Chineses no mar
Velejadas pouco difundidas
Comte Roberto Gruner

Recentemente li um excelente livro, Além do Fim do Mundo, no qual o autor (Laurence Bergreen) descreve a circunavegação de Fernão de Magalhães. Em um texto onde o leitor embarca junto com Magalhães e sua tripulação, podemos verificar como a história é relatada diferentemente do que aprendemos, ou nos induzem a aprender, nos bancos escolares.

Fernão de Magalhães

Fernão de Magalhães, português de nascimento, conseguiu seu feito através da bandeira de Espanha. Toda a dedicação ao seu país, lutando e defendendo a coroa portuguesa em várias ocasiões, não serviu para que o rei Manuel, em 1517, atendesse seu apelo para autorizar uma viagem às Índias para descobrir uma rota por água às lendárias, mas pouco conhecidas, ilhas das Especiarias. Foi apresentar seus serviços à coroa espanhola, tendo sido recebido e atendido pelo rei Carlos I. Em 10 de agosto de 1519 partiram cinco navios (Trinidad – nau capitanea, San Antonio, Concepción, Victoria e Santiago), com um total de 237 tripulantes de diversas nacionalidades.

Em 6 de setembro de 1522, retorna ao porto de Sanlúcar de Barrameda, na Espanha, o Victoria com apenas 18 marinheiros e três cativos, todos gravemente malnutridos, homens esqueléticos, sem forças para andar, ou mesmo falar. Navegando de leste para oeste, prosseguindo na mesma direção, tinham concretizado uma ambição tão antiga quanto a imaginação humana: a primeira circunavegação do globo terrestre.


Cheng Ho (Zheng He)

O comandante da Armada das Molucas, Fernão de Magalhães, havia sido morto em batalha no dia 27 de abril de 1521, em um combate com nativos da ilha Mactan (arquipélago das Filipinas).
O que chama a atenção é a informação que séculos antes dos relatos da história das Filipinas (1521), essas ilhas eram conhecidas pelos mercadores chineses e árabes que, com sua tecnologia superior de navegação, traficavam nelas e desenvolveram redes comerciais sofisticadas com as sociedades nativas. O comércio em voga nesse arquipélago retirou os insulanos de seu isolamento e disseminou a influência cultural asiática, especialmente a escrita, além de seus produtos. Na época em que Magalhães chegou, os filipinos que moravam perto do oceano e dos canais interiores há muito já eram alfabetizados.

A Frota do Tesouro fez com que o auge da exploração chinesa nas Filipinas acontecesse durante os anos 1405 a 1433 e, apesar de sua importância e caráter único, é pouco conhecida no Ocidente, mesmo em nossos dias. Era composta de 1500 navios de madeira, embarcações a vela mais potentes já construídas. Eram oito a nove vezes mais longos que os navios de Colombo, e cinco a seis vezes mais compridos do que qualquer nau armada de Magalhães (veja comparação abaixo). Foi criação, em vários aspectos, de um homem cujas realizações rivalizaram e, de certa maneira, superaram os feitos mais celebrados de Colombo e Magalhães: Cheng Ho.

Diferentemente da Armada das Molucas, a Frota do Tesouro não conquistou ou reclamou terras distantes. Os chineses não tinham interesse em fundar um império colonial ou militar. O objetivo era estabelecer relações comercias e diplomáticas com os “bárbaros” além de suas fronteiras e conduzir pesquisas científicas.
Por volta de 1500, uma determinação imperial tornou uma ofensa um navio com mais de dois mastros se fazer ao mar; em 1525, começaram a destruir os navios da Frota do Tesouro. A China renunciou ao imenso império comercial transoceânico criado pela Frota do Tesouro e, orientada pelos preceitos confucianos, voltou-se para dentro e nunca mais tornou a explorar o oceano.

Sempre nos é incutida a imagem de que os chineses descobriram a pólvora, o papel, a cultura do bicho da seda, e tantas outras utilidades até hoje empregadas pela humanidade. Contudo, esta capacidade de navegar, descobrir e superar os pioneiros portugueses e espanhóis fica sem registro e reconhecida divulgação. Qual seria o motivo?

O Capitão Am Roberto Gruner Pretexto veleja pelo Clube dos Jangadeiros, Porto Alegre.
Texto baseado no livro Além do Fim do Mundo, de Laurence Bergreen – Editora Objetiva Ltda.
Ilustração: chinapage

 

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