Uma abordagem de trapiche sobre a Declinação Magnética
Rumo Verdadeiro x Rumo Magnético

Danilo Chagas Ribeiro


Agulha de alidade do Navio-Veleiro Cisne Branco

04 Abr 2005
Recebi uma ligação às 8h da manhã de um sábado. Isso não se faz a quem é alérgico ao amanhecer. Não conheço a pessoa nem imagino onde obteve o número do meu celular. Era um visitante do site que queria informações sobre declinação magnética e sobre que datum deveria usar no GPS. Informar o datum por telefone é fácil, mas falar sobre declinação magnética, não.

Considerando a mais conhecida frase de Saint Exupéry*, aí vai a abordagem prometida sobre declinação magnética.

GPS x Bússola
O GPS é um aparelho portátil, moderno e de baixo custo que, recebendo dados de satélites, informa com boa precisão as coordenadas da posição e indica rumos a seguir. Apesar disso, hoje em dia a bússola é ainda largamente utilizada na navegação. O uso da bússola implica compulsoriamente no conhecimento da Declinação Magnética local. É o que este artigo pretende abordar.

Quando a variação varia
Via de regra a agulha da bússola não aponta para o Norte porque sofre um desvio chamado Declinação Magnética. Este desvio, que é um ângulo, varia de um local para outro e, em geral, varia constantemente ao longo do tempo. Segundo a carta 2109 da Marinha, de 1.990, a declinação em Porto Alegre, por exemplo, é de 16º 30'W e aumenta 12 minutos/ano. Em parte do Nordeste brasileiro é 22º, mas não varia com o tempo.

Quando um navegador determina o rumo que deve navegar através da leitura de uma carta náutica, não pode passar a orientar-se pela bússola antes de considerar a declinação magnética. O rumo lido na carta é o Rumo Verdadeiro, orientado pelo Norte Verdadeiro, ou seja, pelo Pólo Norte. Este Norte, simplesmente indicado com a letra N em qualquer mapa, não é o mesmo norte indicado pela bússola, apesar das exceções.

Nivelando: Rumo é a direção, em graus, do destino a seguir. Pode variar de 0º a 359º. Rumo norte é 000º. Rumo leste é 090º, Rumo sul é 180º e Rumo oeste é 270º. Completando-se os 360º da rosa dos ventos chegamos ao 0º novamente. Veja a rosa dos ventos mais abaixo.

Distorções
Para utilizar-se a bússola, o Rumo Verdadeiro precisa ser convertido em Rumo Magnético, que é regido pelo Norte Magnético, e que não está exatamente no pólo Norte. E só a título de curiosidade, saiba que o Norte Magnético "anda". Mas estas diferenças entre o Norte verdadeiro e o magnético não são relevantes. O mais importante é que a indicação da bússola sofre influências magnéticas diferentes de um lugar para outro e estão sempre variando ao longo do tempo. Esta variação ou defasagem é a Declinação Magnética (DM), que pode ser positiva ou negativa. Ela é positiva quando a agulha é desviada para Leste, e negativa quando a agulha aponta mais a Oeste, como no Brasil. Mas isso pode confundir. Recomendo que esqueça isso de desvio pra cá e desvio pra lá. Volto a falar nisso especificamente, logo adiante.

A Declinação Magnética no planeta

A faixa branca, p. exemplo, indica que a DM varia de 20ºW a 30ºW

Utilização da Declinação Magnética
O valor da declinação magnética pode ser relevante na conversão de rumos verdadeiros em rumos magnéticos, e vice-versa. Desconhecendo-se o valor da DM, podemos cometer erros grosseiros de navegação.

A equação simplificada para conversão de rumos, para uso no Brasil, é:

RM = RV + DM**
RV = RM - DM

RM = Rumo Magnético; RV = Rumo Verdadeiro; DM = Declinação Magnética.
Válido para declinações Oeste, como ocorre em todo o Brasil. Se a DM fosse leste, seria RM=RV-DM**

Exemplo: Vê-se na carta náutica que o ponto que se quer alcançar está no rumo verdadeiro de 45º. Que rumo deverá ser perseguido ao utilizar-se a bússola, sabendo-se que a DM na região é de 16ºW?
Para manter um rumo verdadeiro de 45º com uma declinação de 16ºW é preciso seguir um Rumo Magnético de 61º (45 + 16). Seguindo-se o RM 61, na verdade se está em um rumo 45 (RV).

Obs.: caso a soma de RV + DM seja superior a 360, diminua 360: Ex.: sendo RV=350º e DM=20º (370º - 360º) RM=10º.

Esqueça isso de "mais à direita" ou "mais à esquerda"
A declinação pode ser Leste ou Oeste, como vimos. Não associe Oeste à esquerda e Leste à direita. Não pense que a declinação vai jogar o rumo "mais pra esquerda" ou "mais para a direita", porque isso vai dar confusão. Porque a declinação é Oeste, não quer dizer que vai puxar a agulha para Oeste ou para Leste: se o rumo for 20º, p.ex., somando-se uma declinação qualquer, o novo rumo vai apontar mais para Leste ("mais à direita"). Já se o rumo for de 200º, somando a DM vai indicar mais a Oeste ("mais à esquerda"). Pense matematicamente, portanto. Pense na adição apenas.

"Adiantando o relógio"
Mas se insistir mesmo em associar com algo visual, pense que acrescentar a DM ao RV é como adiantar o ponteiro do relógio (agulha). Adianta-se o ponteiro girando-o no sentido horário. É isso que se faz com a agulha ao acrescentar a DM ao RV (no Brasil!). Rumo Magnético é o Rumo Verdadeiro "adiantado".
Pense rápido: O navegador lá dentro da cabine, cheirando a neurônio queimado, grita: RV30. Você lá no timão sabe que a declinação é 15. Você dá leme até a bússola marcar quanto? (1)

Linhas Isogônicas
Assim como as curvas de nível unem pontos de mesma altura, e as linhas isobatimétricas unem os pontos de mesma profundidade, as linhas isogônicas interligam pontos de mesma declinação magnética. Talvez esta tenha sido a primeira e a última vez na vida que V. leu algo sobre linha isogônica. Guarde-a em sua memória junto ao logaritmo neperiano, aos protozoários flagelados e
aos afluentes do Amazonas.

Linhas de mesma declinação magnética são chamadas Isogônicas

No Golfo do México a declinação varia de +6 a -3º, contendo assim a linha de declinação zero.
Isso significa que ali, dependendo da longitude, soma-se ou subtrai-se a DM.

Determinando a Declinação
O Comandante Geraldo Knippling obtém a declinação magnética do local, no momento, diretamente do GPS, dispensando a verificação na carta e o cálculo para atualizar a declinação publicada.

As cartas náuticas costumam apresentar informações sobre a Declinação Magnética na Rosa dos Ventos.
No exemplo ao lado (carta 2109 de 1.990), em 1985 a declinação era de 12º 30'W e o aumento é de 12 minutos por ano.
Como estamos em 2005, precisamos somar 240' (20anos X 12'/ano), ou seja 4º (240' / 60'). Considera-se portanto a Declinação na região da carta (de Porto Alegre) como sendo 16º 30' W (12º 30' + 4º).

Discrepâncias
Nas informações gráficas apresentadas mais abaixo nesta página, coletadas do site de um Instituto de Meteorologia da Finlândia, vê-se que há discordância de valores em relação à carta da Marinha do Brasil. Meu GPS informa que a DM de P. Alegre é 15º (não informa casas decimais). Sigo o Mestre, preferindo utilizar a informação do GPS.

Erro apreciável
Para ter uma noção do que significa desconsiderar uma declinação magnética de 14º (como na Lagoa dos Patos), observe na ilustração abaixo, a título de exemplo, o resultado aproximado após percorrer 30mn.

Aferição
A bússola pode apresentar informações imprecisas devido à proximidade de peças de ferro a bordo, devendo ser aferida quando da sua instalação.
Dentro do piloto automático há uma bússola, sob forma de chip eletrônico. No piloto automático para roda de leme, a bússola que o controla pode ficar longe do leme, como dentro da cabine. Me contou um comandante amigo, que meses depois da instalação do piloto, mandou instalar um CD player e caixas de som. Custou muito a descobrir porque o piloto não funcionava mais direito. Uma caixa de som foi fixada ao lado da bússola do piloto e o imã do autofalante a desviava.

O Comandante Geraldo Knippling contou uma história interessante na navegada ao Porto do Barquinho, mostrando como uma lata de Coca-Cola bagunçou o rumo, anos atrás. Veja em Navegando com o Mestre, no sub-título Histórias do mestre.

Cristóvão Colombo
A declinação magnética teria sido descoberta por Cristóvão Colombo, ao perceber em suas navegadas que a agulha nem sempre apontava para a Estrela Polar, que sempre está muito próxima do Norte.

Invenção da bússola
Considerada a invenção tecnológica mais importante depois da roda, a bússola foi inventada na China, no século I, e aperfeiçoada para a navegação na Europa no século XIII, permitindo a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Até então a sondagem de profundidade e a observação astronômica eram utilizadas na determinação dos rumos. A bússola giroscópica foi inventada por um americano.

Comentários do Mestre
Velejando com o Mestre Knippling, ídolo dos navegadores gaúchos, observei que utiliza Rumos Magnéticos em vez dos verdadeiros. Sempre que ele se refere a um rumo, cita as letras RM antes. Por exemplo, RM173º. Geraldo Knippling, que voou 40.000 horas no comando de aviões da Varig mundo afora, e foi agraciado com a Ordem do Mérito da Aeronáutica, sabe muito bem o que diz.
Um GPS pode ser configurado para apresentar rumos verdadeiros ou magnéticos. O GPS do Mestre mostra rumos magnéticos. E ele explica o porquê:

Rumos magnéticos no GPS
Pessoalmente, argumento o seguinte, em favor do uso de rumos magnéticos no GPS, quando navegando: Infelizmente os rumos que usamos nas nossas bússolas são magnéticos.

É mais fácil e lógico, ao consultarmos os rumos para navegação ou mesmo quando seguindo uma rota com vários waypoints inseridos no aparelho, que estes rumos sejam compatíveis com a bússola que nos orienta. Em outras palavras, as informações de rumo do GPS podem ser diretamente aplicadas à bússola, sem a necessidade de considerar a declinação e fazer um cálculo intermediário para então ser aplicado.

Na hora de um "sufoco" o cidadão está sujeito a esquecer de fazer a correção. É assim na Aeronáutica em todo o mundo. Também a Marinha moderna está seguindo este esquema. Antigamente, no tempo da navegação astronômica, tudo se desenrolava vagarosamente e não fazia diferença trabalhar com rumos verdadeiros, considerando a declinação mais tarde.

Todas as cartas da Aeronáutica usadas em todo o mundo (Jeppsen, por exemplo), são em rumos magnéticos. Uma aeronave ou mesmo uma lancha fazendo uma aproximação ou mesmo navegando numa rota onde os waypoints se sucedem rapidamente, consultando a carta continuamente, não pode assumir o risco de ter que fazer uma interpretação momentânea entre rumos verdadeiros ou magnéticos. O piloto ou navegador quer aplicar na bússola aquilo que está vendo na carta no momento.

Nas nossas cartas da Marinha os rumos são verdadeiros porque são de séculos passados. Não havia GPS nem bússolas de precisão.

Isto tudo poderia ser diferente se tivéssemos uma bússola em rumos verdadeiros, que já existe: é acoplada ao GPS e a um giroscópio, mas está fora do nosso alcance no momento.

Bússola do GPS
Usando a "bússola" do GPS, tanto em rumo verdadeiro quanto em rumo magnético, acontece o seguinte:
Na navegação, qualquer navegação, que implique em manter, corrigir ou mudar um determinado rumo, o navegador observa atentamente a bússola, que lhe dá uma indicação imediata da modificação que houve ou está havendo no rumo. Se por exemplo deseja ir do rumo 80° ao rumo 60° aplica o leme para a esquerda e quando vai chegando no rumo desejado de 60° desfaz a deflexão do leme e segue em frente. Muito simples.
No caso de usar a bússola do GPS, acontece que esta (nos nossos GPSs) não dá uma indicação imediata. A mudança no rumo é computada e apresentada segundos mais tarde. Quando o cidadão aplica o leme, inicialmente nada acontece no GPS e a tendência é aplicar mais leme. Mas o barco já estava mudando de rumo desde o início e já estará lá pelo rumo 20° quando a bússola do GPS apresentar nova indicação. A esta altura o cidadão xinga o GPS e faz uma violenta correção para o outro lado e nunca mais se acerta. A não ser que tenha a calma necessária para manter um rumo fixo por algum tempo e daí, em pequenos incrementos, fazer pequenas correções, de tempo em tempo, para voltar ao rumo desejado.

Em outras palavras: a "bússola" do GPS é muito útil para indicar uma direção. Pode ser usada como um gônio, mas jamais como substituta da bússola magnética. Aliás, isto é verdadeiro para todas as funções do GPS. As indicações são em raw data e sempre apresentadas com algum retardo que precisa ser considerado.

Geraldo
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-o-

A Declinação Magnética no Brasil


Na região costeira do Brasil, a declinação magnética varia de -12º na Lagoa Mirim, a -24º no litoral da Bahia.

 

Variação da Declinação Magnética ao longo do tempo
(em graus por ano)

 

 

 

 

 

Para desenhar outros gráficos como estes: http://www.ava.fmi.fi/MAGN/igrf/applet.html

 

 

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(*) "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" (Antoine de Saint-Exupéry, 1943)

(**) A rigor, a fórmula geral é RM=RV-DM, mas como a DM Oeste tem valor negativo (-16º, p.ex.), e é assim em todo o Brasil, é mais prático considerar a soma dos valores absolutos. Desdobrando a equação mais correta ao trabalhar com uma DM negativa, teríamos RM=RV-(-DM), ou seja, RM=RV+DM. Observe em todos os gráficos acima o sinal negativo nas DMs oeste (como usamos nas longitudes oeste). No Pacífico, no entanto, a declinação positiva (Leste) deve ser subtraída do RV. Não há declinação Leste no Brasil.

Rota = percurso planejado.
Derrota = percurso realizado.

(1) 45º.

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