Chandelle no Inverno
Preparando o barco para o inverno em climas muito frios
Paulo A Hennig*

08 Ago 2005
Um dia conversava com Danilo sobre as minhas experiências com um barco que tive, quando vivia nos States. O barco era um Trawler 38 pés – Grand Banks – de nome Chandelle.

Chandelle morava em uma Marina em Old Saybrook, ao norte de New York, paralelo 41º Norte. Inverno muito rigoroso e não raro temperaturas bem abaixo de zero. A marina congelava e para dar uma idéia seria como a bacia dos barcos no Veleiros congelada a ponto de poder caminhar em toda sua extensão.

Essas condições exigiam um trato especial para o barco “sobreviver” a tais condições por 6 meses até a próxima primavera. Esse tratamento, em inglês é denominado de “winterizing” e não encontro tradução adequada. Assim continuamos winterizando a Chandelle, que consiste em 3 atividades distintas e com profissionais também diferentes.

Porém, antes dos profissionais vem a faina do dono e sua família, retirando tudo que é possível, desde roupa de cama e banho, bebidas e comidas. Qualquer coisa que ficar vai congelar. No primeiro ano esqueci umas garrafas de vinho, explodiram e derreteram com a chegada da primavera, quite a mess. Convém retirar também os eletrônicos.

A primeira consiste em proteger o motor e o circuito de água – doce e salgada – do barco. Entra o mecânico Zé de lá e – ainda com barco na água – (a) revisa o motor, troca de óleo e filtros e “troca” a água salgada que está no motor por anti-congelante. Para tanto existe um dispositivo logo acima da entrada de água para o motor que permite adicionar anti-congelante, com a válvula de casco fechada e o motor em lenta. O tal anti-congelante tem uma cor forte, azul ou verde e assim vamos colocando até sair pelo cano de descarga. Obviamente o produto é não tóxico – não é o mesmo que usamos nos carros, que é tóxico – afim de não agredir o meio ambiente. Passo seguinte, fechar com plástico o cano de descarga e a entrada de ar do motor. A idéia aqui é evitar que ar muito frio e seco circule pelo motor, podendo ressecar juntas. Pronto o motor, vem (b) o sistema de água doce do barco. O procedimento consiste em esvaziar o tanque, colocar anti-congelante – colorido e o mesmo do motor – e abrir torneira por torneira até que a cor da água mostre claramente que o produto preencheu todo o sistema de bombas e mangueiras.

Chega agora a vez do pessoal da Marina, tira o barco da água, limpa o casco de cracas e limo e calça em seco. Dá para imaginar que a Marina necessita de espaço em terra para todos os barcos sob sua guarda. Normalmente a Marina tem poucas pessoas trabalhando regularmente, no caso da Old Saybrook, normalmente somente o dono e sua família. Assim para a faina de início de inverno e de verão, usam temporários, normalmente estudantes.

Pronta esta parte, entra o cara da barraca. Neve faz mal ao barco, ”queimando” a tinta do convés e casario, sem falar do Fly que ficaria com uma carga de neve e gelo apreciável. Barraca normal de madeira e lona, só que o preço inclui a conservação durante todo o inverno e retirada na primavera.

Pronto, Chandelle preparada para seis meses de inverno e quando chegar a primavera inverte-se o ciclo. Mas isso fica para outra reportagem, se esta for de agrado.

-o-

Conseqüências de deixar barcos ao tempo em inverno rigoroso

Água congelada, convés tapado de neve e adernado




Observe a quantidade de gelo retida nos guarda-mancebos
Fotos: autor desconhecido. Figuras acima: Bo1sun Accessories

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(*) O Comte. Paulo A. Hennig veleja desde adolescente. Seu pai, Edwin Hennig, foi Comodoro e Presidente do Conselho do Clube dos Jangadeiros nos anos 60. O primeiro barco de cruzeiro do Comte Paulo foi um Arpege 30’, nos anos 70. Mais tarde, morando em SP, tinha um Velamar 38’. Por alguns anos morou nos EUA, onde foi executivo de uma grande multinacional. Lá navegava no seu trawler de 38'. De volta ao Brasil, em 1.995 construiu o catamarã Charlie Bravo V, de 43'. Paulo tem muita história para contar. No seu curriculum de marinheiro constam várias travessias no mar, como a Regata do Descobrimento, desde Lisboa. Para mim, no entanto, uma das passagens mais importantes do curriculum deste comandante é ter levado o ex-comodoro László Böhm para passear. Já doente, László não podia mais navegar e tinha dificuldade para caminhar. Paulo foi um dos raros amigos a levá-lo pra água nessas condições.
Danilo.


O autor, à esquerda, com László

 

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