14
Mar 2005
A monocultura obstinada pelo esporte à vela cedeu
lugar neste final de semana a "fazer trilha". Trilha de jeep,
ou de jipe que seja, mas que pouco tem a ver com os velhos jeeps. São
veículos modernos com ar condicionado, robustos e com tração
nas 4 rodas. O roteiro incluiu paisagens magníficas. A participação
requer perícia dos trilheiros, como são chamados.
Aqui
nasce o Rio Taquari, na confluência do Rio das Antas com o Rio
Carreiros
O passeio foi organizado
por uma empresa especializada que conduziu o grupo em comboio por estradas
para carroça em meio a roças e despenhadeiros, e por estradas
abandonadas onde um carro comum jamais passaria.
Semelhanças
Em vários aspectos o perfil do trilheiro assemelha-se ao
do velejador. Saem em busca do contato com a natureza e de aventura,
sujeitando-se a más condições de intempérie
e a dificuldades no percurso. Garimpeiros de adrenalina, são
solidários e falantes, e têm prazer em ajudar os parceiros
em dificuldades. Opiniáticos, gostam de contar sobre as piores
peripécias por que passaram. É uma tribo (sim, porque
o que fazem é pura indiada) muito diferente daquela de pilotos
de corrida. São usuários de GPS e preocupam-se com a navegação.
Usam equipamento especializado. A trilha desenvolve-se em baixa velocidade.
Como se percebe, têm muito a ver com o povo da água.
Diferenças
Os veículos utilizados na trilha geralmente são os mesmos
utilizados no o dia-a-dia. Trilheiros não costumam sair sozinhos.
Belíssimos
cenários
A
trilha realizada nos municípios de Salvador do Sul e Dois Lajeados
oferece cenários de rara beleza, com montanhas e desfiladeiros.
Viadutos muito altos da estrada de ferro chamam a atenção.
Passamos por alguns aglomerados de casas (menos que vila ou povoado)
muito simples. São casas de madeira sem pintura, sem energia
elétrica, no meio do mato. Cruzamos córregos, arroios
e rios. Circundamos vales, subimos e descemos montanhas.
Recordes
ferroviários (um pouco de história)
Uma das atrações da trilha organizada pelo pessoal do
Rotas & Trilhas é
a passagem por túneis ferroviários desativados.
O túnel da Linha Bonita (antiga ferrovia Montenegro Caxias
do Sul), teria sido o primeiro túnel escavado em rocha no Rio
Grande do Sul (1.906)*.
A
ferrovia EF-491 (Passo Fundo - Roca Sales) que ainda hoje funciona ali
foi construída pelo Exército e detém alguns recordes,
como o do maior viaduto ferroviário das Américas, sendo
também o 2º mais alto do mundo, com 509 m de comprimento
e 143 m de altura.
Na mesma ferrovia visitamos o Viaduto Dois Lajeados, com 81 m de altura
e 384 m de extensão. É uma obra imponente de que o Exército
orgulha-se**.
Sem
luz no fim do túnel
Dois outros túneis visitados nunca foram utilizados. Consta
que o Exército teria alterado o traçado da ferrovia durante
a construção e as obras foram abandonadas aí por
1.970. Um deles, com uns 300m de extensão, não tem saída.
É todo em rocha e o leito é irregular. Como uma caverna
artificial, apesar do dia muito quente, lá no fundo estava frio,
muito úmido, completamente escuro (o túnel é em
curva), e qualhado de morcegos. É uma sensação
inusitada manobrar lá naquele aperto para voltar...
Dificuldades para
fotografar
Os participantes andam em comboio. A parada de um jipe significa, na
maior parte do trecho, a obstrução da trilha. Se todo
mundo resolvesse fotografar as paisagens incríveis por que passamos,
o grupo não andaria (eram 19 participantes).
Passamos
por um abrigo abandonado com duas ou três telhas de zinco, sem
paredes, com uma placa enferrujada que dizia: "Telefone Comunitário".
A ausência do telefone representava uma oportunidade para fotografar,
mas não foi possível parar porque a poeira era grande.
Muitas oportunidades para excelentes fotografias foram perdidas, mas
tivemos cenários bonitos de sobra. Imagino que o número
ideal de veículos no comboio possa ser menor.
Esperas
Mas existem paradas involuntárias, como para transpor obstáculos.
É nestas ocasiões que o pessoal confraterniza. Os trilheiros
descem dos carros e ficam de papo. Na maioria das vezes a trilha fica
obstruída porque é estreita. Em alguns casos não
se pode desembarcar, de tão estreitas que são as "estradas".
Estiagem
Salvador do Sul está com racionamento de água. Em pelo
menos dois pontos da trilha passamos pelo fundo de córregos secos.
Aliás, creio que não fosse a estiagem, não teríamos
passado.
Alguns
rios que margeiam as estradas por onde passamos tem apenas um fio d'água.
Vimos lavouras de soja perdidas devido à seca. Vimos outras plantações
que não soubemos identificar, amareladas e murchas. Trabalho
perdido. O solo está muito seco. Foi uma boa oportunidade para
perceber os prejuízos da seca no interior. A nuvem de poeira
levantada na passagem do grupo era grande. Observe no fundo do vale,
na primeira foto desta página. Apesar de tudo, os vales estão
verdes. Dois ou três jipes não tinham ar condicionado...
Riscos
Em uma única situação percebi risco que considerei
elevado. A trilha ficou estreita na encosta do morro obrigando a passagem
a poucos centímetros de uma pirambeira (precipício) enorme.
Cair ali seria perda total do veículo. E talvez dos tripulantes.
Ao passar sobre uma
árvore, já à noite, um jipe Suzuki foi atravessado
por um galho de umas 2 polegadas de diâmetro. Foi algo raríssimo,
disse Fábio, um dos organizadores do passeio. O galho entrou
por baixo, rente à caixa de câmbio, perfurou o console
no interior do veículo e ficou espetado no estofamento.
Há situações
em que não há como voltar. É preciso ir em frente,
de qualquer maneira.
De um modo geral achei o nível de segurança muito bom.
Solidariedade
Os trilheiros ajudam-se muito. Há um forte espírito de
solidariedade. Tive a certeza de que ninguém seria abandonado
no caminho em caso de dificuldade. Notícias do último
participante do comboio eram freqüentemente verificadas pelo rádio.
Envolvimento
Zé
da Brita, como é conhecido um trilheiro cinquentão (a
maioria tem menos de 40) disse que nos finais de semana na praia volta
e meia lhe vêm à mente assuntos de trabalho, perturbando
o descanso. "Na trilha isso não acontece", comentou
o empresário. O piloto precisa estar muito concentrado à
trilha, e ainda atento às instruções via rádio.
Além da atenção ao solo, é preciso dar conta
do mato rente ao carro, da tração 4X4, do rádio
(Talk About), e do tráfego do próprio grupo. E tem ainda
a paisagem para apreciar.
Outras informações
O custo para participar do passeio foi de R$ 110,00 por veículo
(incluindo refeição para duas pessoas). Além do
combustível e das despesas normais de um veículo, é
bom considerar geometria, polimento, e eventuais reparos na carroceria.
Veja no vídeo como os jipes passaram bem perto de barranco em
uma subida.
O pessoal que organizou o passeio percorreu a trilha anteriormente para
certificar-se da viabilidade do trajeto. Além de indicar o caminho
a seguir, orientam os participantes nas passagens mais difíceis.
É significativa
a participação das esposas e namoradas. Alguns casais
levam os filhos. A partida ocorreu às 8h em posto de gasolina
próximo à saída de Porto Alegre. Chegamos de volta
aí pelas 22h, rodando em torno de 400km. Participaram veículos
Toyota, Land Rover, Suzuki, Mitsubishi e outros.
Em resumo
Descontração revezando-se com adrenalina em meio a cenários
exuberantes e clima de muita camaradagem. Além do mais, trilha
também é cultura. Não me convidem de novo porque
eu vou aceitar, de cara!
Meus agradecimentos
a Elemar Scherer e Eliane Nemoto que viabilizaram a realização
do belo passeio.
______
(*) As informações sobre a história
dos túneis foram obtidas em diversas fontes e podem não
ser totalmente confiáveis.
(**) Pequeno
site do Exército com mais
informações sobre a ferrovia.
Vídeo
do passeio
Para
o download clique com a tecla direita do mouse aqui e opte por
"Salvar Destino Como"
Vídeo de
5min, 9MB, zipado. Dependendo do tráfego na Internet poderá
levar uns 10 minutos para baixar (com banda larga).
Havendo dificuldade para baixar o vídeo, diga-nos o que aconteceu:
info@popa.com.br.
A qualidade do vídeo é típica de versões
compactadas para a Internet (na versão DVD são 200MB).
Vídeo
em DVD
Escreva solicitando cópia do vídeo em tela cheia, gravado
em DVD: info@popa.com.br
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