Na esteira do Orion
Rumo: Punta del Este
Claudia Barth


O Victor atracado em Piriapolis

Em 1948, o Comandante Egon Barth, a bordo do veleiro ORION I, aventurou-se numa travessia até Punta del Este. Foi a primeira viagem de cruzeiro de uma embarcação gaúcha de recreio em águas estrangeiras. A tripulação passou por dificuldades como condições de tempo adversas e problemas de ordem burocrática, o que não desanimou o espírito aventureiro daquela turma corajosa.

Cinqüenta e oito anos depois, a bordo do veleiro VICTOR, seguimos, filhos e neto, também rumo ao Uruguai. Desta vez, com ajuda tecnológica como GPS, navegação digital e previsão do tempo via internet, facilidades que os navegadores da época nem imaginavam.

Tenho grande admiração e respeito por navegadores que, como meu pai, faziam, ou ainda fazem, navegação costeira estimada, conferindo as posições com marcações de pontos em terra. Qualquer mudança de rumo ou velocidade precisava ser anotada, bem como o tempo decorrido em cada perna da singradura. Era uma infinidade de cálculos que hoje não precisamos mais fazer, o GPS dá tudo prontinho prá gente. Navegar atualmente é realmente muito fácil.

Nossa viagem foi seriamente planejada. A rota foi cuidadosamente traçada e os documentos necessários previamente providenciados, como a declaração de entrada/saída de embarcação estrangeira de esporte e/ou recreio, que foi encaminhada pelo Veleiros do Sul à Capitania dos Portos de Porto Alegre. Entramos em contato com nosso “embaixador” em águas uruguaias, o Comandante Carlos Font, que nos deu várias dicas sobre documentação, preços das diárias nas marinas e pontos de aproximação. Ele nos aconselhou a seguirmos direto a Piriápolis, pois, nesta época do ano, o Porto de Punta del Este poderia estar lotado.

Convidamos a Cristina Silveiro, a Tina, para fazer parte da tripulação, excelente velejadora e dona de um bom humor que contagiou a todos a bordo. Com todos estes cuidados e um friozinho na barriga, partimos rumo à nossa aventura em 15 de janeiro de 2006.

Atracamos no Rio Grande Yacht Club após a travessia da Lagoa dos Patos. De olho na previsão do tempo e seguindo os conselhos do comodoro e grande amigo Guto, saímos no entardecer do dia seguinte à nossa chegada. Como havia previsão de frente fria para dali a três dias, decidimos partir imediatamente, antes da entrada da frente. O vento sudeste, que depois rondou para leste, nos proporcionou uma bela velejada até Piriápolis, percurso que fizemos em exatas quarenta e oito horas.

No través do Cabo Santa Maria (Porto de La Paloma), entramos em contato, pelo rádio VHF, com o Control La Paloma para informar nossa presença em águas uruguaias e nossa posição. Fizeram-nos várias perguntas como matrícula da embarcação, nome do proprietário, número de tripulantes, porto de destino, horário estimado de chegada, etc. Informaram que avisariam o Porto de Piriápolis da nossa chegada, nos deram boas-vindas e orientaram para entrarmos em contato com o Control Punta del Este quando estivéssemos no seu través. Foi o que fizemos e, de novo, respondemos às mesmas perguntas. Assim foi também nossa viagem de volta, sempre informando, pelo rádio VHF, a nossa posição.

Entramos no Porto de Piriápolis sem saber para onde ir. “Agarramo-nos” na primeira poita livre que encontramos. Ficamos ali esperando até que um senhor nos indicou um lugar no trapiche. Nós nem acreditamos, era tudo o que a gente queria. Ficamos muito bem instalados numa marina nova, bonita, com água e luz à vontade, banho quente, banheiros limpos e localização privilegiada. Tudo isso por uma diária de 370 pesos uruguaios (aproximadamente, R$ 37,00).

No mesmo dia da nossa chegada, recebemos a visita do amigo Carlos Font e sua família, que estávamos ansiosos para conhecer. Muito amáveis, nos ofereceram um churrasco, que acabou não acontecendo por falta de tempo.

Em Piriápolis, alugamos um carro e fomos passear em Punta del Este. Percorremos toda a orla até José Ignácio. Em Punta, o porto realmente estava lotado, e tivemos a oportunidade de ver algumas regatas. Caminhamos na Gorlero e tomamos um sorvetão na Freddo. A cidade estava lotada de argentinos. Encontramos também alguns brasileiros . Punta “ferve” nesta época do ano.

Os uruguaios foram muito simpáticos e atenciosos com a gente, nos trataram super bem. Não tivemos nenhum problema com a burocracia uruguaia. Entregamos a declaração de entrada/saída na chegada, e ela nos foi devolvida na saída. Para dar a entrada na marina, o único documento solicitado foi o título de inscrição da embarcação.

A marina em Piriápolis é pública, e as pessoas podem circular livremente pelos trapiches, claro que sob o olhar atento dos guardas de plantão. Todos que passavam ficavam surpresos com a presença de um barco brasileiro e puxavam conversa com a gente. Ficaram muito impressionados quando o André inventou de assar um churrasco na churrasqueira de bordo. Foi o maior sucesso. Acho que o André fez muitos amigos por lá.

Piriápolis é uma cidade pequena com toda a infra-estrutura de uma cidade grande. É muito simpática, tem um clima agradável, e uma praia muito gostosa para caminhar e tomar banho. A água é um pouco fria, mas extremamente límpida. Deve-se ter cuidado com as águas-vivas. Há muitas delas, principalmente nas áreas mais profundas.

Infelizmente, ficamos pouco tempo, apenas cinco dias. Estávamos preocupados com a nossa volta, cuidando sempre a previsão do tempo. No quinto dia, quando vimos a previsão de sudoeste para o dia seguinte, resolvemos partir e pegar a frente fria no caminho.

Pernoitamos na Ilha Gorriti e saímos cedo pela manhã. O sudoeste entrou quando estávamos no través de José Ignácio. Começou mansinho. Aproveitamos para pescar e saborear quatro lindas anchovas assadas no forno. Foi, então, aumentando de intensidade até chegar a, no máximo, 35 nós, com ondas de 3 a 4 metros.

Foi uma velejada gostosa e muito tranqüila, tivemos muita sorte. Chegamos em Rio Grande felizes, com a sensação de missão cumprida.
O Uruguai é um país adorável. Com certeza, deixou muitas saudades e uma vontade enorme de visitá-lo novamente.

Como sobraram alguns dias das nossas férias, aproveitamos para navegar pelo Canal São Gonçalo até o sangradouro da Lagoa Mirim. No tempo restante, curtimos a Lagoa dos Patos, passando por São Lourenço, Bojuru e Porto do Barquinho.

Saímos do Porto do Barquinho, não sem antes dar uma “encalhadinha básica”, e pegamos o rumo da bóia luminosa do São Simão. Daí fomos direto a Itapuã. No Clube Náutico (CNI), fomos recebidos com “foguetório” e um delicioso churrasco.

Esta viagem foi uma homenagem a nosso pai e avô, o Comandante Egon Barth, um apaixonado pela vela, que agora navega em outros mares. Também conhecido como Comandante Chico, é lembrado, no meio náutico, pelo seu jeito afetivo, educado, calmo e tranqüilo. Apesar disso, sabia comandar sua tripulação com firmeza e segurança. Grande incentivador da vela gaúcha, deixou muitas saudades. A ele devemos nosso gosto pela vela e pelas longas travessias.

 

O diário do Orion:

Veleiros do Sul em águas do Rio da Prata
José Andino Mônaco, Revista Yachting Brasileiro nº 45, Julho de 1948
Transcrição por Carlos Altmayer Gonçalves Manotaço

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Mais sobre o cruzeiro do Orion:

Vendo a lua nascer quadrada no Uruguai
László Böhm

Acrescentado em 19 Mar 2006

 

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Comentários ao popa: info@popa.com.br

17 Mar 2006
Átila Böhm, Salvador, Bahia
Linda a matéria "Na esteira do Orion".
A analogia entre os dois tipos de navegação é um assunto muito interessante. Seria super legal se a Claudia escrevesse mais sobre as viagens dos Orions.

Bons Ventos
Átila

17 Mar 2006
André Issi, Guarda do Embaú, SC
Olá amigos, adorei o relato da viagem. Foi uma honra tê-los conhecido no primeiro dia de sua aventura e agradeço pela coca gelada que tomamos ao lado do CNI. Espero que a gente se reencontre um dia.
Estou cuidando da pousada aqui na Guarda do Embaú. Um baita abraço e parabéns pelo sucesso da viagem,
André Issi

19 Mar 2006
Williams Ribeiro (Willy)
Claudia:
Leio e guardo todas as matérias publicadas no Popa, e em especial o que publicaste sobre as navegadas do Victor. Conheço o barco de sua atrações no RGYC, assim como o Orion, de épocas passadas. Gostaria de ler o que tens, do Orion, de madeira, tradicional e belo barco, timoneado pelo Sr. Egon.
Gratos
Williams Ribeiro( Willy).

19 Mar 2006
Danilo Chagas Ribeiro [popa]
Ouvi comentários na varanda do Veleiros do Sul confirmando os pedidos do Átila e do Willy.

20 Mar 2006
Emilio Oppitz
Parabéns a tripulação do Victor pela bem sucedida viagem.
Nos passeios mais longos, o prazer é maior, tanto pela convivência da tripulação quanto pela permanência a bordo, pelo que se adquire conhecendo novos lugares e principalmente novos amigos.
As fotos estão um show.
Faço eco aos pedidos do Átila e do Willy.
Continuem.
Emilio (Tapes)
Adriana.

25 Mar 2006
Carlos Font, Uruguai
Amigos,

Gostei muito dos dois artigos sobre a viagem de voces, e sinto uma grande alegria por ter sido útil para que a mesma tivesse o melhor grau de seguranca e aproveitamento. Só fiquei com pena nao haver tido mais tempo para atender voces como merecem, mais como a vida sempre da outra oportunidade, espero ver voces por aqui pronto. Foi um grande prazer e honra conhece-los e recebe-los na minha casa e no meu porto, comecando assim uma amizade que espero possamos aprofundar. Adorei as fotos, em especial aquela que estou com aquela sujeira de roupa de trabalho....hehehehe. Recebam um grande abraco da mina parte e de minha família.

Carlos
Veleiro Barbarroja, Uruguai