O Nômade e o navegador

Domenico de Masi aborda em “Ócio Criativo” alguns aspectos da vida nômade. Extrapolar estes conceitos ao espírito do navegador é um exercício interessante.

"O antigo nômade ainda vive dentro de nós, não morre nunca, e, quando a gente menos espera, a sua inquietude neurótica desperta do sono para nos obrigar a sair por aí. A viagem representa sempre ansiedade e curiosidade. Mas o nômade, de acordo com todos os testemunhos, conserva um segredo de felicidade que o cidadão perdeu, e a este segredo sacrifica a comodidade e a segurança. O cigano sente-se em casa em qualquer lugar. O cidadão errante (viajante, turista), onde quer que vá, sente-se um estrangeiro. Múltiplos são os êxitos, os álibis e as sensações da viagem, mas um só é o profundo e verdadeiro motivo interior que a determina: perseguir o segredo daquela remota felicidade. O nomadismo baniu a sedentariedade".

O navegador tradicional, absolutamente, não é um nômade. Mas o gosto pela navegação é também compulsivo. O perfil do navegador (inquieto, desbravador, ansioso e curioso) parece muito semelhante ao do nômade. O prazer do navegador é muitas vezes incompreendido pelo cidadão típico que não percebe a busca da felicidade às custas de sacrifícios de comodidade e de segurança, enfrentando intempéries e situações de desconforto, e correndo riscos. Igualmente o navegador autêntico sente-se bem em lugares onde nunca esteve, diferentemente de alguns passageiros que, por vezes, levam junto. Como um caramujo, o barco é muitas vezes a casa do navegador, onde ele cozinha e dorme durante a jornada. O prazer de estar em lugares desconhecidos é realmente poderoso e nos faz sair até com chuva. Tempestades por que passamos não nos retraem. Pelo contrário, nos fazem sentir mais fortes e corajosos e a ter cada vez mais vontade de navegar. Com qualquer tempo. E, de preferência, a lugares ainda desconhecidos.

Texto: Danilo C Ribeiro - Fev/2001
Foto: Lidson "Malibu" Cancela