O Aviador Francês e sua Baiana
Causos e tracks de uma velejada à Camamu
Sérgio e Magda Frey

25 Set 2008
O
s causos existem. Sim, sem dúvida, eles existem. No passado, faziam parte de nossa cultura oral, atualmente tão maltratada pelas legiões de tecnocratas que por décadas vêm governando nosso País. Nos dias atuais, tão lógicos e racionais, os causos que ajudaram a contar nossa história, talvez já estejam praticamente extintos. Mas, para aqueles poucos que ainda se dispõem a rodar por quebradas empoeiradas do interior, ou sacudir no convés de um veleiro por nossos mares e lagoas, sim, sem dúvida, esses ainda vez por outra se defrontam com algum desses causos.

Foi o que se “assucedeu” comigo e minha fiel companheira velejadora de toda vida, a Maguita, no final do mês passado quando velejávamos, de Salvador à Baía de Camamu, com nosso querido amigo e bom skipper baiano, Michael Gruchalski (quem quiser conferir, vai aí uma boa opção, www.bahiacharter.com.br). Saímos de Salvador pela manhã de uma quinta-feira e, após treze horas de contra-vento com 20k de SE, chegamos cansados ao Campinho, por volta da meia-noite (clique aqui para o arquivo do track do OziExplorer). Chegamos, sim, com os corpos cansados, porém com a alma e o coração leves, após uma linda velejada nos mares quentes e azuis que só o Nordeste tem, com direito a um atum no corrico e um show de estrelas no mar, provocado pelo fenômeno da ardentia na noite de lua nova. Fundeamos em águas que não mais balançavam, tomamos um trago e fomos dormir no confortável beliche do salão central do Cal que tínhamos alugado.

Pela manhã, ao acordarmos de frente para uma linda praia de águas tranqüilas, demos de cara com a insólita cena de duas senhoras baianas, no alto da dignidade de seus oitenta anos, mariscando em frente de casa à beira d’água para garantir o peixe nosso de cada dia. As duas senhoras eram irmãs. A mais nova, Dna. Aurora, era cega e já tinha chegado aos oitenta. Já sua irmã, Dna. Onília, era mais velha, já tendo entrado naquela idade na qual deixa de fazer sentido continuar contando os anos. Deixemos esta maçante atividade para os jovens, na sua ilusão de tentar quantificar o aspecto mais inexorável de nossas vidas: o seu tempo.

Bem, como não só de poesia vivem os velejadores, e só um velejador cansado sabe do reconforto que um bom banho quente traz, lá fomos nós conhecer as duas irmãs e tentar “comprar” dois banhos de chuveiro. Aí é que começa nossa estória. Não só compramos o mais do que necessário banho quente, como também ganhamos de lambuja este delicioso causo que passo a contar para os amigos.

Jogando conversa fora com as duas senhoras, ficamos sabendo que a irmã mais velha, Dna. Onília, tinha sido namorada do pequeno grande príncipe francês, o aviador/escritor Saint Exupéry, famoso pelo clássico da literatura mundial O Pequeno Príncipe. Nos idos da instalação do correio aéreo brasileiro, a Baía de Camamu e, mais especificamente a localidade até hoje conhecida por Campinho por seus moradores, era utilizada como ponto de pouso e decolagem dos teco-tecos de nosso incipiente correio aéreo. Vem daí o “affair” de Dna. Onília, à época certamente uma baiana para lá de faceira, com o histórico aviador francês.

Depois de passada a surpresa, eu e Maguita ficamos morrendo de vontade de confirmar se a insólita estória era realmente verdadeira e se a baiana tinha chegado aos finalmentes com o príncipe francês. Porém, em respeito à sua idade e à hospitalidade das duas irmãs, não tivemos coragem de fazê-lo.

Depois curtimos dois dias de muito sol e preguiça naquela região ainda não invadida pelo turismo em massa, devido à inexistência de uma ligação por terra asfaltada. No Domingo, mais um dia de velejada para voltarmos a Salvador, porém agora com os mesmos alísios de SE nos empurrando favoravelmente. À nossa proa, o Farol da Barra.

Chegando a Porto Alegre, corri para a internet para ver se achava alguma matéria que confirmasse o causo. Logo na primeira pesquisa da web, dei de cara com um artigo do blog do Hélio e da Mara, do veleiro MaraCatu do Brachuy em Angra dos Reis, no qual eles confirmavam a estória de Dna. Onília, com direito até a fotos da baiana. O Hélio, inclusive, teve a coragem que não tivemos e perguntou se ela tinha transado com Saint-Exupéry. Saudosa e encabulada, ela matreira confirmou.

Bom, meus amigos, o causo ouvido desta ainda hoje bela baiana, foi este aí. Será verossímil? Quem sabe ..... Nosso amigo Michael já sabia da estória. Algumas pessoas em Camamu a confirmaram e até apuramos a visita no ano passado de uma equipe de repórteres franceses, para entrevistar Dna. Onília sobre seu suposto romance com o escritor francês, - fato que levou Dna. Onília às lágrimas. Fica também difícil de imaginar que uma mulher analfabeta, em meados do século passado, pudesse inventar um romance com um aviador francês, cujo nome complicado pronunciava com razoável intimidade.

Finalmente, ao nos despedirmos de Dna. Onília, quando indagada se não teria tido vontade de ir para a França com Saint-Exupéry, ela respondeu “não, ele ainda não estava preparado”. Acho que foi esta resposta altiva, vinda de uma pessoa tão simples, que me deu vontade de dividir este causo com vocês.

 

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25 Set 2008 Aníbal Rodrigues
OLÁ, SÉRGIO E MAGDA.

SIMPLES, DIRETO E BONITO.
ACHO Q. ALÉM DELA SER "SIMPLES", NÓS, OS MUITO LETRADOS, É Q.  COMPLICAMOS O Q. REALMENTE INTERESSA.
ABRAÇO,
VALEU O PEQUENO E SIMPLES ARTIGO.
Aníbal Rodrigues
S. Francico do Sul - SC

25 Set 2008 Átila Bohm
Em 2005 eu estava fazendo um delivery e parei em Floripa para esperar o tempo melhorar, ancorei em frente ao Ribeirao da Ilha e fui almoçar em um restaurante especializado em ostras defumadas. Depois do almoço o garçom me ofereceu um livro com o titulo "Zé Peri". O livro conta a historia vivida por Sant. Exuperi e uma namorada da comunidade do Campinho de Campeche...
Lógico que não comentei com a D. Onilha. KKKK!