Infidelidade náutica
Velejando no barco do outro
Nelson Ferreira Fontoura

17 Jan 2008
Muito já se escreveu sobre o gênero do barco. Passeando pelos trapiches, encontra-se uma variedade de nomes masculinos e femininos. Talvez os barcos tenham um pouco de ambos. Às vezes me parecem como um filho. Já passei horas imaginando as aventuras que faremos juntos: eu e o Tiza, o meu veleiro 27 pés. Mas os barcos também têm algo de feminino: caprichosos, são como amantes sempre ávidas por novas despesas.

Mas decididamente velejar é um esporte masculino. Apesar de existirem velejadoras fantásticas, são os homens que dominam os trapiches. E o homem não tem na fidelidade o seu maior predicado. Mesmo amando o objeto do desejo, sempre estamos a olhar para o lado.

Um domingo destes cheguei no Clube dos Jangadeiros para sair sozinho no Tiza. Ainda no trapiche, parei para conversar com o Fábio Beck, que também sozinho, me convidou para velejar no Lucky, seu O’Day 23. Pulei no barco e em poucos minutos já estávamos saindo pelo Guaíba.

Velejar no barco de amigos é bem diferente. Por um lado, não se conhece as manias do comandante e os caprichos do barco. Ao mesmo tempo em que se deseja ajudar, deve-se respeitar um modus operandi que não conhecemos perfeitamente. Mas também são grandes as compensações.

Sempre que está ventando mais forte, a minha decisão em sair do trapiche é relutante. Sinto o vento, avalio se não está muito forte, se não irá piorar... É sempre um dilema. Ao mesmo tempo em que gosto da adrenalina de velejar em vento mais forte, diversos são os riscos associados. Não estou falando de riscos à pessoa, pois esses são pouco freqüentes, especialmente em águas interiores. Falo das encrencas que podem acontecer e das despesas que podem vir. No fundo, sempre que está ventando mais forte, saio com certa ansiedade.

Às vezes fico pensando se fui mesmo feito para este esporte, pois essa ansiedade contida, com movimentos gástricos associados, me parece coisa de titia. Como diz o Caetano, deve ser o meu lado feminino...

Entretanto, no Lucky as coisas foram muito diferentes. O anemômetro marcava 12-15 metros por segundo, tendo chegado a 18 em uma rajada mais forte. Arredondando, estávamos navegando em ventos de 25 nós, com rajadas ultrapassando os 30. No Tiza, estaria no mínimo apreensivo; no Lucky, era só prazer. Navegávamos com a mestra no primeiro rizo e a genoa parcialmente enrolada. O Lucky adernado em 15º e velejando faceiro, com direito a uma onda embarcando justamente no meu colo: molhado mas divertido. Apreensão? Nenhuma, acho que isto fica para o dono do barco. Se encalhar, quebrar ou rasgar, é dele a encrenca e o bolso ferido.

Já havia ouvido falar que melhor que ter barco é ser amigo de dono de barco. Agora posso confirmar: é verdade. Sem despesas ou apreensão, só diversão. O Tiza, coitado, deve ter ficado enciumado. Espero que não peça divórcio... Mas que a mulher do outro tem valor, isto tem.

 

(Foto: arquivo do Popa)

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