Sete mastros quebrados
Guilherme Guili Roth

04 Jan 2006
A
lguns podem até dizer que sou azarado! Mas acredito mais na estatística, afinal, como dizem as seguradoras, “quanto mais se roda, mais chance de bater se tem”.

Pois é, foi uma época legal, poucas responsabilidades, muitas aventuras com grandes velejadas. Muitos campeonatos de monotipos e oceano, por todos os lugares. Depois, lá por 1995, tive que diminuir violentamente o ritmo, e tomar outro rumo pra não ficar à deriva lá na frente.
Acredito que se mantivesse aquele ritmo, ninguém mais me convidaria para velejar! A média estava em um mastro por ano.

Bom, vou tentar lembrar de alguns deles:

1. Alfa Instrumentos
Esse foi chique! Quebrar mastro no Mar Egeu, em Porto Carras na Grécia (região de Thessaloniki), não é pra qualquer um! Era verão europeu de 1991. Nelson Ilha, Tatu, Dodão, Breno (dono do barco) e eu! Corríamos o Campeonato Mundial de Quarter Ton (Quarter Ton World Cup 91). Até que estávamos legal. O nosso barco, apesar de ser super hi-tech, estava um pouco desatualizado em relação aos gringos. Andávamos junto do batalhão da frente, “rebolando” pro barco andar igual aos primeiros. Uns cinco minutos depois da largada da quarta regata, ventos entre 20 e 24 knots, veio a baixo. As terceiras e últimas cruzetas quebraram, fazendo o mastro vir se embrulhando pra baixo.

A tragédia havia sido anunciada ainda no Brasil. Durante nosso treinos em Ilhabela abusamos bem do barco velejando com bastante vento, treinando jibes e várias manobras. Quando desmontamos o barco para a viagem de navio para a Itália, verificamos uma fadiga naquelas benditas cruzetas. Após análises e discussões optamos em não trocar o mastro, e fazer um “reforcinho” com arames de aço passando pela frente do mastro, ajudando a segurar as cruzetas. Afinal, trocar de mastro na véspera do campeonato seria complicado! Bom, a lei de Murphy imperou! O nosso reforcinho não agüentou os ventos dos deuses.

Só pra encerrar, nossa melhor regata foi com o mastro remendado, 3º lugar. Sobre o remendo, é uma novela que conto outra hora, só posso dizer que viramos uma noite, cheios de ferramentas, serras, barras de ferro etc. Sucesso total.

2. Madrugada
Velho e sujo Madrugada; corríamos o 1º Troféu Cayru. Pegas legais, nós, o Carrasco, o Resgatão. Depois de montarmos a Ilha das Pombas, em Itapuã, entrou um CBzão daqueles! Deu uma porradaria de uns 10 minutos, suficientes para o estrago. Na hora em que vimos a água levantando no rio, começamos a baixar rápido a Grande e a G3. Na hora que apertou mesmo eu estava a sotavento soltando a escota da genoa, o Manfredinho estava escorado no mastro a barlavento, puxando a Grande pra baixo na marra (nessa hora o barco devia estar adernado uns 45º); O Índio estava atrás do Manfredinho, se segurando nos estais de barlavento e indo pra proa baixar a Genoa; o Ogro (Marcelo Aron) nas adriças; Tatu na escota da Grande; Serjão no leme e o resto da galera se mexendo em suas funções.

De repente um estouro! O estaiamento arrebendou lá no terminal, que ficava dentro do barco. Subiu rasgando, inclusive com um talho no braço do Índio. O mastro quebrou na terceira cruzeta e na altura do garlindéu, bem onde o Manfredinho estava pendurado. Eu, só vi a vela grande caindo por cima de mim, a retranca pro lado esquerdo e o mastro pro lado direito. Quando consegui sair de baixo vi o Manfredinho “equilibrado” pela barriga na ponta de mastro que ficou, na altura do garlindéu, onde as partes do mastro ficavam se contorcendo, presas pelas adriças que corriam por dentro do mastro. Sorte que o rapaz era “fraquinho”, só uns arranhões na barriga.

O Biriba, nosso Coach, corria feito barata tonta em cima do barco. Tava até divertido. Ancoramos o barco até conseguirmos recolher os restos do mastro. Depois de umas duas horas de serviço braçal feroz conseguimos recolher tudo, porém quem disse que a âncora soltava do fundo. A pressão do vento foi tanta que tivemos que fazer manobras descomunais para soltar o barco, com direito até a mergulho do Ogro dentro d’água.

De bom, essa função apenas garantiu o mastro novo, já que aquele havia espirado a validade a milhares de milhas! A sorte: estávamos com toda equipe oficial em cima. A maior sorte: alguns meses antes, havíamos pego um Carpinteiro “bagual” na costa, vindo de Floripa. Daqueles de velejar só de Tormentin. Estavam no barco o Serjão, o Dr. Norton, o Índio e eu. Velejamos na porradaria com marzão de respeito por uns dois dias, a cerca de uma ou duas milhas da costa, com vento nos mesmos brandais que quebraram no Guaíba. Já imaginaram que função: mastro quebrado, pouca gente, arrebentação, praia...!!! Sorte mesmo.

3. Charlie Bravo
Esse foi mais Ligth. Barco novinho do Vovô Paulo, mastro de carbono e todos os brinquedinhos. Estávamos saindo de Porto Alegre para São Paulo, onde seria a base do barco. Lá pelo través da Chico, velejávamos a pleno de contravento, dando umas batidinhas na onda. Estava muito bom. A tripula era o Comandante Vovô Paulo, Niels, Rudi Schultz, Walter Fiedler, Gastão Mostardeiro. Talvez esteja esquecendo de alguém, desculpem! Numa dessas “batidinhas” na onda, um estralo e o mastro caindo em câmera lenta. O Toguel do estai de proa, lá em cima, quebrou.

O mastro ainda ficou alguns instantes pendurado pela Genoa, mas não agüentou. Na segunda onda, veio abaixo. Caiu retinho e inteirinho, bem na escada da canoa de sotavento (boreste). Sorte que o leme fica a bombordo. O Walter estava no leme. A função do resgate do mastro foi meio complicada porque além do peso do mastro, tínhamos que tirar toda aquela vela Grande, Imensa e com full batten. Tudo certo e recolhido, voltamos para o Veleiros e aproveitamos o Oktoberfest que teria a noite para afogarmos as mágoas.

4. Uranus
Esse foi uma roubada! Estávamos fazendo um “delivery”. Tatu, dodão e eu. O barco era zerado, um 33 pés feito pela BarcoSul para um primo do falecido Plínio, o qual chamávamos carinhosamente de Lixa, por causa do sotaque carioca dele. Tiramos o barco do estaleiro em Porto Alegre para entregarmos no Bracuy, em Angra dos Reis/RJ. Já na Lagoa pegamos um “sulzinho puxador” suficiente para arrancar os rizos da vela grande!! Lá pelo través do Dona Maria tivemos que abortar e voltar para Tapes, de onde providenciamos os devidos reparos na vela grande.

Em nova re-largada fomos para Rio Grande, de onde fomos ao mar com um “sulzinho especial”, agora pelo lado certo! Buenas, o assunto é o mastro! O “sulzinho especial” durou até o través de Araranguá! Dali virou para um “lestinho”, foi pra um Nordestinho Especial e finalmente para o “puxador”, aquele de uns 25 knots! Lá pelo través de Santa Marta, a coisa de 5 milhas da costa, velejávamos de G3, segunda forra de rizo e o barquinho valente indo muito bem! Nosso objetivo era entrar em Laguna (7mn adiante) enquanto o vento ainda estava na categoria “puxador”.

Era bem no lusco-fusco das 7 horas, e recém havia passado o leme para o Dodão, que ficara sozinho lá fora! De repente aquele barulinho conhecido de nós três, “kaklank”! Veio tudo abaixo, de uma só vez!! Uma falha em um terminal NorsMan soltou o cabo de aço do estai lateral, fazendo o mastro cair inteirinho na água, quebrando apenas na enora! Ficamos até a uma da manhã recolhendo o mastro da aguá, sem poder ligar o motor (muitos cabos na água) O Dodão com a coluna recém operada não podia fazer muita força, e como o mastro caiu inteiro na água, era muito mais difícil do que recolher vários pedaços! Tínhamos que tirar as velas, cortar as adriças, fazer toda a faina com tudo dentro d’agua, mar grande (bem grande), vento que já tinha trocado pra categoria Sadock (pra lá dos 30kts) e pra completar, grudados na costa!

Pro nosso azar e pra sorte do dono do barco, não tínhamos a bordo um alicate para cortar o estaiamento, senão tudo teria sido resolvido bem mais cedo! Após limparmos tudo, fomos a motor para o porto de Imbituba (Laguna já não dava mais com o Sadock), distante cerca de 20 milhas, bem devagarito! Lá chegamos no meio da manhã e ficamos 2 dias esperando parar aquela ventania! Em calmaria fomos a Floripa, onde providenciamos todos os reparos do Barco, que perduraram umas duas semanas! Fomos a Angra com o Barco “zerado”, tudo novo, em uma velajada dos deuses! Na chegada à Baía Grande (Angra) pegamos outro temporalzinho! Foi nesse que caiu o helicópitero onde estava Ulisses Guimarães! Por rádio a Marinha do Brasil nos pediu auxílio nas buscas, já que havia caído bem ali! Nada vimos.

Mastros 5, 6 e 7
Os mastros 5, 6 e 7 eram de monotipos, os quais contabilizo apenas para fins estatísticos. São histórias com um pouco menos de adrenalina que contarei em outra ocosião!

O destino dos mastros

Alfa: recuperamos e deve estar navegando até hoje em algum barco de 20 e poucos pés! O Alfa tinha 27' porém o mastro era bem fininho e só um 21' poderia usar! Aquele barco tinha um mastro reserva!

Madrugada: navega hoje em um barco de 30' do ICG! Vedemos os cacos e o cara fez uns bacalhaus! Ficou bom e bem forte! O problema daquele mastro era o estaiamento que estava vencido!
 
Charlie: o seguro pagou e ficou com o salvado! Deve estar até hoje no VDS, atirado lá no fundo do lado do gigante!
 
Uranos: foi lixo!! Como o barco era "zero" foi um mastro todo "zero"! 

Os de monotipos sempre se aproveitam para fazer retrancas, luvas, reforços

 

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