O matuto e a previsão do tempo
O barômetro nos tempos do super-computador
Nelson Ferreira Fontoura


Faz uns 25 anos, um colega de faculdade estava coletando lagartos na faixa de restinga entre o mar e a lagoa Mangueira, uma das áreas mais remotas do Rio Grande do Sul. No meio do nada, encontrou uma maloca e um matuto solitário. Como precisava de informações, parou e puxou conversa.

- Boa tarde, bla, bla, bla...

- Tarde...

Na falta de assunto, migrou para o tema clássico.

- Tá ficando feio, o senhor acha que vai chover?

O matuto olhou para o céu e fez pose de entendido.

Coçou a cabeça, balançando-a lentamente.

- Huum... Sabe doutô, esse negócio de previsã de chuva, huum, não é coisa de homi sério...

­­­ É claro que a conversa acabou tomando outros rumos.

Discordando do matuto, em parte, considero a previsão do tempo uma coisa de homem muito sério, principalmente com toda a tecnologia e recurso que este assunto envolve atualmente.


Há onze anos com seu Centro de Supercomputação operacional, o CPTEC - Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, encontra-se hoje equiparado aos maiores Centros de Meteorologia Internacionais, possuindo o sétimo maior sistema de supercomputação entre centros meteorológicos de todo mundo.
O sistema atual, o NEC SX-6, conta com 768 Gigaflops de performance de pico.

Entretanto, a despeito do nível de precisão de 95% nas previsões de três dias do CPTEC (veja matéria no Popa), me parece que saio com muita freqüência justamente naqueles 5% de erro.

Já passei feriado coaxando em hotel de São Lourenço, quando a previsão do tempo era fantástica. Também já peguei aquele famoso "rolo" vindo de sudoeste, bem no meio do caminho, quando o mesmo estava previsto para algumas horas mais tarde.

Acho que não preciso me alongar: todos têm as suas próprias histórias. Mas me intriga esta questão do erro da previsão meteorológica, já que esta se baseia em modelos matemáticos complexos, alimentados por uma ampla variedade de dados obtidos por satélites e uma ampla rede de estações de medição. Também há muito dinheiro envolvido e muita gente inteligente trabalhando nisto.

Mas por que me fica a impressão de incerteza?

Eu tenho uma hipótese, e, por favor, os mais entendidos me contestem se estiver falando besteira.

Eu também trabalho com modelagem matemática; só que aplicada à ecologia de peixes. São modelos bem mais simples que os modelos meteorológicos; mesmo assim, a previsibilidade dos fenômenos não chega a ser uma Brastemp. Um modelo matemático, para funcionar, necessita que a relação entre os diversos parâmetros esteja equacionada de forma precisa. Também necessita que cada parâmetro esteja adequadamente calibrado. É aí que mora o perigo. Os modelos meteorológicos foram desenvolvidos e calibrados através da análise de séries históricas de muitos anos de observação. Mas o clima está mudando... Não adianta um super-comoputador, com milhões de dados para analisar, se as equações que relacionam os parâmetros estão calibradas para os padrões climáticos de dez ou vinte anos atrás. É como na teoria do caos: uma pequena alteração nas condições iniciais pode redundar em resultados bem diferentes. Nós todos já sentimos isto na pele; e algumas vezes até no estômago.

Assim, como prudência na água é sempre muito bom, jamais vou deixar de consultar as previsões numéricas do CPTEC, mas também vou comprar um bom e velho barômetro, e aprender a interpretá-lo.

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