A Caçadora de Golfinhos
O diário de uma bióloga velejadora
Márcia Bozzetti

Faz tempo que estou prometendo ao Danilo escrever um texto contando minhas aventuras no mar ao longo do meu trabalho de doutorado. Como prometido, aqui vai, mas vou contar aos poucos, para que ninguém enjoe de ler...

Inicialmente, vou me apresentar. Eu sou a Márcia Bozzetti (foto ao lado), aquela bióloga que ano passado estava pedindo carona para velejadores de todo o país...

Pois é, eu consegui uma carona no final do ano, em um CAL 9.2, chamado Tôa Tôa (foto abaixo), de propriedade de outro biólogo (Carlos Alberto Borzone), argentino, mas que mora há décadas no Brasil e é professor da Universidade Federal do Paraná.

Então, ele me convidou para acompanhá-lo em uma viagem que faz todo fim-de-ano, da Baía de Paranaguá (PR) até Angra dos Reis (RJ), para passar as festas de Ano Novo.

E lá fui eu, verde, recém saída de um curso de vela oceânica do Jangadeiros, à bordo de um Ranger 22...

Passamos a minha primeira noite no Paraná, dia 23 de dezembro, já embarcados, apesar de estarmos atracados no Clube, para eu ir me adaptando ao saculejo...

Acordamos às 5h da manhã e saímos no motor, pois não tinha um sopro de vento. A visão aquela hora daquele monte de ilhas que tem na baía é lindo demais! Momento emocionante!

O frio tava de rachar... Não pensei que fosse ter que usar meias, calças compridas, moleton e capa de chuva nesta época do ano, mas o chuvisco e o vento davam uma sensação térmica muito baixa (foto ao lado).

Sabíamos que a previsão era de entrar uma frente fria no fim do dia, então queríamos chegar até a Ilha do Bom Abrigo (foto abaixo), no sul de São Paulo, antes dela.

Chegamos lá 12 horas depois, no fim da tarde, pois não entrou vento e tivemos que seguir no motorzinho de 40Hp até lá, trabalhando as velas para procurar o melhor rendimento, que não passava de 4 nós de velocidade, e chegou a um máximo de 5 nós, sem contar as ondas batendo de lado... Fomos costeando o continente, procurando golfinhos, mas não vimos nada!

Só a paisagem, que era linda. A seqüência de ilhas que a gente passa antes de chegar a Cananéia são lindas, e a cor do mar, nem se fala! No Bom Abrigo, fundeamos e passamos nosso Natal ao lado de 18 traineiras de pescadores (foto abaixo) que tiveram que correr para lá também para se proteger do tempo ruim. Dormi às 20:30h aquela noite (quem diria!). Só pudemos sair de lá no dia 26/12, pois foi quando o tempo deu uma trégua.

Tentamos subir em direção a Santos, mas depois de 8h e ½ de muita onda e pouco vento, só conseguimos avançar 25 milhas para NE, à motor, até que ele quebrou...foi o que faltava para desistir.

Estávamos fugindo de uma tempestade, que víamos no horizonte e sabíamos, pela previsão, que vinha na nossa direção; o mar cada vez maior e mais revolto, sem motor e sem poder contar com o vento, voltamos para a costa e chegando, decidimos entrar em Cananéia (a baía estava enchendo, tínhamos as ondas a favor e até o vento deu as caras...). Entramos de noite, o que deu um certo medo (só nos guiamos pelo GPS e a ecossonda), mais foi uma delícia. Bom, chegar perto da costa e o celular pegar sinal já foi o máximo, pois pude avisar a família que eu estava viva.

Mas fiquei sabendo que meu avô paterno havia falecido nestes dias que eu estava no mar, o que me fez perder todo o entusiasmo e sentir uma vontade enorme de voltar para casa. Tivemos que ficar 3 dias em Cananéia para arrumar o motor, o que acabou sendo legal, porque a cidadezinha é muito linda e a cultura caiçara é apaixonante (foto ao lado).

Depois, em vez de “subir” para o RJ resolvemos “descer” para São Francisco do Sul (SC). Foi ótimo. A viagem foi super tranqüila, fomos bem “por fora”, só enxergávamos mar em toda volta, o vento estava fraco mas pelo menos a favor...velejamos praticamente todo tempo de popa, surfando nas ondas...

O dia estava lindo, não choveu e o pôr-do-sol foi um dos mais lindos que já vi, claro que devido ao ponto de vista... (foto abaixo). Levamos 20 horas até lá.

O único problema foi o cansaço, pois só nós dois no barco, ninguém podia dormir nunca, sempre os dois juntos, para quem estava no leme não cochilar... Praticamente não mexíamos nas velas. Poucas vezes tivemos que caçar um pouco a genoa ou correr o traveler...no mais, era manter o rumo. Então, quando já era 1h da manhã e a recém estávamos entrando na 1ª bóia do canal de São Chico, o sono estava atropelando meu raciocínio...

Fiquei no leme enquanto o Carlos lia a carta da região e buscava o melhor trajeto para a gente entrar e fiz a maior força do mundo para não dormir ali mesmo, sentada no cockpit...mas deu tudo certo. No outro dia, dia 31/12, entramos no “Capri Iate Clube” e ali a viagem no mar acabou para mim.

Voltei para Porto Alegre em uma aventura de ônibus de uma cidade para outra, passando o Ano Novo na estrada até chegar em casa na manhã do dia 1º de janeiro. Não vi nenhum golfinho no mar (só os tucuxis nas baías de Paranaguá e Cananéia), meu doutorado me pareceu mais difícil esta hora, menos tempo, menos dinheiro... Mas foi tudo inesquecível!

Márcia Bozzetti
ONG Ecótono
Doutoranda em Biologia Animal pela UFRGS

 

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