A viagem do Kasato Maru
O diário da imigração japonesa
Danilo Chagas Ribeiro

10 Dez 2007
A primeira viagem dos imigrantes japoneses embarcados com a ilusão da riqueza fácil e do rápido retorno ao Japão levou 52 dias e não foi fácil.

Embarcaram no Kasato Maru 781 pessoas, na maioria agricultores, suas esposas e filhos com o sonho de uma nova vida nas fazendas de café de São Paulo. O vapor trouxe imigrantes "baixos e feios", segundo a crítica despropositada do diplomata tupiniquim no Japão na época, que emendou: "a não ser os fortes e resistentes de Okinawa". Gente trabalhadora e desbravadora, os japoneses enfrentaram as selvas do Mato Grosso como os alemães e italianos o fizeram antes no Rio Grande do Sul.

Quando o Brasil rompeu com o Japão por ocasião da II Guerra, os japoneses foram proibidos de circular a menos de 50km de qualquer praia brasileira. Assim, os que moravam no litoral foram obrigados a vender o que tinham, da noite para o dia, com prejuízos enormes. A notória participação do Japão na guerra, como no episódio de Pearl Harbor (clique para assistir trecho do filme Tora! Tora! Tora! e outro em preto e branco), fez com que a condição de "inimigo" dos imigrantes tenha permanecido ainda por algum tempo após o término da guerra. Os alemães sofreram perseguições no Rio Grande do Sul também.

Última passageira viva do Kasato Maru, Tomi Nakagawa, morreu no ano passado, 4 dias antes de completar 100 anos. Vários outros tiveram longa vida. O navio era comandado pelo Capitão Stevens, que trabalhava para uma companhia inglesa que havia locado o navio. Ryo Mizuno aglomerou o povo para emigrar. O Kasato Maru era um navio de guerra russo, utilizado na guerra contra o Japão. Vencedores, os japoneses transformaram o navio para o transporte de passageiros. Na volta do Brasil foi reformado para navio de carga, e na II Guerra voltou à luta. Em 9 de agosto de 1945 afundou depois de bombardeado por 3 aviões no Mar de Bering.

Em 18 de junho de 2008 será comemorado o centenário da imigração japonesa ao Brasil, onde hoje está a maior população nipônica fora do Japão. Veja trechos do diário da viagem do Kasato Maru.

“Depois de uma noite tranqüila de viagem, o Kasato Maru percorreu as primeiras 195 milhas e a viagem transcorre normalmente”, relata o diário de bordo escrito por Ryo Mizuno, considerado o pai da imigração”. “Os passageiros usam trajes ocidentais confeccionados na Europa. Os homens deixam de lado o quimono e vem de terno e gravata, chapéu e bota. Alguns trazem no peito condecorações da guerra com a Rússia.”

“No dia 30 de abril, choveu à tarde. O navio percorreu 247 milhas e os imigrantes viram a pequena ilha de Suwa. Agora todos são ’soldados da fortuna’ querem enriquecer e voltar dentro de cinco anos.” Na bagagem, além da esperança, trazem manuais práticos de português que se tornariam inúteis na nova terra. Frasco de conserva, molhos para temperos, cobertores, pauzinhos para comer, travesseiros de bambu, papel e tinta nanquim (532 passageiros eram alfabetizados) compõe seus pertences.

“Na quarta-feira, 6 de maio, o primeiro incidente: o foguista Kataoka demonstra irritação e deixa todos inquietos. Ele tentou invadir os aposentos das mulheres e foi contido pelos vigias noturnos. Nada aconteceu”, escreveu Ryu Mizuno.

“A 9 de maio, após uma madrugada de forte tempestade, o navio aportou em Cingapura. Shuhei Uetsuka é o único que desembarca, para despachar a correspondência” .

O diário de Ryu Mizuno (foto ao lado) diz que "a viagem transcorre sem anormalidades até o dia 13 de maio, quando os imigrantes passaram a sofrer mal-estar generalizado, em conseqüência dos fortes ventos que fazem o navio jogar” .

O farol Lang foi avistado no dia 31 de maio e, em poucas horas, surgia a África. Às 22 horas do dia 2 de junho, o navio chegava à Cidade do Cabo. Ryu Mizuno foi o único a desembarcar por um curto período de tempo.

Três dias antes da chegada ao Brasil, o foguista Kataoka voltou a demonstrar perturbações. À meia-noite de 15 de junho, armado de uma faca, tentou matar Ryu Mizuno, mas foi contido por seu chefe, Seizo Yokoyama, que acabou sendo ferido gravemente na barriga. Durante alguns dias ele resistiu. Chegou a ser internado em Santos, mas morreu em seguida. Histórias registradas no diário (foto ao lado).

Às 17 horas do dia 18 de junho, o Kasato Maru atracava no porto de Santos no cais número 14. Os imigrantes agitavam bandeirolas de seda, do Brasil e do Japão. Somente desembarcaram no dia seguinte e permaneceram na cidade por duas horas, sendo em seguida encaminhados para a Casa da Imigração em São Paulo. Após alguns dias, todos foram enviados às fazendas do interior paulista. Os japoneses começavam a construir sua nova pátria.

O Carnaval 2008 vai ter japonês com pé no samba. A Escola de Samba Porto da Pedra, de São Gonçalo, levará para a Marquês do Sapucaí o enredo do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. Tudo começa com um grande navio que adentrará à Sapucaí em um mar dourado. Um segredo: o navio é todo de bambu. É um enorme carro alegórico, representando o navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes para o Brasil, diz o carnavalesco Mario Borriello.
Fonte: Compilado de Redação Made in Japan e várias outras

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