Cuidados com o estaiamento

Danilo Chagas Ribeiro

 

Clique para ampliarO grupo popacombr discutiu sobre os cuidados com o estaiamento de veleiros a partir da quebra do mastro do veleiro Piazito, no Circuito Conesul (Set 2004, Rio Guaíba). Veja a foto ao lado em tamanho maior: Mastros não morrem em pé.

 

A quebra de mastro não é uma ocorrência comum. É uma pane severa que pode ter conseqüências sérias. Em 2003, uma falha na fixação de um dos estais de força do Arteira II, de Porto Alegre, fez o mastro do O'Day23 dos Schultz vir abaixo. Por pouco não houve danos pessoais, disse o meu xará, o "Imediato" da Sul Náutica.
Robert Scheidt, o campeão olímpico, afirmou no programa do Jô, em 29 Set 2004, que também já quebrou mastro.

 

Seguem comentários postados no grupo e as dicas do Comandante Manotaço, fabricante de mastros:

 

Luiz Comparsi, Porto Alegre (Folgado)
... Segundo a tripulação do barco sinistrado, o pino que mantém o estai preso à cruzeta se soltou sem que se percebesse. Ao virar de bordo, o estai de barla não mais estava preso à cruzeta e...
Tive ocasião de ver o mastro em terra, logo após o
acidente e os suportes do tope do mastro estavam intactos.

 

João Carlos Jungmann, Recife
Depois que eu quebrei o mastro por causa de um pino que folgou... Troquei todos os pinos com cupilha, anilha, etc, por parafusos inox 316 com porca e contra-porca, mais um adesivo entre as porcas. Fica trabalhoso de regular o mastro para uma regata por exemplo, mas, por questão de desgaste de pino ou cupilha, meu mastro não quebra mais! Fica feinho também, mas nada que uma fita por cima não disfarce. Só quem quebrou um mastro pode entender o motivo da Neura!

 

Ademir Correa, Porto Alegre (Let it Be)
...coisa muito feia ver um mastro despencar, e eu que passei por isto, por mais precauções que tome para evitar, sempre me pergunto, quando entra uma daquelas rajadas que fazem o mastro sacudir: será que algo não vai romper ? Será que não há fissuras nos estais ?
Estou pensando em fazer uma verificação de fissuras, pois os estais do Let it Be ( de inox ) tem uns 8 anos. Já li que é aconselhável troca-los com 10 anos, e ai vai começar tudo de novo: será que o cabo foi bem prensado?....rs É a neura.

 

Euchério Rodrigues, Rio de Janeiro
É incrível o que cai de mastro por causa de pinos sem cupilhas, já ouvi várias estórias a respeito. Certa vez, quando reformei meu barco, por falta de tempo, deixei a remoção do mastro por conta de um "especialista" local. O sujeito me entregou o mastro "colocado". Como sou "chato" fui conferir as cupilhas: faltava uma no estai de proa e um dos pinos dos brandais tinha a cabeça com diâmetro inferior ao do buraco do fuzil/espaçador. Sou obcecado com isso, confiro sempre.

 


O popa ouviu o Comandante Carlos Altmayer Gonçalves (Manotaço), velejador inveterado e estudioso do assunto, que há muitos anos fornece mastreação e estaiamento para veleiros de todo o Brasil. Manotaço começou a trabalhar com barcos muito cedo, fazendo pequenos reparos, envernizando e pintando, e administrando reformas no Jangadeiros, aí por 1968. Trabalhou também com Nelson Picollo, primeiro e único emprego que teve. Em 1975, quando abandonou a faculdade de Veterinária, dedicou-se inteiramente aos barcos.

A Manotaço Técnica Náutica foi criada em 1.980, como consequência do crescimento das atividades. No início, fazia manutenção e entregas de barcos, sempre velejando. Aos poucos migrou para a construção de ferragens e mastreações. Hoje a principal atividade está nos mastros, para barcos de 20 a 80 pés. Manotaço atraca o Barba Negra no Veleiros do Sul.

As dicas do Manotaço:

É comum o pessoal descuidar-se dos contrapinos e cupilhas, sendo que estas são mais sujeitas a engatarem em escotas, roupas, etc. Daí a importância de cobri-las com fita ou couro. Outro descuido freqüente, este dos fabricantes, é na fixação inferior do estai de proa. Colocam duas chapas soltas, unidas pelos pinos, que atravessam e forçam os contrapinos. No O'Day é original. O correto é unir-se as chapas, impedindo assim que elas "atravessem", uma em relação à outra.


Quanto aos terminais, há os prensados e os rosqueados (tipo norsemann). Os fundidos com estanho há muito que não se usa, o último que fizemos foi para o cabo do guincho do VDS. O cabo de estai, na construção 1 x 19, não possibilita mão trançada. Para as bitolas até 4 mm é possível usar nicopress e sapatilha, que funciona muito bem, mas não dá um bom acabamento. Deve evitar-se usar terminal prensado acima de 6 mm, pois estes são mais sujeitos a apresentarem rajaduras longitudinais, devido ao encroamento do material do terminal (endurece demais).
O sistema de certificação de barcos Lloyds 101 A não aceita terminais prensados acima de 3 mm.


Ao longo dos anos que estou envolvido com barcos, lembro de alguns terminais prensados com esta fadiga acima referida, todos de 6 mm para cima. Em função disso, em nossos equipamentos damos preferência ao terminal rosqueado a partir do cabo de 5 mm.


O exemplo que mostras do terminal sem conificação de alívio, é um erro primário. Todos os comentários acima consideram materiais e equipamentos bem feitos e adequados ao barco.
Quando quebra um fio do cabo, é sinal de que algo anda mal. Deve-se trocar o cabo em questão e analisar o que causou esta quebra, procurando corrigir o erro.


Outro fator a considerar, principalmente nos barcos pequenos e leves, é o aumento de peso do barco com a tralha e tripulação. Isto é comum com pessoas que moram a bordo. Outro caso que me lembro é de barcos como Micro 19', projetado para velejar com 3 tripulantes, que saem em dia de vento forte com 5 "gorilas" na borda, para ganhar a regata. O aumento de pressão na mastreação é enorme e vários já desabaram dessa maneira.


Quanto a um prazo determinado para trocar todo o estaiamento, devemos levar em conta que a maioria dos barcos veleja muito pouco. A maior parte da vida dos cabos é passada em repouso. Novamente, cada caso é um caso. Um barco que faz uma volta ao mundo veleja perto de 25 mil milhas. O Barba Negra, que este ano fez 19 anos, recém completou 32 mil. Meu plano é substituir o estaiamento no ano que vem, para celebrar o marco dos 20 anos.


Na regata de volta ao mundo, atual Volvo Ocean Race, era obrigatório remover o mastro dos barcos na parada na Nova Zelândia, para inspeção rigorosa de todos os componentes da mastreação. Já fiz isto duas vezes no Barba Negra, sendo a última quando ele completou 15 anos.


Encerrando, uma mastreação bem feita, com um pouco de atenção, geralmente dura mais que o dono do barco. Aí estão Aventura e Umuarama III para comprovar isto, ambos com quase 50 anos e com a mastreação e estais originais.

 

Sempre bons ventos,


Manotaço

 

Veja nas fotos de Cristina Sanz, de Florianópolis, outro mastro quebrado.

 

 

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Foto Silvio Ávila