Navegada de baixo calado
Descobrindo recantos no Guaíba
Danilo Chagas Ribeiro
A maioria dos velejadores desconhece alguns locais da região por onde navega, por dificuldades de calado ou de altura (pontes, árvores).
E quando surge a oportunidade de navegar em um bote inflável, calando apenas 30cm, todos aqueles recantos inatingíveis pelo veleiro oferecem uma nova paisagem, bem diferente da usual.
No final de Janeiro de 2007 visitei alguns recantos do Rio Guaíba (trajeto à direita) a bordo do Mirapalheta, o inflável de 17 pés, ou 5 metros, do Comte Luiz Alberto Grassi.
Marina do Lessa
O barco foi posto n'água na Marina do Lessa, em Belém Novo, zona sul de Porto Alegre. Da marina avista-se a Ilha Chico Manoel, do Veleiros do Sul. A marina tem bem mais barcos do que tinha a uns 3 ou 4 anos quando estive lá pela última vez.
Jorge Lessa é muito conhecido na região pelo espírito altruísta e como empreendedor. Ele, que conhece o Guaíba como a palma de sua mão, faz reboques de embarcações na região a qualquer hora.
Jorge é muito bem quisto no meio náutico. A marina abriga veleiros de até trinta e poucos pés, sendo a maioria de menor comprimento (imagem abaixo, à direita). Três ou quatro galpões abrigam lanchas e outros barcos de pequeno porte.
O ambiente é familiar. A maioria dos navegadores estava acompanhada de família ou esposa. Veja a série de fotos Ballet do desembarque, feitas na Marina do Lessa.
Breno Caldas
Ao lado da Marina do Lessa está a Marina do Arado, em área que pertenceu a Breno Caldas, o jornalista e empresário já falecido, que dominou a imprensa gaúcha décadas atrás. Há ali alguns veleiros de pequeno porte. O local tem sombra abundante (à esquerda, na imagem ao lado). O acesso deve ser feito com muito cuidado devido ao assoreamento.
Marina do Geraldo Link
Navegando-se da Marina do Lessa em direção à Ponta dos Coatis (RV 160º), vê-se os molhes da marina construída por Geraldo Link, considerado por muitos o principal responsável pela criação da ilha da sede atual do Clube dos Jangadeiros.
A pequena marina foi construída por Geraldo há dezenas de anos atrás. Autor de livros apresentando suas viagens Brasil até o Oiapoque, sua obra de engenharia está bem assoreada mas ainda aparece bem nitidamente na imagem do Google Earth (imagem abaixo).
Entramos um pouco pelo canal de acesso (imagem à direita), mas logo encalhamos. Logo adiante há uma rede de pesca, ou algo parecido, atravessada sobre o canal, como que indicando a proibição de acesso.
Farol de Itapuã sem bateria
Navegando meia hora para sudeste da Ponta dos Coatis, chegamos ao Farol de Itapuã, apagado pelo menos desde Outubro de 2006.
Contou o zelador do farol, que julgávamos ser o faroleiro, que o problema é bateria e que ele informou a respeito faz tempo. Ao contrário dos faroletes e das bóias do rio e da lagoa, o farol é de responsabilidade da Marinha.
O Mirapalheta ficou boiando bem junto às pedras em volta do farol. Vimos de perto a Referência de Nível, a antiga estação da UFRGS para batimetria e vimos o topo do farol.
Argolas misteriosas
Do farol entramos na Lagoa dos Patos, em direção à Praia do Tigre, a leste do farol. No caminho vimos as argolas fixadas à pedras da margem, cuja origem ninguém sabe informar (ao lado). São peças antigas e várias foram as versões ouvidas contando a suposta história, mas nenhuma delas convenceu. Saiba mais.
Banho na Praia do Tigre
Tomamos um banho de lagoa na Praia do Tigre. A água estava bem clara. A região faz parte do Parque de Itapuã, onde o acesso não é permitido. Entretanto, tomar banho na praia sem nela pisar não
é contra as determinações do parque, segundo o Comandante Péricles, ex-delegado da delegacia da Capitania dos Portos em Porto Alegre. "Onde uma acha de lenha flutuar, quem manda sou eu", disse o comandante. Ou seja, o estado não tem autoridade para legislar sobre a utilização das águas brasileiras ou sobre o tráfego aquaviário. Entretanto, o Popa.com.br não tem competência para discorrer sobre assuntos jurídicos, e reconhece que o tema deve ser julgado por quem tenha competência para tanto.
Urubu esquisito fazendo pose
Na volta da Praia do Tigre, navegando devagar e rente às pedras do costão, avistamos um bicho esquisito, em cima de uma pedra quase à beira d'água. Eu nunca tinha visto um urubu de cabeça vermelha com penas brancas. E ainda posudo (foto ao lado). O urubu abre as asas assim depois de pegar chuva, mas o dia estava ensolarado.
Junto com esse urubu colorado havia outro, mas era "normal". Pelo que andei comparando, é o mesmo "Turkey Vulture" (Cathartes aura) que voa lá pelos banhados do Everglades, na Florida, e o mesmo "Urubu à tête rouge" do Canadá (Québec) e ainda o mesmo "Urubu-da-cabeça-vermelha", do Pantanal.
Encalhando na Ponta Escura
Da Praia do Tigre voltamos ao Guaíba, e atravessamos a barra em direção à Ponta Escura. Encalhamos na Coroa da Ilhota, local conhecido pela baixa profundidade, mas a brincadeira foi mesmo essa: ver se conseguiríamos passar por ele. Encalhamos (calado 30cm) com, no mínimo, meia milha de água por todos os lados. Voltamos um pouco e fizemos o acesso padrão, junto à costa oeste do rio. Havia uns 4 ou 5 barcos por lá. Estava tudo muito baixo. Aquele pessoal embarcado conhecia bem o local. Entramos pelo canal de acesso da Ponta Escura e, em vez de guinar a boreste e fundear no tradicional abrigo, contornamos a ilhota deixando-a por bombordo, até alcançarmos a Lagoa dos Patos. A profundidade era, em média, 60 a 80cm. O Mira encalhou algumas vezes mas finalmente conseguimos contornar a ilhota e chegar de volta ao Guaíba.
Prainha e Praia do Sítio, as mais bonitas do rio
Com o mesmo conceito aplicado na visita à Praia do Tigre, visitamos a Prainha e a Praia do Sítio. A Prainha faz juz ao nome. É uma minúscula praia entre costões (ao lado), situada a uns 500m do farol. A praia do Sítio é bem conhecida de todos os navegadores. O Cruzeiro do Bugio obteve licença da Secretaria de Meio Ambiente para o desembarque lá. A vantagem de chegar bem perto da praia, mais do que um veleiro com quilha pode chegar, é grande pra quem leva crianças.
Prainha sem nome e tartarugas espertas
Se a Prainha é minúscula, não sei o que dizer da prainha entre a Praia da Pedreira e a Ponta da Fortaleza. É abrigo de pescadores, que aliás estavam por lá em peso. Para acessar este local é preciso ter realmente baixo calado e conhecer o caminho das pedras.
Certa vez entrando lá a bordo do bote do Charlie Bravo V com o Comandante Paulo Hennig vimos duas tartarugas lagarteando em uma pedra à beira d'água. Não estavam 'sobre' uma pedra. Estavam em um plano inclinado da pedra. Quando perceberam nossa presença, simplesmente encolheram as patas, o que fez com que deslizassem sobre a pedra e mergulhassem instantaneamente, por gravidade. Bom sistema de defesa.
Marolas na Ilha do Junco
Na Ponta da Fortaleza atravessamos o canal de navegação do Guaíba e nos aproximamos da Ilha do Junco bem na hora em que passava um navio grande pelo canal. Da outra vez que fiz isso com meu O'Day23, chacoalhei muito por causa do "tsunami" gerado pela passagem de um navio.
As marolas vão avançando com baixa altura em direção à ilha. A profundidade do canal ali é a maior do Guaíba, chegando a mais de 60m. Mas no caminho da ilha (apenas 450m de distância), a profundidade passa para apenas 1 metro, em menos de 100m de extensão. Ao encontrar tal barreira em forma de rampa acentuada, as ondas "rebelam-se" e crescem bastante.
Mas dessa vez não aconteceu nada. O outro navio é que era muito 'marolento'.
Histórias da "Ilha das Cobras"
Navegando-se bem junto à praia de frente para o canal, vê-se o telhado de uma minúscula construção em meio à vegetação, na encosta do morro. "Esta capelinha, contam, foi construída por um pescador, cumprindo promessa por ter sobrevivido a uma mordida de cobra cruzeiro", diz o Comandante Mancio, do barco Farol de Itapuã. Diz ainda Mancio, que seguidamente oferece seu serviço de reboque na região, que "a Ilha do Junco antigamente era conhecida por Ilha das Cobras, devido à grande quantidade de cobras venenosas. Os pescadores tinham ali um acampamento permanente e contam que levaram gatos e lagartos para combater as cobras. Até pouco tempo, ainda avistava-se alguns gatos selvagens trepados nas árvores".
Contornamos a Ilha, do Junco deixando-a por boreste. Até lá na costa oeste da ilha eu já tinha chegado com o Comte Andreas Bernauer Canibal, no Phantasy, onde encalhamos e tivemos que voltar. Desta vez continuamos circundando a ilha com o Mirapalheta até que encalhamos já quase na costa leste da ilha. O Comte Grassi, que aliás adora uma indiada, desembarcou e cabresteou o Mira por um bom trecho (foto acima), até que novamente tivéssemos calado.
Pedras na aproximação à Praia das Pombas
Da Ilha do Junco fomos à Ilha das Pombas, cheia de pedras por todo o lado. Acessamos a costa leste onde há uma pequena praia. Ao nos aproximarmos vimos que havia muitas pedras submersas e o risco de danificar o hélice nos fez voltar. É uma prainha muito bonita, com figueiras (ao lado).
Visita ao Clube Náutico Itapuã
Fomos visitar a Tina, a comodoro do CNI, muito receptiva, como sempre.
Estava lá também o pessoal do GOERS, o Grupo de Operações Especiais da Brigada Militar que veleja por lá em monotipos.
Muita pescaria no Morro do Côco
Conhecemos as duas costas do Morro do Côco, navegando bem perto da costa, a não ser em alguns pontos da costa sul que tem pedras. O morro tem pequenas praias e recantos muito bonitos. Em vários deles encontramos pescadores (observe o motor, ao lado). Era um dia muito quente e em todas as praias vimos banhistas.
Prozeando na Chico Manoel
Havia pouco movimento na Ilha Chico Manoel. Encontramos por lá o comte Plinio Fasolo. O comandante físico e astrônomo contou da indiada em meados de Janeiro, quando ele e o Comte Chaguinhas, fundeados no Birú, Tapes, Lagoa dos Patos), encararam 60 nós de vento no meio da madrugada. Ficamos quase uma hora com o Mirapalheta amarrado no contrabordo do Bumerang jogando conversa fora.
Barcos infláveis
Da Chico voltamos à Marina do Lessa onde tiramos o Mirapalheta da água. Visitar bem de perto os lugares por onde já passei tantas vezes ao largo, foi muito bom. O dia estava muito quente, e o rio e a lagoa quase espelhados. Tudo de bom para navegar em um inflável.
Foram 12h navegando (incluindo os banhos de lagoa). É um tempo grande a bordo de um inflável, sem o conforto de um veleiro. Mas a proposta é outra.
Além do baixo calado, a velocidade de cruzeiro do Mirapalheta é de 20 a 25 nós, com seu Johnson de 70HP. A regulagem da altura do motor (trim) permite passar por lâminas d'água realmente baixas. O fundo rígido (de fibra de vidro) garante boa navegabilidade e mais segurança. O barco tem toldo, targa, compartimento-geladeira, parabrisa, VHF, e os instrumentos normais de uma lancha. Encostar nas pedras com os tubos infláveis não significa absolutamente nada. Já se fosse com meu barco...
Aí vão algumas fotos.