ORION – Primeira viagem a Rio Grande (1944)
Rolf Bercht

Transcrição de Claudia Barth
(a ortografia original foi mantida)

Certamente este é um dos melhores, se não o melhor diário já publicado pelo popa.com.br. Garimpado pela Capitão Claudia Barth, o relato de Rolf abre escotilha para um tempo em que se velejava sem GPS, sem VHF e sem previsões do tempo. Embarque no Orion do Comte Egon Barth através do registro histórico de Rolf Bercht e perceba que nem tudo mudou.
Muito obrigado, Claudia!
Danilo.


Orion no Canal da Feitoria

Dia 13 de fevereiro de 1944
De manhã cedo agradável vento norte variando a noroeste de acordo com a sua vontade. Todos os tripulantes estavam bem dispostos a enfrentar o churrasco e o pão liquido que nos esperava no fim da manhã. Içamos os panos de nosso veleiro e procuramos depois de ter feito o desencalhe do barco e algumas bordejadas no estuário do Guaíba o ancoradouro do Espírito Santo. Foi durante estas bordejadas que principei esta pequena recordação deste passeio. Depois de lançados os ferros no Espírito Santo, junto com o Miraguaya, o toldo foi armado pela terceira vez. Sobre a festa do nosso amigo Zeller não muito posso contar neste relatório, por somente passar um período muito restrito do domingo em sua vivenda de verão. Uma cousa posso afirmar, que todos os presentes naquela ocasião encheram-se de carne e pão liquido, tanto é que depois só se ouviam as seguintes sugestões: ...comi demais,... bebi demais, etc.
Outra cousa que devo confessar é que esta festa deixou uma ótima impressão no coração de todos os nossos tripulantes porque de fato foi uma festa de confraternização veleiro para veleiro.

A ventania era manga de colete
A nossa despedida foi grandiosa e simbólica quando os presentes souberam da nossa viagem. O nosso animador sr. Zeller ainda fez questão de entregar-nos um rancho de carne que foi bastante útil para nós outros, pois ainda no dia seguinte saboreávamos o seu gostoso assado de grelha. Na partida do Espírito Santo, após termos reabastecido a nave com gelo e carne restante do churrasco, a ventania era manga de colete, a brisa com muita dificuldade fazia-se sentir, e sobre a calmaria não havia mais discussão, mas contudo isto, afastamo-nos de nosso ponto de partida, porque linha não havia, pois não era regata.

Faixa escura no horizonte
Após termos deixado a Ponta Grossa a bombordo, tivemos um intercambio político, militar, social, comercial, industrial, moral e cultural com a tripulação da nave Miraguaya, que se fez encostar em nós. Registra-se novamente calmaria completa. Passou-se algumas horas nesta agonia quando no horizonte surge uma faixa escura que chama a atenção de alguns membros da tripulação. As discussões manifestam-se:...é vento, ...não é vento, ...não é brisa. O primeiro palpite é que deu dentro como diz-se em linguagem de sargeta. Queiram desculpar o termo usado mas não há outro.

Chegada a Itapoan
Com as rajadas que então apareceram os dois barcos separaram-se e cada um deles tratou de irem para adiante.O Miraguaya tomou o bordo para terra enquanto nós tomávamos o rumo aberto. Mais ou menos às 10 1/2 horas chegamos ao fim da primeira etapa da viajada depois de termos lutado durante a noite para não desviar-nos do canal. Estava então terminada a primeira etapa, Itapoan, dentro do prazo prestabelecido. Quem sabe se terminaremos as outras etapas dentro do prazo regulamentar. É de registrar uma grande vitória do Miraguaya, pois levou-nos no pacote por chegar bastante antes do Orion a Itapoan, mas as barbaridades da nave Miraguaya, ótima companheira, seguiram, como os próximos fatos o demonstrarão. Após a chegada houve ainda uma reunião dos diversos primeiros e segundos comandantes para tratarem sobre a hora da partida do dia seguinte.

Abanos e cumprimentos do faroleiro
Ficou combinado sairmos às primeiras horas da madrugada, se o tempo que estava ameaçando o permitisse. A esta hora mais ou menos às 4 da manhã do dia 14 de fevereiro de 1944 a calmaria realmente fazia se mostrar e o paredão escuro no céu cobrindo a lua apresentava-se. Nestas circunstancias a turma gelou e preferiu partir quando clareasse o dia. A hora chegou e levantamos os panos e os ferros. Passamos o conhecido farol sob abanos e comprimentos do faroleiro. A tripulação estava alegre por entrar na Lagoa dos Patos e atravessa-la de ponta a ponta. Reinava nesta ocasião um fraco vento norte que mais tarde tornou-se fresco o qual foi bem aproveitado pelos nossos barcos. Como de costume o norte abranda, desta vez também amainou. Sr.Rodolfo como habitualmente nestas ocasiões encosta o seu barco ao nosso.

Bordejando no duro e sem choramingar
O banzeiro reinante faz com que os navios comecem o meche-meche que não acaba parecido com a ação do tripulante Chumbinho em Curitiba que com tanta vontade também não acabou. Passa-se uma, duas e quasi três horas nesta agonia harmoniosa de lero-lero até que o tempo se resolva e bate então um sul variando a sudoeste fresco, em resumo tínhamos que bordejar no duro e sem choramingar. O mar da lagoa apresenta-se e mostra a sua força para reprovar ou aprovar aqueles que com ele brincam com calmaria. Um tripulante coloca os olhos na fisionomia do outro para daí tirar uma ou outra conclusão. Aí é que a porca torce o rabo.

Gaivotas amarelas
Dos tripulantes do Miraguaya até então nada sabemos mas o fato é que o Miraguaya dançava a conga e o samba melhor que a Carmem Miranda. Coitada perdeu toda a cotação perante o mercado comercial depois da dança do Miraguaya. A maior parte da nossa tripulação estava bem disposta. Estava no leme o sr.Baltazar, mais tarde o Comandante Egon e depois eu tomei conta do mesmo. Quando eu estava no leme um dos nossos tripulantes desaparece na cabine e repentinamente passam por mim umas gaivotas amarelas (papel higênico). O tal de tripulante apresenta-se novamente fora e faz um gesto com o seu braço e a sua mão, começando do estomago e terminando a altura do estomago e diz: Uma vez já foi...

Vigia para as mudanças do tempo
Enquanto isto o vento amaina e o tempo forma-se não se definindo bem de que lado poderia vir. Há uma calmaria quasi que completa. Estávamos com a proa dirigida para o oeste. Continuamos com esta direção, pois nesta direção deveríamos encontrar a costa para um eventual abrigo porque só o leste estava limpo. Sem demora avistamos o Capão da Lancha quando o Miraguaya aproximava-se de nós para saber nossa opinião: se vamos ou não procurar abrigo naquele capão, marcado nos mapas.

Estava o comandante do Miraguaya um pouco gelado, notava-se pelos seus olhos que eram verdadeiras laranjas. A sua opinião é que devemos ligar o seu motor para quanto antes chegar à costa, porque quasi todo o céu estava coberto e já era hora de escurecer. A lua também saira bastante tarde. O tempo ameaçara do norte, sul e oeste. Chegados ao Capão da Lancha os dois barcos lançaram ferros.
Fizemos uma janta que resumia-se num cha com sandwich porque já durante a viajada durante a tarde fizemos o nosso lunch. Caiu nesta ocasião um temporalzinho oeste cuja a primeira rajada foi assustadora mas foi só. Continuou então só um vento oeste regular durando mais ou menos duas horas. O que notamos naquela costa é que toda ela é funda pois ancoramos bem próximo a mesma. Partindo da praia a profundidade aumenta rapidamente alcançando a profundidade media de 6 a 7m. O sr.Baltazar ficou de vigia no nosso barco para as eventuais mudanças de vento porque para o vento leste não estávamos bem situados.

Em franco bordejo
Ainda durante o mesmo dia a corrente de ar mudara e quando Manoel notou que estava norte querendo variar para o leste alarmou toda a tripulação do Orion e do Miraguaya para aproveitarmos estas rajadas e seguirmos viagem para o sul, 23 graus a sudoeste que nos era favorável na direção do farol do Cristovam Pereira. Este norte também durou suas duas horas durante o qual o Comandante Egon e depois o sr.Baltazar tomaram conta do leme. As quatro horas da madrugada me acordo com fome e sede. Faço uns sandwiches que ofereço também ao timoneiro Baltazar aceitando um só pedacinho porque o nosso barco andava muito lentamente. O Chumbinho naquele momento no leme do Miraguaya timoneando brincava com o Baltazar, volteava o nosso barco da direita para a esquerda como da esquerda para a direita. Entretanto o vento já mudara para sul e estávamos em franco bordejo. –Como tivemos que cruzar, que barbaridade, exclama o Espanhol.

Não sei se já notaram que o ilustríssimo sr.fachineiro titio Carlos Profé desaparece da sena, pois não andava muito bem de saúde. Neste instante surge outra figura relevante do barco que é o sr.Melchers, segundo fachineiro oficial, ou seja de segunda classe, mas muito bom também tanto é que foi promovido ao de primeira mais tarde. Faz o seu serviço com toda brevidade e exatidão e tudo isto com muito gosto e vontade, parece até ser a sua profissão. Casado ele não é, mas contudo na pensão onde êle mora fazem uso desta sua aptidão.

A sondagem que mostra não só a profundidade como também a dureza do solo
Os bordejos com o sul prolongaram-se até as dez horas da manhã. Durante estes bordejos o Espanhol chuliava o aparecimento do farolete de Tapes que depois de avistado não queria mais desaparecer por estar o vento bastante fraco, quasi nada. Que agonia!
As 10 1/2 do mesmo dia o vento parou de fato e com um pouco combustível que tínhamos viramos o motor uma boa parte do tempo. Avistou-se depois do farol de São Simão quasi que enseguida o farol de Cristovam Pereira. Após este farol começamos a navegar direção oeste quarta sul com um vento sudoeste. Sem demora o vento girou para sul favorecendo-nos mais um pouco, de modo que facilmente podíamos alcançar o farolete do banco de D. Maria. Passamos pelo mesmo na hora em que o sol se escondera no horizonte oeste quarta sudoeste.

O vento naquela ocasião continuava com a mesma intensidade e direção. Navegávamos muito bem. Ainda antes do escurecimento completo avistamos a bombordo o farol de Capão da Marca que na noite desapareceu, provavelmente por estar fora de funcionamento. Navegávamos com o mesmo vento algumas horas noite a dentro, e como do farol e dos faroletes nas proximidades do Bujuru nada podíamos ver, estávamos sem referencia exata, resolvemos procurar a margem leste que não podia estar muito distante, só como é uma costa baixa e o céu estava coberto, nada podíamos ver da mesma. Agimos desta maneira porque a tripulação dos dois barcos estava também muito cansada. Por meio da sondagem que mostra não só a profundidade como também a dureza do solo, podíamos ter uma idéia se a terra estava próxima ou ainda distante.

Acordado para chuliar o tempo
A uma certa altura resolvemos baixar os ferros junto com o Miraguaya. Ficamos assim abrigados de qualquer eventualidade de noite pois estávamos forçosamente dentro da baia do Bujuru. O quadrante sul estava bastante escuro durante a noite ameaçando qualquer coisa. As tripulações todas deitaram-se para descansarem porque a calmaria do meio dia estava forte.
Um dos nossos tripulantes ficou acordado para chuliar o tempo presente e futuro dentro das regras. O vigia naquela noite passava uma hora atento sobre o barco, atirando o olhar para o céu para verificar como andava a atmosfera. Assim ficaram três homens da nossa tripulação revesando-se de hora em hora até de madrugada quando notou-se que estávamos bem perto da costa. Durante a noite caíra um forte vento norte que não animara nenhum dos barcos a saírem por estar o céu bastante nublado e nós com uma referencia muito relativa sobre nossa posição e rumo que iríamos tomar.

A vela podia-se confundir com a costa do Bujuru
Duas badaladas duplas marca o sino de bordo, logo seis horas. Toda a tripulação levanta, sai dos beliches e começa a agir. Faz-se chamada especial a nave Miraguaya, marcando para já a saída em direção do farol do Bujuru, que então estava a vista. O café da manhã fez-se durante a navegação para não perdermos o nosso precioso tempo.
Além do café muito mal acabado pois fui eu quem o fiz, o Comandante Egon ainda cozinha uns ovos que reforçaram o café. Um leve vento oeste, ótimo para seguirmos a direção do farolete do Bujuru. Pouco a pouco o vento acalma. A atmosfera esta coberta e formam-se nos altos os rabos de galo (nuvens alongadas) indicando forte vento.

Tudo indica um rebojo bem reforçado
O nosso amigo que gostava de andar nas nossas proximidades afasta-se algo mais de nós tanto que sua vela podia se confundir com a costa da baia do Bujuru. Nós estávamos bem, mas cousa era com êles. Alguém dos presentes estando na cabine, olha o barômetro, pisca com os olhos, é que os seus ponteiros encontram-se afastados um do outro. Olha com mais precisão e nota que o barômetro quer dizer que a pressão atmosférica caíra rapidamente uns quatro milímetros. Está marcando 761mm e estava a 765,5, normalmente com bom tempo. Tudo indica um rebojo bem reforçado. Até um ceboleiro vimos procurar ficar perto da costa, o que por nós não foi notado. Sem demora a água salgada com sua esverdeada clareza belíssima escurece um pouco no horizonte do quadrante sul. O vento muda para sul. Ainda era brisa. Esta torna-se vento, o vento ventania e a ventania temporal. Com este tentamos navegar com o pano risado e o barco agüentou muito bem, mas como tínhamos que bordejar muito, para nós não seria vantagem bordejar um dia inteiro para aproveita-lo pouco no nosso percurso. De modo que resolvemos voltar à baia do Bujuru. Para alcança-la tivemos que cassar bem os panos e assim mesmo dar uns bordos curtos. Esta viajada foi bastante dura de roer. Miraguaya quasi que no mesmo momento de nós resolvermos dar a volta êle também procura o abrigo e o alcança antes de nós, porque estava com mais altura que nós, que tínhamos de respeitar o canal.

A tripulação do ceboleiro foi em terra caçar, passear, investigar
O mastro do nosso barco nesta ultima viajada com o temporal estava muito firme, tanto é que nem tremia com os panos içados. Esta velejada foi feita com o Espanhol no leme, que não queria deixa-lo nem a pau. Antes de encontrarmos o abrigo já ali encontrava-se o ceboleiro ancorado, o qual anteriormente vinha procurando a costa pois já sabia o que o esperava depois da esquina. Estávamos assim em três barcos atrás do farol esperando que o rebojo acalmasse. As tripulações tanto do nosso barco como do Miraguaya mostravam fisionomias cansadas, mas contudo satisfeitas por podermos almoçar, dormir e jantar descansadamente. Parte da tripulação do ceboleiro foi em terra caçar, passear, investigar, etc., de modo que nós naquela ocasião não nos podíamos comunicar com êles.
Como de costume o cozinheiro de bordo é o Comandante Egon. Êle nos apresenta um verdadeiro almoço constituído de diversos pratos. Em primeiro plano coloca na mesa uns ovos mexidos com lingüiça regados a cerveja. Ótimo prato que serviu de aperitivo. Como prato do dia vem à mesa um bife frito na frigideira com massa do amigo Perez Cardoso e massa de tomate da Swift fabricado na Argentina. Posso afirmar que a turma encheu-se. O que almoçaram no Miraguaya não sei. De sobremesa foi nos servida uma finíssima goiabada da marca Peixe.

Depois de todos fumarem um cigarro quasi todos procuraram os beliches para tirarem a sua sesta. A atração dos beliches para cada elemento da tripulação era muito acentuada. Até o Espanhol que faz questão de ficar de pé também tratou de deitar-se. O único que ficou no posto de observação foi o ilustríssimo sr.fachineiro mor de bordo titio Carlinhos Profé que tratou de ler um pouco. Não posso afirmar que espécie de livro era, si era de amor, ou de navegação, ou só para homens, não sei porque também fui um dos elementos que tratou de dormir naquela hora da tarde.

Costurando a vela do amigo
Numa visita de cortesia à nossa nave o comandante do Miraguaya coloca-me um salame nas mãos e grita nos meus ouvidos para acordar-me dum sono tão bom: -Que negócio é este, ainda com fome? Acreditem como fiquei, quasi que faço este comandante de água doce tomar um banho de água salgada. Mas como sua personalidade deve ser respeitada interrompi esta minha ação.
O Comandante Egon já encontrava-se deante do fogão para preparar a janta. Aí vem outra cousa boa... Um pirê de ervilhas. O sr.Moeller comunica naquela hora que rasgou a vela no baixa-la e o Manoel, o Espanhol ficou encarregado de costura-la. O coitado do esforçado ficou trabalhando até a hora da janta. O comandante do Miraguaya, sr.Moeller foi convidado por nós para acompanhar-nos na janta e experimentar a ervilhada preparada pelo nosso comandante, mas rejeitou-a dizendo que também tem ervilhada no seu barco, que esta sendo preparada pelo Chumbinho, pois o seu cozinheiro encontrava-se no nosso barco. Todos jantaram com vontade e logo após a maioria de nossos homens procuraram o leito. Quando tínhamos jantado, o Espanhol continua seu serviço, costurar a vela do amigo. O comandante do Miraguaya volta a inspecionar o serviço e informa-nos que jantou muito mal. A sua ervilhada estava ainda cru quando a comeu depois de ter cozinhado 5 horas. Não sei que o Chumbinho fez durante este tempo no barco. O seu palpite é que o Chumbinho diminuiu a chama do fogareiro para não queimar a preciosa ervilhada e deitou-se a dormir em vez de cuidar da mesma.

Aos gritos informamo-nos do vento
No Orion estávamos um trabalhando, de ajudante o outro, e o terceiro de fiscal que era o sr. Comandante Moeller. Assim com agulha vai, agulha vem de costurar a vela do amigo, ficamos até a entrada do dia seguinte. Até que todos se deitaram já passava da meia noite de quinta-feira dia 17. Antes disso barômetro já subira e o vento também já era constantemente forte, apresentava somente rajadas de forte pressão. Durante a noite o Espanhol de vez em vez dava uma espiada para fora para ver se haveria uma novidade.
Pela manhã todos levantaram-se para prosseguir viagem. Os tripulantes assim como os comandantes estavam muito alegres e bem dispostos o que sobressaía em oposição ao dia anterior. Um e outro já falam do café que deve seguir mas aos quais nem se deu ouvidos. Por meio de gritos informamo-nos do vento que vai haver durante o dia com os tripulantes do ceboleiro que ainda estava ao nosso lado. É nos dito que a direção sul vai permanecer, mas com uma intensidade mais reduzida.

A bússola girando como disco de vitrola
Com este aviso levantamos os panos e os ferros, começando logo a navegar com um ameno vento sul. As nossas manobras foram acompanhadas pelo Miraguaya. O ceboleiro também começou a movimentar-se no mesmo momento, só que em direção contrária. Depois de termos contornado o farolete vermelho indicando o prolongamento do banco do Bujuru, tomamos a direção sul 60 graus a oeste. Ainda durante um bom espaço de tempo acompanhávamos a costa nesta direção, mas que depois desapareceu. Quando então precisamos de verdade a bússola, ela embaciou por dentro do vidro superior, o que requeria bastante esforço por parte do timoneiro. Isto deu-se porque refrescara bastante esta manhã. Sem grandes incômodos retiramos o vidro e o limpamos. Colocamos o mesmo em seu lugar com seus respectivos parafusos. Pouco tempo depois estava ela novamente embaciada. Sabendo disso o entendido da matéria Comandante Egon acha que devemos retirar o vidro inferior. Mas um outro elemento que se achava com mais razão no caso dá a idéia de retirarmos o vidro superior para que o mesmo não mais incomode o timoneiro. Sob seu comando retiramos o vidro superior da bússola. Manoel o Espanhol neste instante toma conta do leme e com toda a naturalidade afirma: -O vento está mudando, vejam as velas estão batendo. Ouve-se um palpite: -É preciso habituar-se à bússola no primeiro momento de tomar o leme.O Espanhol como tem alguma prática de navegar com a bússola incomodou-se com o tal palpite. Quando subo da cabine para ver sobre que versam estes palpites, olho para a bússola e adimirado noto que ela gira com uma velocidade de um motor elétrico, como se fosse um disco de vitrola. Desta maneira o Espanhol podia até louco ficar para acostumar-se com o instrumento. A razão disto tudo era a corrente de ar que batia no instrumento destampado.

O Comandante Egon trepa nos estais e comunica que avistou dois faroletes
Depois destes acontecimentos aproxima-se a hora do meio dia. Egon prepara desta vez com o barco bastante inclinado uma sopa de ervilhas, também muito gostosa. A velocidade do barco neste momento até dá gosto de navegar. O céu apresenta algumas nuvens interrompendo de vez em vez os raios solares. O barômetro indica uma ótima pressão atmosférica para nós (768,5mm). A temperatura é amena, apesar do vento que está soprando. As coisas já começam a estalar. Tudo que não está em seu respectivo lugar dá um sinal, ou por um estalo, ou por uma queda. Um trinco mal cerrado pode dar grandes prejuízos. O Miraguaya começa a risar pano porque o barco deita muito e portanto deriva muito perdendo altura. Não estamos andando com bulina cochada porque não temos bulina mas falta pouco.

O fachineiro já se encarregou das panelas e tudo está pronto para enfrentar a tarde. O Miraguaya acompanha-nos quasi na mesma marcha. Quando a distancia entre os barcos ficava muito grande o primeiro esperava pelo outro retardando a velocidade. Pelos cálculos feitos parece que vamos dar um pouco à esquerda do canal da Feitoria. Pela frente a boreste avista-se uma fumaça, isto indica que estamos ao menos perto do canal. Notamos que esta fumaça é de um rebocador com algumas chatas. Pouco adiante avistamos um navio. Deixamos estes dois veículos a boreste. O Comandante Egon trepa nos estais e comunica que avistou dois faroletes pela frente pouco a boreste. Derribamos algo em direção aos faroletes medindo sempre a profundidade. O dia melhora consideravelmente mas o vento continua forte. A nossa velocidade é considerável. Pouco antes de entrarmos no verdadeiro canal da Feitoria tocamos numa empopada formidável. Não entramos no primeiro par de bóias e sim antes do terceiro par. Marcara o relógio de bordo exatamente 14,50 quando entramos no canal.

Coisas que doem no coração de um veleiro*
A entrada no canal da Feitoria foi festejada com uma cerveja e o Comandante Egon no mesmo instante toma uma cafeaspirina com um resto de soda para cortar a raiz de sua dor de cabeça que reiniciou recentemente, pois não evacuava a três dias. No canal tivemos que buscar bastante altura para não cair no baixio a boreste. Alguns minutos mais tarde entra também o Miraguaya no canal. Se a bordo daquele barco também foi festejada a entrada na Feitoria, não sei. A velocidade dos dois barcos continua a mesma. Nesta viajada o Comandante Egon conta-nos uma passagem quando certa ocasião, não registrada neste relatório, viajava no Miraguaya ainda dentro da lagoa. Diz êle: -O comandante do Miraguaya, sr.Moeller tem um mapa muito bom a bordo. Êle de quando em vez abria o mapa, o observava e fechava-o novamente dizendo: -Isto não tem interesse para mim, os tripulantes do Orion que fazem os seus cálculos que nós vamos atrás. Com isto êle queria dizer que são os burros que pucham a carroça. Eu só queria ver se estes burros não existissem, se então êles encontrassem o canal da Feitoria tão próximo como nós o encontramos. Os tripulantes do Miraguaya reclamaram que os nossos cálculos, sem régua, sem transferidor, sem compasso, somente com mapa e bússola estavam inexatos. Tudo isto deixa um homem como o Espanhol que como já disse entende um pouco de navegação maguado. Alem destas criticas sem cabimento por camaradas que não fizeram um calculo siquer, ainda tanto interesse na bússola tiveram que a perderam. Isto são coisas que doem no coração de um veleiro. Tudo isto não é nada, coisas piores seguirão.

Coroas repletas de estacas dos pescadores
Depois de passarmos algumas bóias cegas e faroletes do canal, encontramos uma draga a boreste fora de ação no momento em que passávamos e um ceboleiro a bombordo, este ultimo também a toda a velocidade.
Logo após passamos a ilha Holandesa que ficou a bombordo. Esta ilha apresenta alguma vegetação quasi que rasteira e diversas habitações de pescadores. O canal a aquela altura distingue-se bem pela coloração da água que é bem clara, e escura sobre os baixios margeando o canal. As coroas estão repletas de estacas onde os pescadores daquela zona prendem suas redes. Estivemos muito satisfeitos quando pudemos alcançar o farolete que marca o banco da barra do São Gonçalo na entrada para Pelotas sem fazer um bordejo. Quando metemos o bico de proa no São Gonçalo o sol desapareceu e por ali esperamos que o Miraguaya se aproximasse mais de nós. Dentro do canal do São Gonçalo o vento era quasi de popa. Antes de entrarmos no canal já víamos os mais altos edifícios de Pelotas.

Bem no meio da negrada
Chegamos a Pelotas às 10 1/2 da noite. Atracamos os barcos no trapiche da Anglo-Mexican e no trampolim do Clube Natação Regatas Pelotense. Quando mudamos de roupa tratamos de jantar na cidade pois estávamos famintos. A tripulação do Miraguaya ainda jantou a bordo naquela noite. No clube tinha uma luz interior acesa, batemos e alma nenhuma apresentou-se. O bonde de porto escapou-nos pelo nariz de modo que até que outro surgisse resolvemos caminhar a procura do centro. Antes de chegarmos à praça principal vimos uma sombra que era uma aglomeração de pessoas. Que será? Comício? Pode ser. E nós todos de casaco de couro e alguns de boné, podia se dar algo não muito agradável conosco. Quando estávamos bem no meio da negrada uma banda de musica entoa a marcha da Sicília. Foi um alivio para nós quando soubemos que era farra de carnaval. Procuramos enseguida o restaurante Vitória onde naquela noite fomos bem servidos.

Ninguém apareceu, nem sequer umas boas garotas
Após a janta procuramos o café onde redatamos a primeira noticia mais completa sobre a viajada. Passeamos ainda pelo telegrafo dando cada um noticias a sua família e aos seus amigos. Regressamos ao nosso barco quando eram mais ou menos 2 1/2 da madrugada.
Na manhã seguinte fizemos o nosso café e tratamos de encontrar alguém do clube. Sem demora apresenta-se o zelador do clube e um instrutor de natação que logo mostrou grande interesse em visitar os dois barcos. Temos a maior convicção de que os barcos lhe agradaram porque naquele clube vi alguns veleiros que podem ser muito bem comparados aos nossos quinze metros. Havia entre êles alguns barcos que serviram para contrabandear sedas do Uruguai. O numero dos barcos não passava de meia dúzia, e todos mal cuidados.
Ainda nesta manhã fizemos uma fachina a bordo bem acentuada. Os vidros que dantes estavam borrados de água salgada apresentavam agora a sua transparência bem nítida, sobre o convez não havia mais sujeira, e os metais brilhavam nos lindos raios solares.
Alguns tripulantes saíram a passear e a tratarem dos seus negócios mais urgentes. Diversos ficaram a bordo a espera de visita mas ninguém apareceu. Nem siquer umas boas garotas pois já estávamos quasi uma semana sem ver umas.

Bicho cabeludo na salada em Pelotas - brigando com garçons
O Chumbinho um dos loucos passeadores e aproveitadores quando chegou a hora de pentear-se notou que o seu cabelo estava com água salgada bastante indecente e para dar um jeito agarrou a manteiga de bordo e sapecou no cabelo. Depois de algumas combinações marcou-se a saída de Pelotas, um grande centro, para depois do meio dia e para irmos almoçar no centro no mesmo restaurante onde estivemos na noite anterior e fomos bem servidos. Às onze horas todos já tinham abandonado nosso barco para fazermos o nosso lunch. Passeando pelo centro da cidade e adimirando suas belezas bastante escassas passamos pela agencia da Varig e alguém lembrou-se do amigo veleiro aviador Goetz Herzfeld que por sorte encontrava-se naquela agencia. Fizemos uma apresentação de todos os tripulantes a êle e o pedimos para transmitir noticias nossas ao seu irmão que por sua vez as trazia aos veleiros. Depois disso dirigimo-nos ao restaurante Vitória, onde com excepçao de alguns, todos pediram linguado frito. Para o Espanhol veio o linguado bem branquinho no interior e macio. Para os outros a forma da fritada era a mesma mas ao cortarmos o peixe êle estava duro e à sua secção estava escuro e não branco como deveria ser. Era um bife camuflado em linguado. Com isto eu afirmei a aquele garçom que os pôrto alegrenses podem ser tapiados mas não em Pelotas e o garçom teimando comigo que o peixe estava escuro porque era frito. Também afirmei que uma cousa desta só em Pelotas pode acontecer serem os pôrto alegrenses tratados com tal desprezo. Basta uma afirmativa que ficou desta vez confirmada: o pelotense é de Pelotas, mas não é riograndense. Não demora muito que o Chumbinho no seu prato entre a salada de agrião encontra um bicho cabeludo. Com isto perde toda a fome de que era possuidor dantes. Chateado não quer comer. O escândalo na nossa mesa de 8 pessoas era grande.

Buzinas, sinos, vozes e apitos
Quando voltamos ao clube Chumbinho ainda encontra no bonde uma alinhada loira que dá bola para êle mas acha que não deve encostar porque o tempo disponível é pouco e não vale a pena perder tempo. Quando chegamos de volta para já sairmos foi-nos apresentado o presidente e o vice-presidente do Clube Regatas Natação Pelotense que naquela ocasião encontravam-se na sede. Neste instante que todas as encomendas para o reabastecimento dos barcos pedidos por intermedio do clube nos foram oferecidas pelos amigos e colegas de Pelotas. Esta atenção dispensada pela diretoria daquele clube deve ser lembrada si estes nossos colegas apresentarem-se em nossa capital e nos visitarem. Foi um gesto que fora de brincadeira deixou-nos uma ótima impressão a respeito dos dirigentes da sociedade.
Estando tudo preparado partimos sob uma verdadeira festa de despedida tanto é que era o barulho provocado por buzinas, sinos, vozes e apitos.

Bordejos a motor
Pouco a pouco saindo do abrigo o vento contra no São Gonçalo aumenta e nós nos vimos obrigados a ancorar porque o motor não dava conta dos dois barcos. Aí passamos grande parte da tarde, jogando, lendo e dormindo até o crepúsculo quando o vento amainou um pouco. Fizemos nova tentativa que deu em bola. Miraguaya puxara-nos até a volta do canal onde podíamos levantar as velas. Içamos os panos e começamos a bordejar. O interessante disto tudo era o barco Miraguaya que com os panos em baixo vinha-nos acompanhando nos bordejos. Quando chegava a hora de virar de bordo estava o Miraguaya sempre na nossa frente e estorvando a nossa manobra. Posso afirmar que uma vez um bordejo nosso nada rendeu sendo que o Miraguaya o acompanhou ainda com as velas em baixo. Em resumo: fazia bordejos a motor piores que os nossos a vela. Afirmo que é a primeira vez que vejo um barco bordejar a motor.
Mas bordejar à noite no canal com poucas bóias luminosas não é brinquedo de modo que resolvemos parar já estando perto da barra do São Gonçalo. O vento também já refrescara e lançamos ferro numa das margens do rio. Desta vez honrou-nos o cozinheiro do Miraguaya que nos fez uma visita de cortesia.

No primeiro bordo mal e mal conseguimos a diferença de 50m
Na manhã seguinte com um vento mais ameno rumamos à barra do São Gonçalo. Na saída deste estreito a força das ondas mostra-se fazendo o barco jogar nas vagas. Do Miraguaya nem se fala. Dança novamente uma mistura de samba e swing. A direção do canal àquela altura varia, dirige-se mais ao sul de modo que o vento entra mais de popa. Com vento favorável deixávamos bóias e mais bóias do canal para trás e às 8,50 horas avistamos Rio Grande. O Miraguaya ficou algo para trás pois vinha com os panos risados e mesmo assim punha muita água sobre o convez.
Um navio que entrou depois de nós perto da barra no canal não nos buscou até São José do Norte onde deixamos bater os panos para que o Miraguaya entrasse conosco no cais do pôrto. Vagarosamente contornamos uma ilha para tomar o rumo do cais quando na bóia da Swift entramos no bordejo. Aquela sim que foi amarga, pois o vento era contra e a correnteza também. No primeiro bordo mal e mal conseguimos a diferença de 50m. De minuto em minuto o Espanhol que então estava no leme grita: -Vamos virar? –Vamos! Cada um de nossos tripulantes tinha o seu posto assim distribuído: Comandante Egon na proa, auxiliando com a bujarona a virada de bordo; nos brandais estavam o ilustríssimo fachineiro numero um de bordo e o comissário pegando no pesado; na escota estava o fachineiro numero dois.

O Cônsul inglês dava as instruções de profundidade
Dos diversos navios achando-se no cais, os marujos, comissários, comandantes, estivadores e passageiros apreciavam-nos com os olhos arregalados, porque de fato o canal é estreito para contra a correnteza fazer os bordejos com um barco como o Orion. Na altura da metade do Cais Novo encontram-se chatas ancoradas, rebocadores em movimento retirando um navio do pôrto. Entre aquele movimento todo avistamos um barco de vela pequeno com cabine, dotado de um motor em funcionamento dando seguimento ao mesmo. Dirigia-se ao Miraguaya que vinha na nossa frente para indicar-lhe o canal pois já supunham que os barcos tivessem muito calado. Repentinamente ouvimos uns gritos de um senhor que estava de branco sobre uma lancha denominada São José do Norte dando-nos instruções sobre a profundidade e sobre os bordejos que deveríamos fazer. O Espanhol diz-nos que este senhor é Mr.Wigg, o cônsul inglês em Rio Grande. Só sei depois de bordejarmos duas horas consecutivas no Pôrto Novo reapareceu esta lancha com o Miraguaya de reboque e também oferece-nos um reboque que rejeitamos pois estávamos quasi no fim da jornada e os bordejos agora tinham terminado. Mais ou menos ao meio dia lançamos ferros defronte o Iate-Club Rio Grande, que mostrara algum movimento. A lancha São José do Norte com Mr.Wigg acompanhou-nos certo trajeto.

Com os estômagos roncando
O nosso amigo veleiro Dr.Hugo Altmayer esperava-nos já num pequeno dingy para subir a bordo. As suas primeiras palavras foram logo sobre um convite de comer na Gruta Baiana, o melhor dos melhores restaurantes do Rio Grande, que foi por nós todos aceito. Informou-nos também que Mr.Wigg é o atual comodoro do Yacht-Club Rio Grande.
No barco nos enfeitamos de modo que a gente se reconhecia novamente e fomos em terra. Houve ainda algumas apresentações de pessoas de destaque do clube e em seguida rumamos ao restaurante. Felizes ficaram os cozinheiros e fachineiros naquela hora. Na altura da praça central encontramos Mr.Wigg que a nós foi apresentado e sem muita conversa dirigiu-nos ao restaurante pois era a cousa que interessava a todos porque os estômagos estavam roncando.

Assim como vamos poucas vezes ao Rio Grande...
Ali chegados todos pediram um prato que tivesse camarões. O prato que diversos pediram como estando no menu como arroz com camarões não era isto e sim camarões com arroz. No fim do primeiro prato todos pedem peixe que também foi muito bem servido. Depois de tudo isto já ingerido Mr.Wigg faz questão de oferecer mais, mas que com o nosso maior esforço não podíamos aceitar porque estávamos satisfeitos. Só até aqui já estávamos muito contentes pois tal recepção não esperávamos dos nossos colegas do sul dos quais tão pouco aqui se fala. Não é que não existe animação lá para o esporte a vela é a dificuldade que êles têm para fazer-se representar em nossas regatas. Assim como vamos poucas vezes ao Rio Grande êles também têm pouca oportunidade do nos visitarem. Não é má vontade e sim dificuldades que se apresentam.
À tarde com o auxilio de alguns elementos da sociedade fomos procurar alguns fornecedores de diversas mercadorias para o reabastecimento dos barcos.

Fomos parar numa das “pensões familiares”
De volta para o clube tomamos todos um banho de água doce para preparar-nos a enfrentar o carnaval que nesta cidade é muito divertido. À noite fomos acompanhados na janta pelo Mr. Green. Após termos jantado novamente uns camarões o Espanhol e eu fizemos uma visita à casa do Dr. Altmayer que anteriormente nos convidara para um drink e ficamos de encontrar os outros no café Danila. Durante a visita discutimos sobre diversos assuntos mas principalmente sobre o assunto da vela no Rio Grande. Encontramos os amigos mais tarde na rua pois tínhamos nos atrasado um pouco durante a animada conversa. A turma inventa de dar umas voltas a procura de algo. Fomos parar numa das “pensões familiares” que também em Rio Grande existem pois a turma lá também se defende. Às 3 horas de domingo deixamos esta pensão para voltarmos à Gruta Baiana e aí comermos um saboroso bife com batatas que sentou bem no estomago de todos os presentes porque a cerveja estava pesando na cabeça. Finalmente às 5 horas da madrugada encontramos os nossos beliches flutuantes. O cansaço tomava conta do corpo físico e moral de cada um naquela hora de domingo.

Foi-lhes oferecido cerveja gelada de Pôrto Alegre
Neste mesmo dia os sócios do Rio Grande Yacht-Club sabendo que estavam naquela cidade dois barcos de Pôrto Alegre fizeram sentir os seus interesses pelos mesmos porquanto fomos visitados nos barcos por inúmeros amantes de tão belo esporte. Muitos tinham o desejo de dar uma volta no nosso barco mas não poude ser efetuado devido ao vento desfavorável que reinava.
Os palpites dos visitantes eram os mais diversos sobre os barcos. Achavam nos mesmos muitas aplicações praticas de diversos materiais que ainda desconheciam. Todos os visitantes foram por nós muito bem recebidos e foi-lhes oferecido cerveja gelada de Pôrto Alegre e ainda uns bretzel também daqui. Pela hora do meio dia todos retiraram-se e fomos novamente à Gruta Baiana comer uns camarões frescos. À tarde ficou combinado um passeio com algumas famílias no barco pelo pôrto que não foi efetuado pois ameaçara um rebojo muito forte. O céu ficou para o quadrante sul tão escuro que parecia até a fumaça de um deposito de petróleo incendiado nas proximidades. Sem demora surge a primeira rajada assustadora e principia a chover. Nisto aparece num rema-rema o Dr.Hugo a bordo e convida-nos para um chopp acompanhado de sandwich que o Rio Grande Yacht-Club oferece aos seus visitantes de Pôrto Alegre. Na ocasião do oferecimento do pão líquido foram trocadas muitas idéias sobre o esporte a vela.

O carnaval que nem comparado não pode ser com o de nossa capital
Enquanto a tarde continuava feia passamos assim diversas horas agradáveis com nossos colegas do sul do estado. Ao anoitecer recolhemo-nos ao nosso barco e tratamos da janta a bordo e discutimos sobre a partida da cidade do Rio Grande. Os nossos companheiros do Miraguaya jantaram fora. A nossa saída ficou combinada para as 8 horas da manhã. Ainda à noite saímos para procurarmos produtos comestíveis e não comestíveis de utilidade para a viagem fazendo ainda uma visita de despedida à família do Dr.Hugo Altmayer que tanto desprendeu por nós. Durante este passeio pela cidade ainda assistimos o carnaval que nem comparado não pode ser com o de nossa capital, onde nada existe fora dos salões carnavalescos. Existem em Rio Grande blocos e mais blocos, um mais divertido que o outro.

O canal é ladeado por enormes barrancos
Na manhã seguinte depois de tudo preparado içou-se os ferros e partimos conforme a hora combinada do pôrto do Rio Grande Yacht-Club, acompanhados de dois barcos a vela deste clube. Durante a passagem pelo Pôrto Novo Mr.Wigg de terra fazia-nos adeus e desejava um bom regresso. De fato nesta ocasião o vento era favorável a volta. Vários marujos dos navios no cais indagavam nosso rumo e destino. Às dez horas passamos pela maior organização industrial do Rio Grande que é a Swift, conhecida tanto no nosso país como no exterior. Depois de contornado o aereopôrto deixamos a bombordo a cidade do Rio Grande, principal pôrto de nosso estado e a boreste São José do Norte conhecido como sendo muito antigo que se mostrara por sua igreja secular.

Nesta altura os dois barcos a vela despediram-se de nós sendo que um era do Dr.Hugo Altmayer por êle timoneado. Até a entrada do São Gonçalo era uma empopada formidável. Mais tarde orçamos para acompanhar o canal da Feitoria. Certa ocasião dentro das balisas do canal encostamos o fundo do barco no solo mas que mal podíamos notar. Foi uma só batida e quando medimos a profundidade o mais rapidamente possível já tinha 7 metros. Isto indica que o canal é ladeado por enormes barrancos. A largura do canal da Feitoria é verdadeiramente muito estreito mas muito bem demarcado.

O Farol do Bujuru acha-se atualmente em ruínas
Pelas 3 horas da tarde deixamos este célebre canal onde os encalhes são tão comuns. Ceboleiros e iates de carga não faltavam em nossa companhia, que desta maneira nos indicavam o rumo. Antes do completo escurecimento da noite ainda avistamos o farol do Bujuru, que acha-se atualmente em ruínas. Depois de termos encontrado o farolete vermelho que indica a extremidade do banco esperamos algum tempo pelo barco Miraguaya pois tinha ficado bastante para trás. Durante este período aproximou-se de nós o navio Rio Grande que faz o trajeto de Pôrto Alegre a Jaguarão e vice-versa. Esta embarcação serviu-nos durante a noite de orientação. Quando nosso companheiro sr. Moeller encontrava-se nas nossas proximidades interrogamos-o o que pretendia fazer. Respondeu-nos que queria tocar sempre. –Está bem, vamos embora, respondeu nosso Comandante Egon.

Avistar o farol não quer dizer esta próximo!
O banco do Vitoriano estava também demarcado com um farolete de luz branca. Ao longe avistava-se já a luz do farol do Capão da Marca. Eram mais ou menos nove horas quando Baltazar, o Espanhol e Melchers encarregaram-se da direção do barco enquanto que Egon, Profé e o comissário deitamo-nos para tomar a direção no quarto que segue a meia noite. Sem duvida dormi logo. Acordei-me com uma barulhada a bordo, parecia até um motim de bordo, pois era o ruído que fizeram para acordar-me dum firme sono. Quando saí do beliche avistara-se já o farol de Cristovam Pereira. Avistar nesta ocasião não quer dizer esta próximo! É o que de fato verifiquei. Com um vento regular andamos todo o quarto e quando este passou com muita dificuldade por ser a pior hora, mal tínhamos deixado de lado o farol.

A bússola apresentava dureza de movimento
O banco de D. Maria estava também demarcado com uma bóia luminosa branca. Eu não sei que era isto: Egon e eu tínhamos muita sede durante nosso quarto tanto é que tomamos juntos quasi dez sodas. Não sei se era ainda ressaca que tivemos nos dias anteriores.
Durante nosso quarto devo confessar: quando estava na nossa frente o Cristovam Pereira tirava-se um rumo pela bússola. Quando o farol novamente se mostrara à noite estava êle não mais na proa do barco e sim ao costado. –Será que já passamos o farol?, dizia eu. Não pode ser. Era que o rumo do barco que estava completamente desviado porquanto a bússola em certas ocasiões apresentava dureza de movimento. O Miraguaya não passara por estas ocasiões pois andara sempre atrás de nós ou ainda mais nem as notara.

Licença para navegar só
Passou nosso quarto e deitamo-nos. Eu fui só acordar quando o sol já estava alto e café pronto. O barco até já tinha passado o farolete vermelho de São Simão. Avistara-se já naquela hora através da neblina da manhã os morros de Itapoan. Nesta ocasião a viagem para nós já tinha terminado por considerarmo-nos já em casa. Colocamos os cento e lá vai metros quadrados de pano para que desenvolvesse mais velocidade porque o Miraguaya agora já tinha licença nossa de navegar só pois era muito difícil ainda perder-se.

24 horas e 30 minutos de Rio Grande ao Farol de Itapoan
Desta maneira entramos às dez e vinte da manhã em Itapoan onde encontramos o Pingüim que fizera uma excurçao até lá. Uma hora quasi depois de nós entra também o Miraguaya em Itapoan seguindo viagem cujo movimento acompanhamos, mas nós pelo canal e êle em direção ao Morro do Côco onde demorou-se alguns instantes pois chegara bastante depois de nós ao Morro Sabiá.
Estava assim terminada sem grandes incidentes a primeira viagem do Miraguaya e Orion à Pelotas e Rio Grande. Devemos notar o tempo que levamos da bóia da Swift do Rio Grande até o farol de Itapoan que pelo nosso relógio oficial de bordo marcara 24 horas e 30 minutos apesar de na ida levarmos 5 dias completos. Como pode auxiliar o vento favorável. Não houve um encalhe siquer com o nosso barco porque trabalhávamos sempre com a sonda e a carta. Todos estavam contentes de chegarem são e salvos em casa. Até o que estava um pouco mal já se encontrava em estado melhor. Fica aqui este muito resumido e mal escrito relato desta excurçao de acordo com todos os tripulantes dos dois barcos.

Tripulantes do Orion nesta viagem a Rio Grande:
-Manoel Baltazar
-Egon Barth
-Carlos Profé
-Hans Melchers
-Rolf Bercht

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(*) a palavra "veleiro" designava também o velejador. Daí o nome do clube náutico "Veleiros do Sul".

 


Orion em Rio Grande

 

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24 Ago 2006
José AT Campello
Este resgate de mais de 62 anos pelo banco do Popa, tornado público graças ao desprendimento da família Barth, é sem dúvida um dos mais importantes documentos da vela de recreio e lazer Gaúcha em seus primórdios, trazendo até nós esta travessia do Orion pela Lagoa dos Patos em pleno carnaval de 1944.
Entre os detalhes, a surpresa, a falta de comunicação, de conhecimento das condições climáticas, o clima de companheirismo, exploração e descobertas, a receptividade, mas indubitavelmente o comportamento, a dedicação e a espontaneidade dos representantes dos clubes visitados, deixam fluir a raridade e o pioneirismo da marcante empreitada em sua época.

Uma verdadeira jóia

Campello - Aventura