Navegando mil milhas: quase até Funchal
As delícias e mazelas das primeiras mil milhas navegadas
Nelson Ferreira Fontoura

01 Out 2007
Foram mil milhas navegadas, quase o equivalente ao percurso de La Rochelle, na França, até Funchal, na Ilha da Madeira. Só que o barco não é um Pogo 2 da Mini Transat. O percurso também não foi feito em quatro ou cinco dias, mas em três anos e meio, desde que o Tiza, um Mordente 27, foi para água.

Era fevereiro de 2004 quando o Tiza finalmente saiu do Estaleiro Mordente, onde foi construído com muito capricho pelo Paulo Mordente de Oliveira, vulgo Pixote, em longos cinco anos. Foi um momento de grande excitação. O barco, puxado por entre árvores e passagens estreitas, acabou chegando às margens da Praia da Florida e ao seu destino: as águas turvas do nosso amado Guaíba.

Gradativamente as milhas foram se acumulando sob a quilha. Devagar, pois só com motor de popa e sem mastreação, a autonomia não era grande coisa. Mesmo assim, foram muitas as experiências. Redes atropeladas, encalhadas, panes mecânicas, temporais, noites mal dormidas, calor, frio, chuva... Também houve momentos de ansiedade: será que a âncora vai garrar? Cheguei a usar três âncoras, duas Bruce e uma Danforth. E isso que o fundo era de lama: haja ansiedade!

O mastro e as primeiras velas só vieram no terceiro ano, em abril de 2007, depois de ter quase vendido o barco, em momento de aperto financeiro. Já com as velas e a "baita" experiência do comandante, também vieram algumas barbeiragens inesquecíveis.

Lendo revistas náuticas, vi relatos de pessoas que já navegaram 20 mil milhas; algumas até 50 mil. Fico imaginando pelo que já passaram... Quem sabe, um dia chego lá. Com essa média de 300 milhas navegadas por ano, quase uma por dia, só faltam mais uns 60 anos.

Mesmo assim, navegando em águas interiores e "protegidas", também já tenho as minhas memórias. Aquela sensação de plenitude e realização, navegando-se à noite na Laguna dos Patos, ora contemplando o céu e o horizonte, ora os instrumentos. A serenidade de uma noite tranqüila no canal do Furado e a adrenalina do primeiro temporal. Os momentos de paz, sozinho no cockpit, ou as horas alegres com familiares e amigos.

Também foram muitos os amigos. Conheci muita gente nova. Uma comunidade heterogênea de bolsos, egos e experiências. Mas todos com o ideal da navegação como eixo de vida. São pessoas interessantes com as quais eu faço questão de continuar convivendo na minha contabilidade do tempo. O tempo do trabalho, o tempo da família, o tempo dos amigos, e o meu tempo: eu e o Tiza.

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