Veleiros - Uma abordagem Sociológica
Luis C. Kmentt Jr.

Faço a seguinte reflexão: Quando o ser humano quer representar de qualquer forma visual uma imagem de prazer e de qualidade de vida, coloca a imagem de um veleiro. Nem que seja ao fundo, como mera decoração. Ou seja, parece consolidado no subconsciente coletivo que a imagem de veleiros ajuda a representar algo de bom, feliz, que as pessoas querem emular pela sua qualidade de vida.

Veleiros representam estilo, paz, felicidade, classe, bom gosto, tranqüilidade, aventura, exotismo e muito mais. Assim, propaganda de hotéis luxuosos incluem um veleiro no cenário, de preferência com alguém de biquini bronzeando-se no convés.

Muitos quartos de criança são decorados com barcos a vela, mas é raro que esta criança seja incentivada para o iatismo pelos pais. Veleiros nas paredes, num copo, veleirinhos no pijama, na roupa, uma imagem simpática bastante repetida como sinal decorativo. No entanto, em geral essa empatia jamais passa da intenção para a prática.

O curioso é que o Brasil é dono de um dos litorais mais extensos do planeta. A pouca intimidade do brasileiro com o iatismo - uma atividade cara - deve-se obviamente ao seu baixo poder aquisitivo. Mas como o Brasil é um país de fortes desigualdades de renda, existem os extremamente pobres e os extremamente ricos. E estes não são poucos. Mesmo assim o descompasso de conhecimento e afinidade com a vela não parece guardar relação com o número de pessoas que financeiramente teriam condições de se envolver com esta atividade.
Há muito suspeito que a vela é uma dessas coisas que tem um fundo cultural, sem relação proporcional ao seu valor financeiro. No Brasil, lancha a motor é o produto preferido dos que tem mais. A princípio, parece lógico aceitar que o barco a motor, com luxo e velocidade, que requer pouco esforço e trabalho, seja preferido por quem tem dinheiro e só quer relaxar.
Embora tenha um peso financeiro, a vela segue padrões irregulares entre seus participantes. Entretanto, no resto do mundo, é fácil estabelecer uma relação diretamente proporcional entre a vela e o nível cultural das pessoas.

Assim como sabemos que o nível cultural de um país pode ser medido pelos livros per capita lidos por ano, talvez possamos estabelecer uma relação semelhante entre os amantes do iatismo e o nível cultural de um determinado grupo social. Como ocorre com os livros, presentes nas prateleiras, mas pouco lidos, os veleiros estão presentes nas imagens idílicas do dia-a-dia do cidadão, porém...

Países até menos fortes economicamente que o Brasil, mesmo na América do Sul, mas com melhor histórico cultural, como o Uruguai ou Argentina, têm concentração de veleiros maior. Como se explica que existam mais veleiros na Argentina, um país quase sem praias e com um sexto da população do Brasil?

Da próxima vez que assistir a uma corrida de F-1, pela TV, em Mônaco, observe a concentração de veleiros na água. Mesmo na Inglaterra ou na Escandinávia, regiões frias e com litorais ásperos, o número de veleiros é significativo. No Mediterrâneo, não existe cidade costeira que não esteja abarrotada de veleiros. Nos EEUU, é raro um núcleo familiar que não possua um.

Pergunto-me, às vezes, quando será que os brasileiros vão acordar para a vela. Não será só quando melhorar a renda, pois pelo que sei hoje, o aumento de renda só faz aumentar o número de lanchas.

Mas, aos poucos, haverá um despertar na atividade. Tudo chega ao seu tempo. Por enquanto, o carro zero, a moto, a casa da praia, são as prioridades da classe média. Mas como bom darwiniano, acredito na evolução.
Afinal, quem não lembra do Brasil de 30 anos atrás, quando cão de raça era o pequinês. Vejam como melhorou a imaginação das pessoas, que hoje até já pronunciam nomes como Schnauzers e Rottweilers.

Não pense que o sarcasmo esnobe desta abordagem me inclua em alguma categoria particular. Sou brasileiro e não tenho veleiro. Ainda. Mas isto não me impede de escrever estas linhas provocativas, cortantes como o casco de um veleiro indo em direção a um horizonte melhor.

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Residente em Natal, Luis C. Kmentt Jr., 42 anos, economista, aprendeu a velejar quando,
na juventude, morou em Buenos Aires. O popa.com.br agradece ao autor pelo direito à publicação.