Ellen MacArthur é o navegador solitário mais rápido do mundo
Murillo Novaes

07Fev05
Pela primeira vez em sua divulgada carreira, a inglesinha de 1,52 m que nasceu no campo, mas sempre amou velejar, realmente fez história. E como!! Hoje, precisamente às 22:29:17 GMT a velejadora Ellen MacArthur colocou seu nome no panteão dos grandes navegadores de todos os tempos. Sozinha, em um catamarã de 75 pés especialmente desenhado para isso, o maior fenômeno de mídia da vela mundial, percorreu o planeta Terra para bater o recorde de circunavegação em solitário. O fez em 71 dias, 14 horas, 18 minutos e 33 segundos, exatamente 1 dia, 8 horas 35 minutos e 49 segundos à frente do tempo de Francis Joyon.

Essa história começou lá longe, no final do século XIX, com um certo norte-americano de nome Joshua Slocum que, sozinho, resolveu sair no seu Spray em redor do mundo. Joshua escreveu um livro sobre isso e pavimentou a via onde todos iriam trafegar pelos séculos. Depois, vieram muitos outros, até que um inglês, de nome Chichester tentou fazer o mesmo com o menor número de paradas possíveis. Fez uma só, na Austrália, e virou Sir. Lenda. História.

Já estávamos nos incríveis anos 60. Motivado pelos feitos heróicos dos homens que corriam as mais perigosas regatas de oceano do mundo até então, as travessias transatlânticas em solitário, um periódico inglês instituiu um prêmio, o Golden Globe, para aquele que ousasse ser o primeiro ser humano a circunavegar o planeta sozinho, sem escalas. Não era bem uma regata, mas um desafio. A história desta epopéia está bem narrada no livro "Uma Viagem Para Loucos", que eu recomendo fortemente.

Resumindo, da Golden Globe emergiram dois ícones. O vencedor, Robin Knox-Johnston e o que poderia ter vencido, mas desistiu por pura poesia, pelo prazer de não conspurcar sua simbiose com o mar, por não querer ser "apenas" o vencedor. O francês Bernard Moitessier, no seu Joshua (que nome lindo!) mostrou, em um tempo pré-big-brother onde vencer nem sempre era a meta inequívoca e intensa, que os homens do mar são mesmo diferentes. Inspirou uma legião de franceses que lotam, até hoje, os píeres e marinas de todo o globo. Era 1968.

Sob sua inspiração ainda, no final dos anos 90, uns franceses malucos reeditaram o desafio desta vez com o nome de Vendée Globe e em forma de regata. A Vendée abre todo um capítulo à parte na história. Seus heróis solitários são a fina-flor da navegação de raça. Da pureza oceânica que alguns querem (até precisam) ter. Do sonho solitário de homens e mulheres de todo o mundo.

Por anos, os vencedores da regata (corrida nos monocascos Open 60) foram também os recordistas mundiais da circunavegação solo. Não havia ainda um ser humano com coragem suficiente para usar um multicasco em solitário e tentar quebrar o recorde. Ou que saísse assim, sozinho pelo mundo, sem flotilha e sem assistência. Aí surgiu um francês, Francis Joyon, que pegou o antigo barco do amigo Olivier Kersausson, ele também uma lenda viva dos oceanos, e adaptou-o para a jornada. Batizado de IDEC o trimarã de 90 pés do intrépido gaulês cruzou os mares como uma flecha e tomou do então último vencedor da Vendée Globe, Michel Desjoyeaux e seu PRB, o recorde mundial. O feito fez as manchetes por todo o planeta (até no Jornal Nacional!) e Joyon coroou sua carreira recheada de glórias.

Aí veio Ellen. Bombada por uma coragem de mamar em onça, uma disciplina de chinês em campo de concentração e por um segundo lugar na Vendée 2000/01 que valeu quase como um primeiro, a moça soube se comportar. Inflada pelo ufanismo do império britânico que estava cansado de ver seu rivais franceses dominarem os mares do planeta, ela fez tudo certo. Treinou, correu regatas, chegou mal, correu de novo, chegou mal de novo. Desenvolveu barcos, estudou, malhou. Tudo sempre com um objetivo, estar hoje aqui nas nossas mentes com aquela ponta de fascínio e admiração. Não é que a menina conseguiu! Ellen hoje não é mais um fenômeno de marketing, é um fenômeno de vida. Uma mulher que colocou sua existência a serviço do mar. O mar agradeceu e ela retribuiu com velocidade, coragem e muita, muita raça. Ave Ellen!

Murillo Novaes

Murillo Novaes é redator publicitário e velejador com mais de 25 anos de experiência na classe oceano e em monotipos. É autor do livro "Tridente Atlântico de Netuno - Uma viagem à vela à Fantástica Ilha da Trindade", e colunista da Revista Náutica. Este artigo foi publicado no popa.com.br com autorização do autor.



 


 

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