Esquadrinhando a Lagoa dos Patos
Leopoldo Geyer

Crônica publicada na revista
Yachting Brasileiro nº 6, Abril de 1945.
Digitação e comentários de
Carlos Altmayer Gonçalves em 03 Abril 2004
  - Diário de viagem do iate “Ciclone”
- Pôrto Alegre ao Rio Grande pela costa oeste e regresso pela costa leste.
- 23 de janeiro de 1945 a 8 de fevereiro de 1945.
- Percurso aproximado de 323 milhas.
- Comandante Leopoldo Geyer. Proeiro Newton Barreto.

As garças pareciam aviões voltando do treinamento

23-1-1945 . Às 7 horas da manhã de terça-feira dia 23 de janeiro, havia no Clube dos Jangadeiros um movimento fora do comum. É que estavam embarcando, nos iates “Nirvana” e no “Ciclone”, os mantimentos e o gêlo, para a viagem ao Rio Grande.

Grande era o número de sócios do Clube, que foram desejar boa viagem e assistir à partida dos iates, sobretudo do “Ciclone”, que iria enfrentar as ondas encapeladas da Lagoa dos Patos, havendo entre êles quem duvidasse que o “Ciclone” pudesse realizar tal emprêsa com sucesso. Precisamente às 8.15, com vento sueste fraco, largaram os dois iates, rumo ao sul. Às 9.20 passávamos a Ponta Grossa, rumo à ilha Francisco Manuel, quando notamos que o “Nirvana”, que tinha como comandante o Dr.Breno Caldas e como proeiro o Orlando Borges, dedicado marinheiro do Clube dos Jangadeiros, seguia rumo do Salgado (Mato Alto), e por isso resolvemos tomar o mesmo rumo. Às 11.45 ancoramos na prainha do Salgado e fizemos em conjunto o nosso primeiro almôço em terra. Às 14 horas, com vento mais fresco, levantamos ferro e navegamos costeando o Salgado, passando pela alagada dos juncos. Às 17.15 contornávamos a Ponta Escura, e entramos entre a Ilhota e o Continente, abrigando-nos na enseada da costa, que oferece para os iates de bolina móvel excelente abrigo para todos os ventos. Às 18 horas estávamos com os barcos ancorados e preparamos o jantar em terra, debaixo de linda e frondosa figueira, donde assistimos a um maravilhoso espetáculo. Numa ilha fronteira ao nosso ancoradouro havia um viveiro de garças e de minuto em minuto chegavam, das plantações de arroz, bandos dessas graciosas aves que vinham pousar na referida ilha. A formação era tão bem organizada, que parecia aviões voltando dos treinamentos. Já estava escurecendo e sempre chegavam novos bandos de garças, que emprestavam uma graça e alegria ao nosso acampamento. Com êsse magnífico panorama, havíamos completado a nossa primeira etapa, recolhendo-nos às 21 horas aos iates, onde dormimos a nossa primeira noite.

Ancoramos na Barba Negra, para soltar o primeiro pombo correio: notícias às famílias

24-1-1945 - Cedo nos levantamos e, depois dum confortável café, içamos os panos e às 6 horas deixamos com saudades o local do nosso primeiro pouso. Seguimos pela costa da Ponta Escura e contornamos o Morro da Formiga às 7.15, donde rumamos à ilha da Barba Negra, já em plena lagoa. Às 8.15 ancoramos na Barba Negra, para soltar o primeiro pombo correio, que levaria notícias da primeira etapa às nossas famílias. Em seguida procuramos safar-nos dos diversos baixios, que contornam a ilha e, após cêrca de uma hora, conseguimos a profundidade de mais de 5 metros, que se manteve até a ponta de Santo Antônio de Tapes, numa extensão de mais de 20 milhas sem abrigo de espécie alguma. É êste o percurso de maior responsabilidade para o navegador de iate com bolina, pois, se o tempo se perturbar, é indispensável que o iate tenha qualidades para vencer esta etapa. O vento continuava sueste fraco; tentamos colocar o spinnaker do Tietê, mas infelizmente era grande demais e, depois de perder algum tempo, resolvemos ir com a grande e a bujarrona. Foi um trecho defavorável, visto que as ondas eram relativamente fortes em relação ao vento que não correspondia, e assim balançando como uma casca de noz, fomos vencendo aos poucos e às 14.25 tínhamos o mangrulho de Tapes pelo través. Com esta etapa tinhamos vencido o pedaço mais duro da navegação da costa oeste. Às 16 horas atravessamos o banco dos Desertores pela alagada e com isso resolvêramos o grande problema que era a passagem pelos bancos, sem ser preciso contorna-los, o que seria impraticável, visto que alguns bancos tem mais de 10 milhas de extensão. A opinião dos veleiros era de que não conseguiríamos passar pelos bancos e assim foi motivo de grande satisfação ter sido vitorioso o nosso ponto de vista e tornar mais interessante a viagem, pois a costa oeste é incontestavelmente muito mais atraente, cheia de abrigos e sem contar com o recurso da costa; conta esta com inúmeras granjas de arroz, com estradas de rodagem ligando-a à capital. Do banco dos Desertores rumamos para a Lagoa Graxaim, numa extensão de mais de 10 milhas navegando os dois iates sempre ao lado um do outro. O “Ciclone” que ia a barlavento conseguiu segurar o “Nirvana” e assim tornou-se a viagem mais interessante. O “Ciclone” foi motivo de entusiasmo para a tripulação do “Nirvana”, que pôde observar como o pequeno iate de apenas 5 metros e meio de comprimento, com uma cabine improvisada de lona que fechava a metade da boca, vencia galhardamente as ondas, navegando sempre por cima das mesmas, sem o perigo de bicar a proa. Foi justamente nesse trajeto que o “Ciclone”que é um iate da classe Jangadeiros, firmou sua reputação de iate bom para as ondas da costa. Foi ainda êsse dia o mais bonito da navegação. Dia claro e agradável, com ondas grandes, mas vento de fôrça ¾ fresco, em que o iate navegava firme e com uma velocidade de 5 nós. Às 17.30 horas já se divisavam as balizas que marcam a entrada da barra do Graxaim e às 18 horas com todos os panos, entrávamos a barra e fundeávamos no barranco da Lagoa do mesmo nome. A Lagoa do Graxaim é um dos melhores abrigos da costa oeste, para quaisquer ventos. Aí juntamos os dois iates e depois de dar uma volta em terra, fizemos o nosso jantar a bordo do “Nirvana”, após o qual fizemos nova caminhada em terra, recolhendo-nos às 21 horas para partir o mais cedo possível.



O “Ciclone”e o “Nirvana” na Graxaim

2ª etapa - 24-1-45

Seguimos a pé ao encontro do “Nirvana”, para que visse com mais facilidade o trajeto a navegar

25-1-945 - às 6 horas tomamos café e soltamos o segundo pombo. Às 7 horas, com vento leste, bem contrário, tivemos que sair à vara, pois não seria possível navegar a vela até a barra. Na baliza da barra ancoramos o “Ciclone”, tendo o “Nirvana” feito o mesmo; içamos então os panos. Às 8 horas em ponto começamos a bordejar para alcançar o banco Dona Maria, que era considerado o melhor para atravessar, mas tal não se deu e muitos encalhes sofremos até que deliberamos ancorar o iate e percorrer a pé, para encontrar a alagada que desse passagem. Não foi , porém, tarefa fácil. Depois de perdermos mais de uma hora, conseguimos levar o “Ciclone”, bem pela costa, na alagada de dentro que fica rente aos juncos viçosos. Eram 10 horas quando havíamos conseguido transpor o banco. Daí rumamos ao banco do Vitoriano, achando facilmente a alagada de fora, pela qual passamos às 13.45. O “Nirvana”, que havia ficado para trás, não conseguiu atinar com a entrada da nossa alagada, que tinha a forma de um S , e assim depois de diversas tentativas e a conselho dos pescadores que estavam fazendo a pesca de bagres (matança) rumou para a alagada de dentro e como esta também fôsse um tanto complicada para atingir a entrada, fomos com o “Ciclone” até as proximidades do outro lado do banco e daí seguimos a pé ao encontro do “Nirvana”, para que visse com mais facilidade o trajeto a navegar e que também tinha a forma de S . Desta forma conseguiu o “Nirvana” atravessar o banco às 14.35.


Como o tempo continuasse favorável, rumamos para São Lourenço, atravessando o banco do Quilombo às 17 horas sem maiores dificuldades, pela alagada de fora, onde encontramos algumas estacadas. Também nesse trecho, navegamos um longo percurso lado a lado, sendo notável a nossa navegação, sobretudo pela confiança que havíamos adquirido, tanto no “Ciclone” como no “Nirvana”, ambos excelentes barcos para as ondas encapeladas, que com o vento muito à feição , nos facilitou a entrada da barra de São Lourenço, que transpusemos precisamente às 18.15, com vento de pôpa numa velocidade sensacional, que até nos preocupou, pois , na nossa proa viajava um patacho (ceboleiro) , que ao montar a bóia da entrada, junto à costa, encalhou, deixando-nos pouca lazeira na entrada, tendo a boreste muitas pedras, mas felizmente correu tudo bem e com vento sempre favorável, subimos o lindo rio, cheio de iates que fazem a navegação para o Rio Grande, e que emprestam um aspecto majestoso, junto às magníficas figueiras; estas por sua vez dão graça e satisfação para quem vem da Lagoa dos Patos, onde por muitas vêzes se navega sem ver a costa. Ancoramos no cais, defronte da Capitania do Pôrto, e fomos à terra, telefonar para Pôrto Alegre, informando da magnífica viagem que estávamos realizando, com a terminação da terceira etapa, com tanta facilidade. Depois de jantarmos no Hotel, voltamos para bordo, onde pernoitamos.

26-1-945 - às 6 horas deixamos o nosso ancoradouro e com vento leste navegamos até próximo da barra e aí ancoramos para um passeio pela costa, que é muito pitoresca. Antes de partir soltamos o 3º pombo correio, com a mensagem informativa de que seguiríamos diretamente para o Rio Grande e às 7 horas atravessamos a barra , rumo ao canal da Feitoria. O vento, que estava fresco, levantava enormes ondas, mas a confiança que já possuíamos no “Ciclone”, tornava a nossa viagem ainda mais interessante, principalmente quando se observava como deslizava sôbre as ondas, sem que alguma vez nos tivesse dado a preocupação de outros iates, que em circunstâncias idênticas bicam na proa, como se fôssem submarinos... às 11 horas alcançamos o canal da Feitoria, bem defronte da ilha da Feitoria, navegando daí até o Rio Grande ao lado do ceboleiro, o iate “Almirante Tamandaré”, sob o comando do Mestre Leandro Brum, que se entusiasmou em ver como se portava valentemente o “Ciclone” nas ondas. Quando passamos na altura da barra de Pelotas, o sr. Leandro nos aconselhou a abandonar o canal e seguir pelo Chiqueirinho, que encurtaria enormemente o trajeto. Chamam Chiqueirinho ao balizamento antigo feito com muitas varas, que serve a navegação dos patachos que têm 4 e 5 palmos de calado.


( O ceboleiro “Almirante Tamandaré” fundeado junto do “Nirvana” e do “Ciclone” )

Próximo do canal, começou a soprar forte vento de nordeste, que nos obrigou a bordejar, com ondas revoltas, que faziam vibrar tôda a armação. Felizmente o vento rondou mais ao largo e às 16 horas tínhamos São José do Norte pelo través; depois, quando tentamos encurtar novamente o caminho, não logramos atravessar a zona dos baixios em conseqüência da enorme sêca e assim, após perder algum tempo fizemos o canal da navegação, prcorrendo o Pôrto Novo. Defronte do Clube de Regatas, avistamos o aviador Ruhl, na base aérea, que havia chegado momentos antes e resolvemos fazer uma pequena parada em terra e conversar com êste piloto amigo, que poderia dar notícias frescas de casa. Depois de alguns momentos em terra voltamos novamente para bordo e proseguimos com vento de pôpa e uma forte correnteza de vazante, rumo ao Rio Grande Yacht Club. De tôda a viagem, foi êste o momento de maior sensação para os tripulantes do “Ciclone”, que corria com uma velocidade incrível, bicando a proa na correnteza que era contrária. Nas proximidades do mercado avistamos no cais o Dr. Hugo Altmayer, Comodoro do R.G.Y.C., que nos aguardava, mostrando até onde deveríamos navegar. No Yacht Club, grande era o número de sócios que aguardavam a nossa chegada. O “Almirante Tamandaré”, que também ia ancorar no Yacht Club, encalhou na entrada do pôrto, o que dificultou a nossa manobra, agravada ainda pelas pedras existentes justamente ao lado do trapiche da sede. Felizmente, depois de algumas tentativas conseguimos ancorar ao lado do “Nirvana”, sem maior novidade. Às 18.30 recebíamos os cumprimentos na sede do clube, pela feliz terminação do nosso raid em barcos tão pequenos.


O proeiro do “Ciclone”, Newton Barreto, e o Orlando Borges , do “Nirvana”, ficaram morando nos próprios barcos, enquanto o Dr. Breno Caldas e eu nos fomos hospedar no velho Paris Hotel. De noite o Dr. Altmayer ofereceu-nos um jantar no Restaurante Baiana.

27-1-945 - Às 10 horas fomos ao Yacht Club onde nos aguardava uma surprêsa. Haviam telegrafado de Pôrto Alegre dando notícia de que dois iates haviam fugido do pôrto.

Comparecendo à Capitania do Pôrto, onde de qualquer modo iríamos, por cortezia e por dever, fomos recebidos pelo Comandante Adalberto Coimbra, perfeito e distinto oficial de nossa Marinha, a quem demos conta de nossa viagem e com quem mantivemos longa palestra onde foi relembrada a viagem do “Vendaval” a Santos, quando era então capitão dos portos do Estado de São Paulo. Prometeu-nos que no dia seguinte iria visitar-nos.

Discursos: todo marinheiro dispensa de boa vontade

28-1-945 - Domingo, dia lindo, dirigimo-nos ao Yacht Club, para aguardar a visita do Comandante Coimbra, que, conforme havia marcado, às 10 horas em ponto chegava à sede do Club. Era esta a primeira vez que visitava o Yacht Club, e, assim, percorreu tôdas as dependências, fazendo as honras da casa o Capitão Bandeira de Melo. Em seguida passamos para os iates, onde o Comandante examinou minuciosamente a construção do “Ciclone”, vendo que havíamos preparado o barco para suportar as ondas, com a cobertura de lona em forma de cabine até o meio da embarcação. Elogiou a embarcação, as madeiras empregadas e o fino acabamento, tanto do “Ciclone” como do “Nirvana”, ambos construídos pelo construtor Roberto Funck, que tem o estaleiro no Clube dos Jangadeiros. Demorou-se ainda em alegre palestra, dizendo ser um grande adepto da vela e que tem dois filhos também na Marinha, ambos praticantes do esporte da vela, correndo regatas nos seus dias de folga. È também um grande apreciador da classe Guanabara e pensa em mandar construir um barco desa classe para a Capitania de Rio Grande. Ao se retirar, fêz questão que o acompanhássemos até a Capitania, para nos mostrar os roteiros e as cartas que serão de grande utilidade para a nossa navegação. Depois ainda mostrou-nos a sua residência particular, muito confortável, dizendo que a família estava sendo esperada com o primeiro navio a entrar no pôrto. Ao nos despedir-nos pôs o seu auto à nossa disposição, para voltarmos ao Yacht Club. Voltamos encantados com a recepção e a maneira cavalheiresca com que fomos tratados pelo Comandante Coimbra, esperando em Pôrto Alegre poder retribuir tantas atenções recebidas.



O Comandante Adalberto Coimbra entre Leopoldo Geyer e o Dr. Breno Caldas,
Diretor do “Correio do Povo” , no Rio Grande Yacht Club

Almoçamos no hotel e depois duma sesta, quando seguíamos para o Yacht Club, para aguardar a chegada dos iates dos Veleiros do Sul, tivemos a notícia de que o proeiro do “Nirvana”, Orlando Borges, havia sofrido um grave acidente de ônibus. De fato, quando voltava duma excursão ao Cassino, virou o ônibus, fraturando uma costela e rasgando o lábio superior. Visitamos o Orlando no hospital da Santa Casa, onde já havia sido devidamente medicado. Estava consternado, sobretudo por não poder voltar no “Nirvana”.

Às 14 horas chegaram os iates “Pinguim”, “Orion”, “Miraguaia”, “Seival” e “Umuarama”, sendo festivamente recebidos pelos sócios de diretoria do R.G.Yacht Club. À noite, no Restaurante Baiana, foi-nos oferecido um banquete que decorreu bastante animado, porém sem os tradicionais discursos, que todo marinheiro dispensa de boa vontade.

29-1-945 - A segunda-feira foi aproveitada para compra de materiais de reserva e passeios pela cidade, tendo muitos seguido para o Cassino, o magnífico balneário do Rio Grande. À noite, no mesmo restaurante, os veleiros visitantes retribuíram com outro banquete de despedida, que como o primeiro esteve bastante animado. Almoçamos no Restaurante da Baiana, tendo como convidadas as veleiras irmãs Altmayer. Durante o almôço foi fundado o departamento feminino do Clube dos Jangadeiros, ficando a senhorinha Helga Altmayer incumbida de sua organização. Nessa ocasião Leopoldo Geyer pôs a disposição de D. Helga um iate da classe Jangadeiros para treinamento das novas veleiras que ingressasem no referido Departamento. À noite despedimo-nos do Comodoro Dr. Altmayer e família na confeitaria Dalila, visto termos resolvido partir na manhã de quarta-feira, dia 31 de janeiro.

31-1-945 - Às 6 horas abastecemos o “Ciclone” de água doce e de mantimentos indispensáveis; a seguir fomos à terra para tomar café no mercado. Às 8 horas largamos do ancoradouro, no qual permanecemos 4 dias, deixando saudades dos bons dias passados em tão agradável convivência na Cidade de Rio Grande. A nossa partida começou com vento leste, contrário, portanto, o que nos obrigou a inúmeros bordejos para sair do Pôrto Velho. Felizmente as águas haviam subido bastante, o que nos facilitou muito, pois conseguimos encurtar o caminho contornando o Clube de Regatas, rumo direto ao canal, sôbre os baixios, aproveitando as balizas usadas pelos pescadores. Depois de passado o mangrulho do Diamante, rumamos para a ilha da Sarangonha, que deixamos a bombordo, para entrar no canal do Estreito. Próximo da Ponta Rasa, começou a nossa odisséia, com os constantes encalhes, sendo nisso mais feliz o “Nirvana”, que seguiu a rota dum pequeno ceboleiro e assim conseguiu orientar-se sôbre a entrada do canalete, depois de inúmeros bordejos. Pouco depois, quando conseguimos atingir a baliza que marcava a passagem, perdemos de vista o “Nirvana”; daí por diante tornou-se mais fácil a navegação, pois pela própia cor da água percebia-se perfeitamente quando o fundo subia a assim, antes que chegássemos a águas mais claras, virávamos de bordo e procurávamos conservar-nos sempre nas águas mais escuras; infelizmente os bordejos tinham de ser feitos em percursos tão pequenos que não ganhávamos quase barlavento e assim perdemos o dia inteiro, até que avistamos o “Nirvana”, que vinha 3 ou 4 quilômetros atrás do nosso barco; isto nos causou surprêsa, pois não o encontráramos em todo êsse percurso. Como já estivesse anoitecendo, resolvemos rumar para a costa e procurar um bom ancoradouro e esperar pelo “Nirvana”. Às 18 horas fundeávamos no Saco do Rincão e, quando o “Nirvana” chegou, ficamos sabendo que haviam ancorado na costa à nossa espera, mas, dada a distância em que navegáramos, não o avistamos. Aí portanto terminou a nossa primeira etapa da volta, a mais difícil que havíamos feito até aquele momento. A distância percorrida nesse dia foi de apenas 14 milhas, sem contar, é claro, os bordejos.

 

Soltamos o 4º pombo que, após pequena revoada, pousou em terra, na praia

1-1-945 - Às 7 horas soltamos o 4º pombo, que após pequena revoada, pousou em terra, na praia. Soubemos que êsse pombo chegou sem a mensagem; provavelmente fôra retirada pelos pescadores que se encontravam nas proximidades. Em seguida largamos com a intenção de alcançar o Capão da Marca, mas o mesmo vento contrário nos perseguia. Tínhamos de bordejar 2 a 3 horas para o largo, com ondas enormes e rendimento diminuto. Assim passamos o dia inteiro nessa luta, até que , ao cair da tarde, rumamos para a Barra Falsa. Não encontrando a entrada e como já estivesse escuro, resolvemos ancorar fora da arrebentação, passando a nossa pior noite devido aos balanços do barco ( vinte e cinco milhas percorridas).

2-2-945 - Cedo acordamos e como o tempo continuasse o mesmo com vento mais fresco e contrário, decidimos entrar na Barra Falsa e esperar que melhorassem as condições de navegação. Logo que ancoramos no único e magnífico abrigo da costa leste, soltamos um pombo correio (5º) comunicando que iríamos aguardar que amainasse o vento para prosseguir a viagem e que de Cristóvão Pereira enviaríamos novas notícias. Em Barra Falsa ficamos dois dias. O “Nirvana”, que ficara privado do proeiro Orlando, trouxe o tripulante do “Umuarama”, Oscar Koepke (Comicha) , que serviu de cozinheiro das duas guarnições. Visitamos o fazendeiro da localidade e fizemos camaradagem com os tripulantes dos ceboleiros “Azia” e “Irio” que estavam carregando cebolas para o Rio Grande. No sábado, dia 3 de fevereiro, os ceboleiros ficaram prontos para zarpar, mas ficaram para partir no domingo, bem cedo, dizendo que era de se esperar bom tempo. Tomamos também a mesma resolução, esperançados de fazer a etapa até Cristóvão Pereira, para recuperar o tempo perdido.

4-2-945 - Amanheceu o dia com aspecto favorável e vento ainda contrário, mas não convinha esperar mais e largamos às 8 horas. Tivemos de rumar na direção do Banco do Vitoriano, para conseguir montar o farol do Bujuru, o que somente às 11.30 foi conseguido, apesar de distar apenas 6 milhas de nosso ponto de partida. Dura era, portanto, a nossa luta, sendo que depois do meio dia o vento refrescou de tal forma, levantando grandes ondas a ponto de nos obrigar a permanecer na costa. Mesmo assim lutava-se para vencer navegando contra o vento e contra tais ondas. Depois de perdidas as nossas esperanças de alcançar sequer o Capão da Marca não restava outra alternativa senão rumar bem para a costa e procurar um ancoradouro que satisfizesse. Nada foi encontrado e, finalmente anoitecendo, acabamos por ancorar fora da arrebentação, onde ficamos abrigados do vento, mas não das ondas que vinham em sentido contrário devido à correnteza. Como o balanço fôsse desfavorável, desembarcamos e fomos procurar em terra um local para passar a noite. Ficava êste local cêrca de 1 quilômetro afastado de nosso ancoradouro e era o único onde se poderia ficar, visto que a praia não poderia oferecer segurança, e além disso estava molhada da maré. O Dr. Breno Caldas, depois de fazer a refeição conosco, achou que dormiria melhor no “Nirvana” e voltou para bordo. À meia noite ouvimos de longe uma voz que perguntava se havia lugar para mais um. Era o Dr. Breno, que, não tendo suportado os balanços do barco, resolvera vir nos fazer companhia e dormir debaixo das árvores. O Dr. Breno contou-nos , então, que o “Ciclone” era valente nas ondas da arrebentação e que se defendia tão bem que não embarcava água alguma. Com esta notícia dormimos despreocupados, apesar de ouvirmos o sibilar do vento, que havia refrescado muito por volta de 1 hora; além disso ficara abordo do “Nirvana” o Comicha, e assim não nos passara pela idéia que pudesse acontecer algo que não fôsse observado por êle.

O mais triste de tudo foi a perda de dois pombos correio

5-2-945 - Ao clarear o dia, fomos ver como se teriam comportado os barcos, e qual não foi a nossa surprêsa quando só avistamos o “Nirvana”. O “Ciclone” achava-se mais para o sul, sôbre um banco de areia. Quando chegamos, constatamos que tudo quanto se encontrava a bordo havia sido levado para água. Os paneiros, que estavam soltos ( o que é um grave êrro para quem navega na lagoa ), foram os prováveis causadores da perda de todos os nossos objetos e roupas. Os comestíveis, por outro lado, estavam em caixas de vinho, que também começaram a flutuar, e assim tudo saiu navegando. No momento em que chegamos juntos do “Ciclone”, tinha êste água até a borda. A retranca já balançava e por questão de minutos ter-se-ia partido. Depois de retirada a água do barco, desolados pelo acontecido, caminhamos pela costa, esperançados de encontrar pelo menos os paineiros. Depois de percorridos cerca de 500 metros, achamos o primeiro paineiro e mais adiante o croque; e assim num percurso de 1 milha aproximadamente encontramos durante o dia de segunda-feira, quase tudo quanto supunhamos perdido. Todos os paineiros voltaram para os seus lugares e já nos havíamos reanimado, pois a embarcação estava em condições de reiniciar a viagem. Até os sacos de roupa deram à costa. O mais triste de tudo foi a perda de dois pombos correio, que sucumbiram dentro do cêsto que também deu à costa. A êsses fiéis mensageiros prestamos a nossa homenagem, sendo enterrados no Capão Três Irmãos e enfeitada a cova com flores agrestes. Faltava, entretanto, encontrar uma bôlsa de lona, que continha um aparelho fotográfico “Exacta”, um binóculo, molhos de chaves, dinheiro e objetos de utilidade, inclusive a carteira de identidade de quem escreveu esta crônica. Durante o dia inteiro não se fêz outra coisa senão secar as roupas, colchões e procurar a bôlsa. Percorreram os tripulantes palmo a palmo desde o lugar do ancoradouro até o ponto onde o “Ciclone” encalhou; essa parte foi percorrida por todos os tripulantes em todos os sentidos, sem que se encontrasse a bôlsa. Dando-a por perdida desistimos de continuar as pesquisas. Nesse dia armamos a barraca, depois fechamos com lona todo o paineiro do “Ciclone”, transportando-o para o lado interno do baixio a fim de ficar abrigado da arrebentação, pernoitamos em terra. Às 17 horas, quando armávamos a barraca, perturbou-se o tempo e pouco depois desencadeou-se uma tromba d’água. Felizmente deu-nos tempo para recolhermos tudo quanto tínhamos secado e também os mantimentos do “Nirvana”. Logo que a barraca ficou arrumada o “Comicha” preparou um jantar suculento que nos refez; na verdade com o caso do “Ciclone”, não tínhamos almoçado e nem sequer tomado café. A barraca que é para duas pessoas, abrigou nessa noite os quatro tripulantes do “Nirvana” e “Ciclone”; o cansaço auxiliou-nos o sono e todos dormimos bem.

6-2-945 - Fazia um dia lindo,o primeiro com vento favorável desde a nossa saída do Rio Grande e começamos então a embarcar as nossas cousas para bordo, a fim de aproveitar o vento da manhã, que em geral é o melhor da Lagoa dos Patos. Levamos cêrca de duas horas até que tudo estivesse a bordo . Quando estávamos com quase tudo pronto, o proeiro do “Ciclone”, Newton Barreto, disse que gostaria de encontrar uma caixinha de estimação, que deveria ter dado à costa. Lembrei-me da minha bôlsa e fomos fazer nova procura. Tínhamos andado cêrca de 1 milha, quando êle achou a tal caixinha, mas a minha bôlsa, nem esperança. Nessa ocasião ocorreu-me que costumava ler no “Correio do Povo” agradecimentos de pessoas que conseguiram graças, por meio de promessas; assim fiz uma promessa se achasse a minha bôlsa. Decorridos uns dez minutos, disse a meu companheiro que não iria adiante e que se tivesse que achar a bôlsa seria no desencalhe do barco, por ocasião de sua passagem para fora da arrebentação. Fortalecendo-se cada vez mais essa minha convicção, voltamos e terminamos o embarque e quando o barco estava com os panos içados, fomos à procura de um canal no banco que permitisse dar passagem; não encontramos a passagem mas quando olhávamos para o fundo da lagoavimos a bôlsa. Constituiu um acontecimento tão notável que demos um estridente apito, para que os companheiros de ambos os barcos pudessem assistir à retirada da bôlsa do fundo da lagoa.


Quando apareceram nos conveses, retiramos a bôlsa e corremos para uma lagoinha formada pela chuva do dia anterior; aí chegados lavamos em água doce a “Exacta”, para retirar-lhe a água salgada. Feito isto embarcamos e procuramos safar pelo baixio, mas não foi possível encontrar passagem que desse para o calado do “Ciclone”, que no entanto é de apenas 50 cms. O “Nirvana” supondo que conseguíssemos safar o nosso iate, levantou ferro e rumou para Critóvão Pereira. Depois de uma hora, vendo que não saíamos, voltou e veio auxiliar-nos. Os 4 tripulantes conseguiram até às 14 horas colocar o barco em cima do banco, mas daí não houve fôrça suficiente para levar adiante. Em vista disto, mandamos procurar, na fazenda próxima, bois para arrancá-lo. Às 15 horas e 50 m. chegaram os fazendeiros, três irmãos com dois cavalos e com o auxílio de todos nós, em 10 minutos tínhamos o barco novamente flutuando.


Desta forma a nossa grande etapa que deveria ser feita com vento favorável, teve vento pela prôa. Como tivéssemos perdido todos os nossos mantimentos, ancoramos no Capão da Marca, pensando encontrar pão torrado e bolachas, mas, infelizmente, tivemos que nos contentar com salame e compota. Na ocasião em que o Newton foi a terra, chegou a cavalo até perto do barco uma linda môça das proximidades, que fôra atraída pelo veleiro e queria saber donde vínhamos e para onde íamos e se não tínhamos medo de andar nessas ondas perigosas da Lagoa. Depois de informada de tudo, inclusive da perda de nossos mantimentos, despediu-se, rumo à fazenda. Já estavamos levantando ferro, quando chegou à praia uma menina a chamar-nos. Mandei que o Newton fôsse a terra ver o que queria. Era um convite para jantarmos na fazenda. Infelizmente tivemos que declinar do convite, pois o nosso companheiro estava longe e queríamos chegar até o Farol do Cristóvão Pereira. Já era noite escura, quando avistamos o sinal do “Nirvana”, que estranhando a nossa demora ficara ancorado a nossa espera. Como tivéssemos deliberado só arribar em Cristóvão Pereira, avisamos que iríamos até lá. Apesar da noite escura e das ondas altas fizemos boa navegação embora toda de bordejos, tendo como ponto de referência o Farol, que, parecia mais perto que na realidade. Eram 23 horas quando resolvemos ancorar, meia milha antes do Farol. Perdemos de vista o “Nirvana” que vinha fazendo sinais com a lanterna elétrica, supondo que já tivéssemos ancorado; cansados do trabalho de desencalhe e da navegação tão prolongada, achamos acertado ficarmos onde estávamos e depois duma rápida refeição, com suco de uva e bolachas, acomodamo-nos. Ficamos ancorados sem luz, por ter terminado o querosene.

O “Comicha” estava nesse dia com toda a corda

7-2-945 - De manhã, fomos a terra para prepararmos a mensagem que o último pombo levaria, tranquilizando as nossas famílias, que deveriam estar apreensivas com a nossa demora, visto que o último pombo havia sido enviado de Barra Falsa, dia 2 de fevereiro. Nessa ocasião avistamos o “Nirvana”, que já de velas enfunadas vinha ao nosso encontro, bordejando. O nosso proeiro que estava no “Ciclone” içou as velas e com isso fêz com que o “Nirvana” desse meia volta e se fizesse ao largo. Começou então a nossa caça ao “Nirvana”, que tinha em seu iate o último pombo existente; mas não havia jeito de alcançá-lo. Por sorte, diminuiu o vento e com isto conseguimos andar mais do que êle, aproximando-nos o suficiente para que vissem o nosso sinal de esperar. Passado o cêsto com o pombo para o nosso barco, pusemos a mensagem e soltamos o pombo, que fêz revoadas sôbre os barcos, acabando por posar no “Nirvana”, junto ao Dr.Breno, que estava no leme. Aí permaneceu por espaço de 2 horas, comendo e bebendo e, somente quando avistou terra, pulou para cima da cabine. Bem de fronte de Tapes, levantou vôo e rumou para Pôrto Alegre. A noite de Cristóvão Pereira foi a única que os dois iates ficaram separados e com isto perdemos o magnífico jantar que tôdas as noites nos era servido pelo “Comicha”, a bordo do “Nirvana”. O Dr.Breno contou então que estava apreensivo, por não nos ter visto, chegando até a supor que tivéssemos naufragado, dada a violência das ondas e a noite escura; sendo que eles navegaram atéà 1 hora da madrugada, quando então resolveram ancorar na parte fronteira ao Farol. Do Farol de Cristóvão Pereira, tomamos rumo direto ao de Itapoã, num percurso de 40 milhas em pleno centro da Lagoa dos Patos. Tivemos no comêço vento fresco de oeste, bem à feição. Navegamos com pano rizado e como pelas 16 horas continuasse fraco, mas de sueste, resolvemos tirar o rize e navegar com todo o pano. Não haviam decorrido 10 minutos, quando refrescou de tal forma o vento leste, que nos arrependemos de ter tirado os rizes; mesmo assim navegamos perfeitamente bem, ficando mais uma vez comprovada a estabilidade do “Ciclone”, da classe Jangadeiros, para navegação em costas com ondas encapeladas. Às 18.30 montamos o Farol de Itapuã, entrando nas águas familiares do Guaíba. O “Nirvana”, que havíamos perdido de vista estava ancorado no Sítio, para onde nos dirigimos, fundeando ao lado do inseparável companheiro, onde dormimos lado a lado, em nossa última etapa de tão feliz excursão, que ficará inesquecível para o resto da nossa vida. O “Comicha” estava nesse dia com toda a corda e fêz questão de fazer um banquete de despedida. Não sabia tudo quanto deveria preparar para que os nossos estômagos ficassem refeitos do perdido na véspera e no almôço, visto que não houvera tempo para a refeição do meio-dia. Foi, de fato, um dos melhores jantares, e logo depois nos recolhemos para pela madrugada partirmos para o nosso ponto de destino que era o Clube dos Jangadeiros.

8-2-945 - às 5 horas levantamos ferro e às 12.30 ancorávamos na ponte do Clube; fizemos a volta pela costa leste, deixando a ilha Francisco Manuel a bombordo. Como soprasse aí vento norte, navegamos até próximo da Alegria e de lá, num bordo só, alcançamos o nosso ponto de partida e finalizamos, com o sucesso previsto, a nossa magnífica excursão, fazendo o circuito completo da Lagoa dos Patos e do Guaíba, numa navegação de 325 milhas em linha reta, sem contar os incalculáveis bordejos que fomos obrigados a fazer na volta.


Vender ou dar as galinhas: eis a questão!

fevereiro /1970 - Fui convidado para passar 2 semanas velejando no “Aventura”, o belo barco do Dr.Breno Caldas, a quem eu chamava de “tio Breno”, em razão das ligações afetivas de meus pais com ele. O barco estava em São Lourenço do Sul, onde embarcamos. Fomos dali a Rio Grande, onde passamos alguns dias. Retornamos a S.L. do Sul para o encontro da vela ( carnaval ) e então iniciamos regresso para Porto Alegre. Havia alguns anos que eu tinha lido esta crônica acima e ficara fascinado pela história. Em 1970 tinha eu 16 anos, acho que li a revista quando andava pelos 12 a 14 anos. Não pude mais esquecê-la, pela aventura que foi e por ter tomado conhecimento através dela que minha mãe fora pioneira entre as “veleiras”. Saindo de S.L.do Sul velejamos até a Barra Falsa do Bujuru, onde fundeamos para pernoite. Foi então que o tio Breno contou-nos alguns fatos curiosos ocorridos por ocasião da estada deles por ali, havia já 25 anos, fatos estes não relatados na já extensa crônica do Leopoldo.

A base do rancho era de cereais, salgados, massas , enfim nada fresco pois nem pensavam em levar gelo. Como ficaram alguns dias abrigados do mau tempo, decidiram tentar comprar algumas galinhas caipiras para variar o cardápio. De acordo com a lembrança do tio Breno elas eram de dar água na boca. Foram falar com o dono das mesmas, o estancieiro Sr. Francisco Pereira, conhecido como “ Seu Chiquinho”, com quem já haviam travado relações. Seu Chiquinho era uma pessoa simples, mas determinada e com uma personalidade peculiar. Ao escutar o pedido, este coçou a cabeça a pensar e após algum tempo respondeu :

“Não, não fica bem eu vender umas galinhas a vocês que chegaram aqui na minha casa corridos por um mau tempo, a procura de abrigo.”

Quando escutaram isso, os marujos começaram a imaginar que as suculentas penosas seriam um regalo, honrando as tradições do povo gaúcho. Ledo engano. Um deles arriscou:

“Então o senhor vai nos presentear , digamos, duas galinhas já seriam suficientes...”

A resposta foi rápida e dura...

“Não, não darei as galinhas, afinal eu mal conheço os senhores. Acabaram de chegar por aqui. Não posso ficar dando galinhas a todo aquele que aparece por aqui. E como já disse antes, também não fica bem vender-lhes as galinhas e ponto final nessa história!”

Tudo na vida tem refugo

Outra história interessante é a da carga de cebolas. Estas eram carregadas em carretas puxadas por bois e entravam n’água até o lado do ceboleiro. Eram então jogadas para o porão do mesmo. A medida que o barco ia sendo carregado e o calado aumentando, o patrão ia retirando-o da margem em direção a águas mais profundas. Acontecia então que a parte de baixo da carga na carreta ficava encharcada e não era embarcada, era jogada fora pois estragaria devido ao fato exposto. Quando os marujos viram tal operação, ficaram pasmos. Perguntaram ao Seu Chiquinho a razão daquele desperdício. A resposta foi que a parte da carga que molhava era o refugo. Foi sugerido então que se colocasse um estrado na carreta, um fundo móvel que fosse sendo erguido na medida da necessidade, evitando assim aquela perda. Pos-se a pensar o dono das cebolas e das galinhas e sua resposta novamente surpreendeu os marujos:

“Mas tudo na vida tem refugo, além do mais, sempre foi assim e deu certo, porque inventar moda?”

Hoje a estância pertence ao Sr. Paulo Sant’Ana, que me ajudou a lembrar estes fatos envolvendo Seu Chiquinho e os marujos. Quem lá chega é bem recebido e certamente não se repetirá o episódio “das galinhas” em caso de necessitar algum auxílio.

Alguns comentários sobre o texto:

- O Restaurante Baiana era “A Gruta Baiana”

- O barco classe Jangadeiros cedido por Leopoldo Geyer ao Deparatamento Feminino do Clube dos Jangadeiros era o “REBOJO”, o qual vemos na foto a seguir, disputando a regata comemorativa ao 4º aniversário do CDJ. O sucesso do depto. Feminino foi tal que em seguida Leopoldo cedeu o “CICLONE” ao grupo das marujas. Na foto a seguir “Rebojo” está sob o comando de Helga Altmayer, tendo por tripulantes Ilka Altmayer e Nora Bier.

- Manteve-se a ortografia da época. Observe que a palavra Veleiro significava velejador.


 

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