito e cresceram as ondas.  Para poder rizar  a mestra resolvemos ancorar o barco e para evitar os socos na corrente largamos toda ela.  Depois de muita dificuldade conseguimos rizar razoavelmente o pano.  Bruto foi desancorar.  No meio da lagoa, com aquelas ondas, quando chegava a hora de arrancar o ferro a onda passava por cima do barco.  Pensamos até em botar fora ancora com toda a corrente, não deu porquê  a mesma estava remanchada na base da abita e não dava.  Depois de muita força finalmente, conseguimos alar o ferro.   Logo depois, havendo muita carga a bordo para as condições de vento e onda demos início à primeira manobra de carga ao mar, começando pelo porão do estômago do Saul.  Vou dar uma parada na escrita, esse tripulante que está mais branco que pele de feto precisa se deitar neste beliche.

            Vento continua nordeste e aumentando uma barbaridade assim como as ondas, dificultando muito a navegada.  A pouco o Gunga falou que o barco está jogando mais que o time do Vasco e pelo jeito ele é o próximo a lançar cargas ao mar. Estão eles agarrados na bancada que nem pingente em bonde e diz o Dada que pela cor deles dá a impressão que o barco é um museu de cera.

            Atingimos o pontal depois de quatro horas e quarenta e cinco minutos tendo que dar uma boa bordejada para conseguir chegar ao abrigo.  Esse vento todo acabou esgarçando o pano grande mais ou menos a um metro do punho de adriça.

           

            No abrigo fizemos uma boa pescaria de pintados que garantiu a janta.  Vento continua aumentando com céu claro e sem nuvens.  Antes de dormir refizemos e reforçamos o punho da mestra que era a nossa filha única.

 

Dia 15/fevereiro/1955 Terça-feira          

            Hoje a alvorada foi mais tarde, café com muita mosca a bordo.  Nosso rumo é a Lagoa do Graxaim.  Lá pelas tantas começamos a discordar da nossa bússola e resolvemos ancorar o barco para dar uma confirmada.  Subimos em um cômoro e vimos que a bússola estava certa.  Quem é burro aprende a pau.

            Entramos na barra às 15h30min.  Ela estava sendo fechada pelos arrozeiros com uma taipa que vai ser completada amanhã.  Fomos até a vila comprar mantimentos e voltamos para a barra. Parece que teremos um grande temporal ainda hoje.  Logo que atracamos o barco na margem apareceu um nativo perguntando se o nosso barco era o tal de auto-bote e se por cinqüenta cruzeiros nós o levávamos até a vila.  Isso não fizemos mas atravessamos uma família para o outro lado da barra.  O temporal veio mesmo, muito forte, com muita chuva passando em pouco tempo. 

 

Dia 16/fevereiro/1955 Quarta-feira 

            O dia amanheceu nublado e chovendo não estimulando a saída para São Lourenço.  Resolvemos ficar mais um dia aqui, aproveitando para fazer uma boa limpeza no barco e tentar caçar alguma coisa.

            Caminhamos mais de três horas atrás de alguma marreca sem caçarmos nenhuma.  O Gunga lá pelas tantas queria ficar dormindo em baixo de uma árvore se a gente prometesse voltar pelo mesmo caminho.  Não levou.

            Agora, 21 horas o céu começou a mostrar algumas estrelas.  Vamos ver se a manhã a gente sai.  O abrigo é muito bom, porém com a barra fechada para ir até a vila tem-se que caminhar mais de cinco quilômetros.

 

Dia 17/fevereiro/1955 Quinta-feira

             Depois de buscarmos água numa cacimba próxima saímos do abrigo desta vez tendo que pular na água e empurrar o barco, as ondas não deixavam usar o motor nem a vela.  Como o vento era de proa resolvemos motorar até o Banco da Dona Maria.  No banco, bem perto da costa há um marco com um triângulo de madeira em cima que marca o canal de passagem. Apesar disso tivemos que descer do barco e empurrar um bom pedaço.  Dali içamos os panos e rumamos para o Vitoriano distante 14 milhas.

            Velejamos com um bom vento e atingimos Barra Grande ou segundo a outra carta Banco Vitoriano.  Nesta ponta tem uma ilha grande o suficiente para servir de abrigo. Cruzamos a ponta bem junto à costa apesar de uns pescadores nos terem feito sinais de que era mais para fora.  Logo que se passa a ponta tem-se a impressão que se está chegando à Praia da Alegria, a areia, o trapiche e as construções que ali existem bem lembram aquela saudosa praia.

            Hoje ao meio dia experimentamos pela primeira vez o cardan numa velejada com ondas.  Funcionou bem e a água que estamos fervendo mal se mexe na panela.  Teremos uma massa, com uma infusão diabólica de molho.

            O vento diminui bastante e resolvemos ligar o motor para não chegar a São Lourenço de noite.  Nosso Penta 4 tem pegado todas às vezes na primeira puxada e se comportado muito bem.

            Às 16:30 chegamos na Barra do São Lourenço que nos dá uma impressão bem marinheira com seus ceboleiros, seu rio cheio de curvas e de velhos barcos naufragados nas margens, reminiscência da época em que o transporte era feito quase só por água.

            Atracamos o barco perto de uma ponte o que nos deixou próximo da cidade.  Fomos jantar num hotel e quando estávamos nos aperitivos apareceu um padre querendo saber quais as nossas intenções na terra.  Quando o falado foi convidado para aperitivar conosco recusou dizendo que tinha vindo só comprar cigarro, mas cigarro para o cara eram alguns copos da branquinha tomadas com uma classe que só vendo.

           

Dia 18/fevereiro/1955 Sexta-feira 

            Sétimo dia de excursão.  Comandante amanheceu com a macaca e resolveu sair barra a fora o mais depressa possível sem antes tirar a água que sempre entra um pouco, completar o rancho e pegar água potável. Arejado pela brisa da lagoa resolveu voltar, tomar café na cidade e arrumar o barco.  O estado deplorável do comandante se deu, dito por ele, por um passo em falso que ele deu quando voltava para bordo de madrugada. Mas ficamos sabendo ter sido a altura de uma janela...

            Finalmente. 10:10 recomeçamos a viajada rumo à feitoria com muita onda e um vento de três quartos pela popa.  Saiu logo atrás de nós um caíque de pescador, Rio Pardo, que, em uma hora nos passou e se foi embora mesmo nós estando com o foque grande e caprichando na velejada.

            Na hora em que comíamos uma sopa atingimos o baixio da Feitoria.  Nunca tinha visto tanto pau fincado em uma só zona, são os calões que os pescadores usam para prender as redes.  A profundidade é de um a um metro e meio e só com uma sorte muito grande é possível passar aqui de noite sem arrombar o fundo do barco com um pau destes. 

            Um pouco antes de cruzarmos o canal passamos por um Ita, é o primeiro vapor que nós vemos depois que saímos do clube.

            A estas alturas corremos num vento de popa bastante forte.  O pescador que nos alcançou quando saímos de S.Lourenço também está indo para Pelotas, bem no rumo, apesar de ainda não se enxergar a costa.  Passamos, a pouco, por um bando de botos atacando as tainhas que estavam numa rede.

            Tempo parece que vai mudar, começando a formar nuvens no horizonte, vamos ver se conseguimos chegar ao São Gonçalo antes do mau tempo.

            Na ponta da Feitoria existem muitas ilhotas e, mesmo, uma bem grande que diz o Dadá se chamar Ilha dos Holandeses.  Esta ilha foi feita artificialmente e não consta nas nossas cartas que devem ser anteriores a ela.

            Já estamos navegando em água bem clara e salgada, bem diferente das do nosso Guaíba.

            Às dezesseis horas chegamos à barra.   A velejada de hoje foi a melhor até agora, com uma média de cinco nós.

            Fomos direto para o Clube de Regatas Pelotense onde fomos muito bem recebidos.  Janta na copa do clube e depois uma volta pela cidade voltando para o clube com uma leve chuva.

 

Dia 19/fevereiro/1955 Sábado 

            Duas da madrugada começou a chover forte e tivemos que botar uma lona por cima da cabine para evitar as indesejáveis goteiras que sempre aparecem numa hora destas.

            O Dadá e o Gunga foram almoçar na casa do Pons e eu e o Saul na casa do meu tio Amadeo.  Decidimos sair para Rio Grande amanhã, já estamos com o barco equipado só esperando que o tempo continue nos ajudando.

 

(continua no próximo número)

 


Revista VELA  Ano II nº 20

 

Dia 20/fevereiro/1955 Domingo 

            O primeiro movimento a bordo, hoje, foi a chegada de dois foliões.  Tinham conseguido convites para um baile de carnaval.  O local era um antigo cinema na praça central.  Na hora de entrar ou era fantasiado ou tinha que ser de calça, casaco e gravata.  Fantasia de malandro não servia.  Conseguimos emprestada a indumentária para o baile só que não valeu o sacrifício.  Na saída um dos foliões resolveu ver que cheiro tinha uma “Colombina”.  Parece que não era bom.  

            Seis e quarenta da madrugada desatracamos do clube e rumamos para a barra. Pararíamos lá para nos despedir do Sr. Carlos Stoch que tem uma casa de veraneio na beira do rio.  Falado que tinha muito peixe por ali, resolvemos dar umas tarrafeadas que confirmaram.  Pegamos três linguados, tainhas, peixe-rei e alguns outros, grande pescaria.  Tomamos café durante a pesca.  Este senhor, Carlos Stoch, quando moço foi remando de Pelotas a Porto Alegre.  Pena não ter feito um diário.

            Dez e trinta levantamos âncora com alguma relutância.  Logo que saímos da barra nos surpreendemos mais uma vez com a cor da água ou, melhor, a falta de cor da mesma.

            O almoço foi uma grande fritada de peixes seguido de um abacaxi e rematado com uma xícara de Nescafé.

            Enquanto preparávamos o almoço Rio Grande e São José surgiam, aos poucos, na nossa frente.   Quando cambamos em direção ao Clube passamos por uma iole parecida com o Jupiá do Ayrton que passou a nos seguir sempre gritando: “Mandarim entra mais entra mais”.  Mais perto do clube apareceu outro barco que nos saudou com três hurras e começou também a nos acompanhar.  Finalmente, contra uma forte correnteza, baixamos os panos e entramos na doca empurrados pelo Penta 4. Logo se seguiu um bom e marinheiro bate-papo regado a bebidas bem geladas.

            Jantamos na Gruta Baiana seu prato especial: filé de linguado ao molho de camarão.

            Encontramos após janta em um bar próximo o Polaco (Rembowski) que já estava numa altura maravilhosa e depois nas docas o Monsum que estava chegando de Porto Alegre.  Depois de uma olhada no carnaval de rua, tradicional de Rio Grande e bem diferente de Porto Alegre viemos para bordo.

 

Dia 21/fevereiro/1955 Segunda-feira. 

            Hoje o café foi um pouco mais tarde e nos acompanhou o Clarimundo, marinheiro do clube e grande praça.  O apelido dele é Boi e todos o chamam assim.  Não é um termo pejorativo, trata-se de uma corruptela de boy que era como os ingleses, sócios do clube, o chamavam.
   Ontem havíamos combinado com a tripulação do Miruim, um Classe Carioca um pouco modificado, velejar até a barra e se possível sair mar afora.

            Nossos companheiros chegaram cedo e com pressa de sair para poder aproveitar bem o dia.  Saímos da doca a motor rebocando o Miruim.  Só içamos o panos depois de atingirmos o cais para não termos que bordejar entre o baixio e as docas.  Apareceu então o Mary, um bonito barco um pouco maior que o nosso Tibicuera, que passou a nos acompanhar.

            O Miruim e o Mary, mais velozes e conhecedores das manhas da zona foram se adiantando cada vez mais ao ponto de ancorarem um pouco antes dos molhes para nos esperar.  Quando passamos por eles, içaram os panos e nos seguiram.

            Exatamente às 16:45 entramos no Oceano Atlântico.  Éramos o primeiro barco do Iate Clube Guaíba que velejava no mar. Soprava um leste-nordeste que levantava enormes vagalhões que faziam o barco arfar e caturrar como ele nunca tinha feito.

            Saímos uma hora para fora e depois voltamos, sempre procurando não perder altura para garantir uma boa volta para os molhes.   Nossos companheiros, o Miruim e o Mary ancoraram na base do molhe oeste e nós continuamos.

            Ao passarmos perto de uma ponta onde tem uma colônia de pescadores vimos tanta faina que resolvemos parar para ver.  Ancoramos a sotavento e fomos para terra.

Havia cerca de 20 canoas com cerca de 10 ou 12 homens em cada uma.  Cada uma destas parelhas tinha uma rede de 70 ou 80 braças.  Saiam da praia onde deixavam a ponta da rede e, na base do remo, descreviam uma grande curva sempre soltando rede e voltavam com a outra ponta.  Depois a parelha se dividia e puxava a rede até recolhê-la toda.

            Havia no local um grande cardume de tainhas que estava sendo pescado, ajudados por um grande número de botos que também cobravam a sua parte.

            Nossa volta para o clube foi um tal de encalha, pula na água, sai de novo que não tinha fim.  De noite sempre é mais difícil, principalmente com a carta que temos e o nosso pouco conhecimento dessas águas.

            Finalmente chegamos ao clube e, na preguiça de cozinhar fomos de novo para a Gruta Baiana.

            Faltou acrescentar que hoje de manhã tivemos a visita do “Chatinho”, ex-jogador do Colorado de Porto Alegre, que veio nos contar que ontem num baile de carnaval tinha metido tanto petróleo e feito tantas peripécias que um brigada tinha guardado ele até hoje de manhã e que ele já estava numa boa por que o café da manhã dele já tinha sido um martelo de seis cruza.

            Quando estávamos saindo do clube para a barra encontramos o Pingüim que estava chegando de Porto Alegre.

 

Dia 22/fevereiro/1955 Terça-feira de carnaval 

            A alvorada, hoje foi dada pelo Dada: “Estamos afundando, água quase nos beliches”.  Era verdade, Com as encalhadas de ontem soltou um pouco de calafeto e o barco começou a fazer mita água.  Não afundou mais porque sentou no lodo da doca da proa mais ou menos até à meia nau.

            A essas alturas apareceu o Lemke para ver o que estava havendo e até nos ajudou a secar o barco para ver onde estava entrando tanta água.  Era a estibordo junto à caixa de bolina.  Foi uma barbada por o barco em seco com o carrinho, os trilhos e o guincho que o clube tem.  Faltava calafeto naquele lugar e teremos que deixar o barco secar um pouco até amanhã para refazer o calafeto.  Por isto teremos que dormir dentro da sede esta noite.

            Antes do almoço fomos visitar um barco japonês que, ontem quando saímos fora da barra, vimos ancorado esperando prático.  É um barco espetacular de uma limpeza impressionante, o refeitório dos oficiais estava preparado, tinha uma terrina de barro com tampa para cada um, os pauzinhos e diversos copinhos, nada parecido com o nosso “refeitório”.

            Almoço de novo na Gruta.  De tarde fomos até a praia do Cassino e de noite baile de carnaval.

           

Dia 23/fevereiro/1955 Quarta-feira. 

            Hoje é o nosso último dia em Rio Grande.  O primeiro movimento do dia foi a nossa chegada do baile.  O Gunga que estava dormindo em baixo da mesa de ping-pong, acordou com o barulho.  Ainda meio dormindo se levantou e bateu com a cabeça na mesa reclamando que a cabine tinha ficado muito baixa.

            Tomamos café num bar perto do clube começando logo depois a faina de calafetar.  Tarde toda nessa faina mais a de comprar provisões para a volta.   As 17:30 terminamos de pintar a parte que tinha sido renovada e esperamos mais uma hora para por o barco na água.  Não fez mais nenhuma água de modo que logo iniciamos a faina de estiva que foi até bem tarde.

            Jantamos pela última vez na Gruta Baiana e como despedida final fomos à Mangacha.  Estava muito movimentada, com a marinheirada de sempre.  Só que lá pelas tantas chegaram uns marinheiros de um barco Sueco, já meio altos, fazendo uma baderna danada.  Um deles era um cara enorme com um anão montado no pescoço e não é alucinação, era um anão mesmo.  Este sujeito começou a provocar briga com qualquer um que olhava e ria.  Antes que a coisa piorasse nos mandamos.

 

Dia 24/fevereiro/1955 Quinta-feira 

            Como despedida o Clarimundo ficou a bordo até quase três horas batendo um papo e tomando uns tragos.

            Saímos a motor, o tempo estava bem carregado, vento contra e mar grosso.  Resolvemos parar abrigados atrás da Ponta Rasa para tomar café, tínhamos que estar bem preparados para a etapa de hoje que será de mais ou menos 50 milhas.  As nove e trinta largamos ferro.  A água era ainda mais clara e na costa enormes cômoros de areia.  Desembarcamos para umas fotos, subimos no maior deles donde se avistava Rio Grande e Pelotas.  Na beira da praia tem muitas vertentes de água bem doce e límpida.

            Esta ponta é bem rasa, mesmo, encalhamos o motor diversas vezes e só deu para andar bem depois que a despontamos.  Pensávamos navegar direto até a Barra Falsa só que com o vento de proa forte como está soprando agora não vai dar.

            Estamos agora perto da Ponta dos Lençóis passando por grandes bandos de patos e cisnes.  Às 19 horas ancoramos atrás de um alfaque, bem abrigados.  Tarrafeando pegamos três corvinas que foram jantadas logo em seguida.

           

Dia 25/fevereiro/1955 Sexta-feira 

            Hoje é o nosso 14º dia de viagem, dia nublado, com o barômetro subindo e já soprando um bom vento sul favorável.  Levantamos os panos e saímos rumo ao farolete para tentar não encalhar.  É a maior base de farolete que conhecemos.  Até parece pilar de ponte.  Contornamos o farolete e rumamos para Barra Falsa num largo fenomenal.  Desde que desancoramos o Saul e o Dada estão tentando acender o Primus.  Sai uma fumaça preta de dentro da cabine que até parece filial da chaminé da Usina.  Finalmente conseguimos fazer o café que tomamos ancorados pois, navegando ao largo o barco aderna demais.  Resolvemos rizar o pano mas não deu fazendo com que tivéssemos que içar toda a vela.  Como estamos navegando paralelo ao alfaque com vento de terra e sem onda a navegação está bem confortável.  Passamos por bandos imensos de frango d’água.   Eles só conseguem levantar vôo contra o vento de modo que os que ficam a sotavento só podem mesmo é mergulhar.

            A água entre o alfaque e a terra continua bem clara, a da lagoa já está começando a pegar a cor natural. Na conseguimos passar o alfaque para entrar na Barra Falsa, apesar de termos caminhado por cima dele um bom bocado procurando a entrada.  Resolvemos então ir direto para o Bojurú.  Onde, como sempre passamos por cima do banco e ancoramos bem abrigados.

 

Dia 26/fevereiro/1955 Sábado. 

            Nossa etapa hoje é de 28 milhas até o São Cristóvão.  Se o rumo estiver certo daqui a umas 18 milhas vamos avistar o farolete que marca o Banco da Dona Maria.

Pouco depois das três da tarde cruzamos o Farol de Cristóvão Pereira tendo que bordejar um pouco para conseguir atingir o abrigo.  Ancorados começamos a preparar o rango.  Estamos numa economia de fósforos motivada pelos fumantes pouco precavidos.  Para compensar isso deixamos o lampião sempre aceso.  Para acender o fogareiro usamos um pedaço de papel.  O problema foi que um desses papéis em vez de cair na água acabou acertando a tarrafa que estava secando na popa, queimando uma boa parte das bolsas dando fim às pescarias.

            Depois do almoço fomos visitar o farol que está muito bem cuidado, todo pintado de novo e com o parquê bem encerado.  Levamos todas as revistas que tínhamos a bordo de presente para a senhora do faroleiro e, enquanto estivemos lá deixamos o rádio de pilha para eles escutarem.  Subimos com o faroleiro, o senhor Eurico, até a torre para umas fotos.  Tudo bem cuidado e funcionando perfeitamente.

            O Eurico veio conosco a bordo para jantar e conhecer o barco pretende construir um parecido.

 

Dia 27/fevereiro/1955 Domingo. 

            O sol ainda não tinha nascido e o Gunga já estava nos acordando, Brahme de saudades do clube.  Como eram só três e meia e o tempo não parecia nada bom resolvemos dormir de novo.

            Seis horas com o tempo mostrando melhora desancoramos.  Oito horas cruzamos pelo São Simão que deveria surgir bem a estibordo e apareceu bem a bombordo, também com a nossa bússola só pode acontecer isso. O vento enfraqueceu e tivemos que ligar o motor para ajudar tentando escapar de um temporal que vem vindo.

            Escureceu bastante mas o temporal acabou passando ao largo, depois que clareou deu para começar a ver os contornos dos morros em Itapuã.

            Depois de passarmos por perto de outro temporal, finalmente às quatorze horas entramos de volta no Guaíba.

            Estivemos fora do rio 14 dias, 5 horas e 30 minutos e fora da lagoa, no mar quase duas horas.

            Almoçamos no Sitio e depois tocamos a pano e motor rumo ao clube.  Encontramos o El Capitan no caminho e quando passávamos pela SAVA fomos saudados aos gritos pelo Goidanich e o seu Rogério que estavam fazendo uma visita a eles.

            Atracamos no trapiche do clube às 19:30.  Terminava ai nossa excursão que durou mais de 15 dias, sem acidentes nem problemas maiores.  Era o primeiro barco do Iate Clube que velejava no mar. Esperamos que esta velejada abra o caminho, no futuro, para muitas outras.

 

Fotos da Velejada

                                                                                                                 

                                   

                                   

 

24 Mai 05 João Reguffe Rio Grande
Bela descoberta, Danilo. Repassei aos amigos do www.guaipeca.blogger.com.br
Certamente vão se deliciar com este texto. Abraço
João Reguffe

24 Mai 05 Fábio de Lima Beck
Sem comentários. Excepcional, bem humorado, corajoso, notável!
Fábio/Phoenix

24 Mai 05 Álvaro Fonseca Jr Veleiros da Iha Florianópolis
Danilo!
Na foto em que a chaminé do Gasômetro aparece, vemos um trapiche de madeira. Era da serraria, na esquina da Praia de Belas com a rua Barbedo. Neste trapiche desembarcava a lenha, que na sarraria era transformada em pedaços menores e vendida em sacos, para uso em fogões domésticos. No local posteriormente funcionou a Copal e hoje, uma construtora. O clube ficava na quadra oposta, entre as ruas, Costa e Barbedo. O clube dividia a quadra com o hotel, hoje uma casa geriátrica. Acho que nesta época o clube ainda não tinha o seu trapiche.
Observando por cima do trapiche da serraria, vemos outro com um galpão em cima dele. Era o clube de remo Tamandaré. Seu galpão era após o Grêmio Náutico Gaúcho, em direção ao centro e dentro d'água.
Nasci e me criei na Barbedo. Ao lado da cerca do clube, dentro do rio, pescava lambarí e aprendi a observar os barcos atravessando o rua para serem colocados n'água. No final dos anos cinqüenta eram as barulhentas corridas de chinelinhos nas manhãs de domingo, que me tirava da cama. Voltar do velho Anchieta, caminhando pela Praia de Belas era um programa tão especial, que jamais foi perdido na memória.
Foi triste para a molecada assistir a draga aterrando isso tudo. Mudei-me da Barbedo em 1975, quando vim para Florianópolis.
Aquela foto do Chaguinhas, velejando fora dos moles é para guardar.
Um grande abraço,
Alvaro Fonseca Junior.

28 Mai 05 Marcio G de Azevedo, Sava
Caro Danilo, parabéns por resgatar esta sensacional aventura no site - emocionante. Numa época onde instrumentos e equipamentos que não se comparam aos de hoje estes velejadores mostraram muito destemor, coragem e espírito marinheiro.
Marcio - SAVA

28 Mai 05 Carlos Grinas, CDJ
Chaguinhas:
Ler a descrição dessa aventura acontecida no já longínquo ano de 1955, com a riqueza de detalhes e o bom humor que vc emprestou à narrativa do diário foi para mim uma coisa extremamente prazerosa. Parabéns pelo feito, principalmente por ter sido algo motivado exclusivamente pelo gosto pela aventura ao contrário de muitos "ícones náuticos" de hoje, na maioria das vezes apenas de ôlho nos dividendos promocionais e financeiros.
Abraço.
Carlos Guilherme Grinas

 

30 Mai 05 Luciano Bastos, filho de um dos integrantes desta velejada.
Olá Chagas,

Recebi hoje pelo meu amigo Valter, o link para este artigo sobre esta grande aventura. Só para lembrar sou filho do Saul Bastos, o Luciano e sei que nos conhecemos desde que eu era pequeno.

O interessante é que o Valter nem mesmo sabia que hoje era o meu aniversário, e que como meu pai faleceu no ano passado, dia 03 de Setembro de 2004, isso realmente foi um belo presente.
...
Mas voltando ao assunto do texto, eu sabia que ele velejava com amigos, me parece também com o Amaro Damasceno, e fiquei deslumbrado com o relato da aventura e emocionado ao ver as fotos. Eu e o pai sempre passeamos de lancha, desde que eu era pequeno, e sei que tanto eu como ele tinhamos essa vibração e gosto pela aventura de velejar e de sair de lancha, no Guaíba, até perto da Lagoa dos Patos, ou pelas lagoas em Tramandaí e Capão, no Manpituba em Torres e em Santa Catarina.

Um grande abraço e muito obrigado por este fantástico presente.

Luciano Bastos
[popa] Coisas como esta me dão muita alegria. Quem puder entender o significado, entenderá. Danilo.

30 Mai 05 Sérgio Richter, VDS
Chaguinhas,
Fiquei emocionado ao ler este texto trazido do diario desta aventura maravilhosa. Fiz este mesmo trajeto de O'Day 23, na década de 80 e imagino quão duro e também prazeroso foi o realizado por voces em 1955 nas asperas condições da época. Parabéns pela iniciativa de publica-la e pelo espirito aventureiro e a coragem de realiza-la.

30 Mai 05 Francesco Colombo, VDS
Realmente excepcional, parece uma volta ao tempo. Parabens Danilo.
Francesco/Saint Tropez- vds

30 Mai 05 Walter Bleicker, ICG
Caro amigo Danilo
A alegria que tive hoje quando informei ao Luciano Bastos a materia sobre o pai dele,Dr Saul Bastos justo no dia do aniversario foi indescritivel.Parabens por esse fantastico lugar de confraternização que o POPA se tornou.
Ps.Dr Saul foi um grande amigo e cliente que deixou saudades.
Walter Lexus

02 Jun 05 João Paulo Lucena, CDJ
Além da entusiasmada e interessantíssima narrativa, as fotos estão lindas e resgatam a memória de uma época que já se foi. Um verdadeiro serviço de utilidade pública a divulgação desta matéria. Que bela surpresa descobrir a antiga arquitetura dos Faróis do Bojurú e Cristóvão Pereira! João Paulo Lucena - Tethys

 

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