Lagoa Mirim: ficou na vontade
Velejando na estiagem
Texto e fotos: Claudia Barth

Desde que compramos nosso barco, em março de 2002, nossas férias têm sido sempre a bordo do VICTOR, um Fast345. É a nossa oportunidade de ficarmos mais tempo navegando e fazermos percursos mais longos.

Depois do sufoco de enfrentarmos a nossa costa numa travessia até Florianópolis no verão de 2004, em 2005 resolvemos fazer um cruzeiro mais “light”, curtindo as nossas águas sem pressa e sem o compromisso de chegar.

Partimos de Porto Alegre com três tripulantes a bordo: meu irmão André, comandante e cozinheiro de mão cheia, meu sobrinho Vitinho, proeiro e faz-de-tudo-um-pouco-a-bordo, desde descascar batatas até consertos hidráulicos e elétricos, e eu, médica de bordo, quando não sou eu o próprio paciente, navegadora, timoneira e responsável pela manutenção da ordem dentro da cabine. O Guaíba estava bem abaixo do seu nível normal, com uma coloração esverdeada de dar inveja ao mar do Caribe.

Pernoitamos a primeira noite na Praia do Sítio, em Itapuã, e seguimos na manhã seguinte em direção a Rio Grande. Na Lagoa dos Patos, fizemos nossa rota habitual: Rio Negro, São Simão, Cristóvão Pereira e Capão da Marca.

Ancoramos à tardinha no Bojuru. Soprava um nordeste com muita onda. Neste ancoradouro, não há abrigo para esse vento. Jantamos e tentamos dormir. Não conseguimos, pois o barco balançava muito. Decidimos, então, seguir viagem, nos revezando no timão.

Entramos no Canal da Feitoria pela manhã e chegamos à tarde em Rio Grande. Foi uma travessia tranqüila, sem grandes surpresas, o que nem sempre é assim. Atravessar o Canal da Feitoria é um desafio. Ele é estreito, longo e com um trânsito intenso de navios. Há muitos baixios na região e estacas de madeira ao longo do seu percurso. Muitas avançam dentro do próprio canal, um perigo à navegação. São os famosos “paliteiros da Feitoria”, verdadeiras cercas dentro d’água.

Além disso tudo, às vezes temos de enfrentar fortes correntezas e o mau tempo. Já pegamos, em outra ocasião, um temporal na Feitoria. Foi uma situação bem complicada. Era nossa primeira navegada a Rio Grande e não conhecíamos direito o nosso barco. Para não forçar o motor, tivemos de bordejar naquele canal estreito, com vento e chuva fortes, sem visibilidade nenhuma. Graças à carta náutica e ao GPS, conseguimos enfrentar bem a situação. Mesmo em tempos de navegação digital, aconselho a todos ter sempre as cartas de papel a bordo.

A chegada em Rio Grande foi, como sempre, uma experiência muito boa. Como é bom chegar lá depois de enfrentar a lagoa ou o mar. Além disso, o pessoal do Rio Grande Yacht Club recebe a gente super bem, de uma maneira muito especial, acolhedora. A gente se sente em casa. O problema é que não dá vontade de ir embora.

Depois de tomarmos um bom banho e descansarmos, abastecemos o barco com compras, água e combustível e saímos para o mar. Ficamos três dias velejando sem rumo certo, só pelo prazer de velejar no mar –“para salgar o casco”, como diz o nosso comandante. Navegamos até umas vinte milhas ao sul de Mostardas e, quando retornamos à barra de Rio Grande, ainda era noite. Ficamos circulando na volta até amanhecer, quando, então, entramos. Três navios nos acompanharam. Foi muito interessante observar o trabalho dos práticos de porto subindo nos navios.
No Rio Grande Yacht Club, fomos recebidos pelo nosso amigo Guto, que nos deu várias dicas sobre o Canal de São Gonçalo, nosso próximo destino.

Partimos, então, em direção a Pelotas e entramos no canal. Passamos por baixo das pontes (a ponte férrea precisou ser levantada para a nossa passagem; para isso, foi necessário só dar uma buzinada) e pela eclusa, que estava fechada. Em horários fixos ela é aberta para a passagem das embarcações.
Após atravessar a barragem, seguimos nossa travessia pelo São Gonçalo, um canal estreito, profundo, cheio de curvas e muito bonito. Abrigo para passar a noite é o que não falta. É possível chegar bem perto da margem e ancorar ou amarrar o barco em alguma árvore, situação rara para um veleiro como o VICTOR, que tem 1,60 m de calado.

Pernoitamos junto à margem, após um bom banho de rio. A água , apesar de turva, é limpíssima. Na manhã seguinte, partimos rumo a Santa Isabel, nossa última parada antes de chegar à Lagoa Mirim. Pretendíamos abastecer o barco com algumas compras, mas tudo o que conseguimos foi gelo, que tivemos de encomendar para o dia seguinte, algumas garrafas de refrigerante e uma paleta de ovelha com um cheirinho meio suspeito, que eu apelidei de “ovelha maturada”. Os habitantes de Santa Isabel são gente simples e simpática, não têm pressa para nada, parece que estão isolados do resto do mundo.


Canal São Gonçalo, com a imensidão da Lagoa Mirim ao fundo

Após navegarmos até a nascente do São Gonçalo, finalmente avistamos a Lagoa Mirim. Foi emocionante ver aquela imensidão de água doce, muito parecida com a Lagoa dos Patos. Infelizmente, não conseguimos entrar na lagoa, pois a profundidade no sangradouro estava muito baixa, em torno de 80 cm. Que pena! Ficou só na vontade.

A frustração de não conseguirmos entrar na Lagoa Mirim foi aliviada com um delicioso churrasco de “ovelha maturada”, assado em terra, às margens do São Gonçalo. A churrasqueira foi improvisada com restos de tijolos que achamos na beira do rio. Na época, não conhecíamos o Danilo para nos emprestar a sua famosa churrasqueira portátil.

Começamos, então, nossa viagem de volta. Fizemos escalas em Pelotas, São Lourenço, Bojuru e Cristóvão Pereira. Em Pelotas, atracamos no Veleiros Saldanha da Gama, onde também fomos muito bem acolhidos. Em São Lourenço, apesar dos conselhos que nos foram dados pelo rádio de como entrar no canal, erramos a entrada e encalhamos. Só conseguimos desencalhar com a ajuda de um barco de turismo, que nos rebocou. Acho que fomos a atração turística daquele final de tarde de domingo.

Saímos de São Lourenço com uma frente fria que nos empurrou até o Bojuru. A lagoa foi mudando de cor. Perto da costa, era turva, mais escura. À medida em que nos afastamos, tornou-se mais clara, esverdeada, muito bonita.
No Bojuru, descemos em terra com o DUCA, nosso botinho inflável. Ficamos impressionados com a beleza e a solidão do lugar.

Nossa última escala na lagoa foi no Farol de Cristóvão Pereira. Realizei meu sonho de ver esse majestoso farol de perto. Impressionante o fascínio que ele exerce na gente, com toda a sua imponência. Infelizmente, existe a ameaça dele ruir. Acho que todos os esforços devem ser feitos para preservar esse farol, tão importante para a nossa navegação.

Nossa viagem termina com o tradicional pernoite na Praia do Sítio e chegada em Porto Alegre no dia seguinte. Atracamos no Veleiros do Sul após dezesseis maravilhosos dias a bordo. Com o coração apertado, nos despedimos do VICTOR, nosso companheiro de tão bons momentos, já pensando nas nossas próximas navegadas.

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Bojuru, com suas dunas e figueiras

 

Vitinho e seu sandboard

 

Vão móvel da ponte ferroviária sobre o São Gonçalo. Logo atrás vê-se a ponte rodoviária.

 

Eclusa no São Gonçalo, junto à barragem que evita a salinização na estiagem

 

O Victor na margem do Canal São Gonçalo

 

 

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