19 Fev 2005
Todo o barco deve ter uma moeda
sob o mastro, diz a tradição. Assim fazem com os navios
da marinha americana e com os transatlânticos. Assim fizeram também com
o navio veleiro Cisne Branco, da Marinha do Brasil, e com vários outros barcos
que conheço.
Nos dados de grandes navios encontra-se a data da
cerimônia da colocação da moeda sob o mastro.
Por que a moeda?
Tradição
romana
Os romanos teriam criado esta tradição, segundo o Museu
de Londres.
Arqueólogos britânicos encontraram um barco romano afundado
no Rio Tâmisa, próximo à Ponte Blackfriars. O barco teria afundado no
século III AD, e ainda estava carregado com pedras.
Na moeda romana (118AD), a representação da deusa Fortuna segurando um timão |
Deusa Fortuna
Quem construiu o tal barco romano (desenho acima)
colocou uma moeda sob o mastro. A moeda mostra Fortuna, a deusa
da sorte (boa ou má) e da esperança segurando o timão de um barco e com a cornucópia (corno da abundância).
O timão representava o rumo da vida, e a cornucópia, os recursos. Os romanos esperavam que mantendo a deusa Fortuna feliz, ela traria
boa sorte.
A
origem da tradição
O Sexto Livro do poeta romano Virgílio diz que os
velhos marinheiros colocavam uma moeda sob a base de cada mastro em
pagamento à tarifa (pedágio) que o deus Caron, da mitologia
grega*, cobrava para cruzar o Styx, o rio do ódio, que separa
o mundo dos vivos do mundo dos mortos.
Estaria assegurada assim a passagem segura caso um desastre ocorresse
com o navio. A moeda valia para todos os tripulantes.
Perambulando
100 anos nas barrancas do Styx
Esta superstição
era também praticada em caráter individual: uma moeda
de cobre era colocada na boca dos marinheiros romanos mortos.
Caron era representado por
um demônio alado, e conhecido como o barqueiro da morte. Para
cruzar o Rio Styx, as almas dos mortos eram a ele conduzidas. Sem o
pagamento, eram condenadas a perambular por 100 anos pelas barrancas
do Styx.
Deusa Fortuna, com a cornucópia,
o símbolo da plenitude
|
Electrolysis
daemon est
A eletrólise não é alada, mas quando embarcada,
é um demônio também. E não é lenda. Caso V. tenha
intenção de conservar a tradição romana,
lembre-se de que uma moeda de cobre ou de cobre-níquel em contato
com o alumínio do mastro pode causar corrosão.
Segundo mensagem
postada em um grupo de velejadores americanos, uma moeda de cobre caída
no porão de um barco de alumínio pode abrir um buraco
em algumas semanas (???).
Se V. pretende
mesmo garantir o pagamento a Caron em caso de infortúnio, bom seria talvez laminar a moeda
em resina antes de colocá-la sob o mastro. Considerando que os
mastros são ocos, é fácil fixar a moeda.
Moeda
ou Santinho?
Seja pela
religião dos romanos ou pela tradição ao longo
dos anos, ou mesmo pela superstição, ou até quem sabe
por capricho, o fato é que os mastros continuam recebendo moedas.
Há poucos dias eu soube de mais um velejador inaugurando o barco,
já com a moeda fixada, mesmo sem saber de Caron & Cia.
Não sei
se tem moeda embaixo do mastro do meu barco. Mas eu andei pensando bastante
e resolvi que, em vez da moeda, vou colar este santinho da deusa Fortuna
na cabine. Vai dar melhor resultado. Afinal, se Caron
ainda anda aprontando, por que não Fortuna também?
Danilo Chagas Ribeiro
Veja a que ponto chega a doideira:
Pergunta feita em um grupo de velejadores
americanos na Internet
(set 2004):
- Tirei o mastro do meu barco e
a moeda caiu (era um dólar de prata de 1880). Devo colocar a
mesma moeda de volta ou substituir por uma mais moderna?
Respostas:
- Você deve acrescentar uma
nova, de ouro ou de prata, mas não precisa ser rara. Assim V.
estará colaborando com a sorte de seu barco.
- Ponha de volta. Há um
corolário que diz que todos os barcos mal nomeados afundam. ...
Há uma bem estabelecida estatística de que marinheiros
supersticiosos naufragam a uma taxa muito menor do que os não-supersticiosos...
- Tenho ouvido falar de barcos
com 3 ou 4 moedas embaixo do mastro, adicionadas à medida em
que os anos passam e o barco vai trocando de dono.
- É melhor substituir por
um cartão VISA. Um dólar de prata não te leva nem
de Seattle a Bremerton atualmente. :-)
_________
(*) Muitos deuses romanos tinham origem na mitologia
grega. Vênus, a deusa romana do amor, por exemplo, era a mesma
deusa Afrodite grega.
O deus Caron também é denominado Charon,
Charonte, Caronte e Queronte.
Fontes consultadas:
Museu de Londres
Marinha Canadense
Encyclopedia Mythica
Superstition, Urban Legends and Our Money
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