Maior nem sempre é melhor
Adequando o tamanho do barco ao uso efetivo
Nelson Ferreira Fontoura

Eu tenho um livro, Offshore Cruising Encyclopedia, escrito pelo casal Linda e Steve Dashew, que claramente advoga pelos barcos grandes. O casal opera sozinho o Beowulf, um majestoso Ketch de alumínio com 78 pés. É um ótimo livro, e nele encontrei muitas soluções para o Tiza, meu veleiro Mordente 27.

Os Dashew vivem da vela: constroem magníficos veleiros, escrevem livros, dão palestras e claro, navegam muito. Para eles, a facilidade de operação não depende do tamanho do barco, mas de como foi projetado e construído. Velocidade também é fundamental, além de ser item de segurança, na medida em que permite se fugir rapidamente de uma frente ou tempestade. No Beowulf, chegam a fazer 250 milhas náuticas por dia. Também é obvio que eles devem ter muito dinheiro.
Nossa realidade normalmente é bem diferente. Imaginem só quanto custa a pintura de fundo de um colosso destes. E uma vela? Deve custar meio Tiza, ou mais. Agora imaginem atracar num trapiche apertado com vento forte pelo través, que encrenca. Eu é que não queria ser o vizinho.

Mas coloquei o exemplo do Beowulf apenas como contraponto, pois a maior parte dos meus amigos de trapiche busca por um barco maior. Em uma realidade mais próxima, um dos maiores veleiros do Clube dos Jangadeiros, um portentoso 45 pés chamado Paradoxo, pouco sai do trapiche, pois não pode ser operado em solitário. O seu proprietário certa vez me confidenciou que sentia saudades de seu valoroso O`Day 23 (como o da foto ao lado), que o levava a cada cantinho do Guaíba. O Paradoxo, na verdade, havia sido uma alucinação. Um 45 pés é interessante quando se quer levar uma grande tripulação com conforto. Mas onde estão as tripulações? Mal e mal conseguimos sair com a esposa ou algum amigo, e que via de regra não sabe nada de vela.

No fundo, acho que o tamanho do veleiro tem mais a ver com sonho do que com realidade. São poucos os barcos do clube que saem regularmente para cruzeiro. Mesmo assim, são normalmente cruzeiros curtos, de feriado ou fim-de-semana. As tripulações também são pequenas, normalmente apenas um casal.

Quando comecei a estudar projetos de veleiros, há uns 12 anos, estabeleci alguns critérios básicos: (1) teria que ser compatível com o meu orçamento; (2) teria que poder enfrentar mar aberto; (3) teria que acomodar quatro ou cinco pessoas para pernoite; e (4), teria que ter um banheiro em compartimento isolado, por questão de privacidade.

A minha busca me levou aos veleiros de 26/27 pés, onde estes quesitos podiam ser todos contemplados. Escolhi o Mordente 27 em função da reputação de barco marinheiro e bem construído, com uma boa solução de arranjo interno.

Entretanto, mesmo um 27 pés estava longe das minhas possibilidade de curto prazo. Vendi o meu carro para pagar o Kit de fibra, e mantive o barco no estaleiro por longos cinco anos até terminá-lo completamente (marcenaria, ferragens, instalações elétricas e hidráulicas). Foi bastante tempo, mas não economizei nos detalhes importantes. Com o barco na água, demorei ainda mais de três anos até conseguir mastrear (foto acima) e comprar um jogo mínimo de velas. No final das contas, estou velejando depois de nove anos de iniciado o “Projeto Tiza”.

Hoje me dou conta de que o barco é subutilizado na maior parte do tempo. Até que aproveito seu conforto interno como escritório de férias, mas para navegar, a cabine não tem a menor serventia. Poucas foram as vezes que dormi no barco, talvez não mais de 10 ou 15 noites. A minha esposa não deve ter dormido mais de três ou quatro. De fato, utilizo o barco em saídas a solitário de fim de tarde, por não mais de duas ou três horas.
Para estas pequenas navegadas, o Tiza, com o peso adicional de sua robustez e itens de conforto, não é o barco mais veloz.

Às vezes fico me perguntando se não teria sido mais conveniente comprar um barco usado, como um Ranger 22 (foto), lá em 1999, quando comecei a construir o Tiza. Com certeza teria navegado e curtido por muito mais tempo, e ainda hoje o Ranger estaria me satisfazendo na maior parte do meu uso efetivo, e com um capital investido muito menor.

É claro que o Ranger 22 não sustentaria o meu sonho por aventuras oceânicas, mas não será isto mais uma alucinação? Na verdade, tenho a impressão de que se trata de um surto de alucinação coletiva, pois são poucos os que usufruem realmente da dimensão de seus barcos.

Comentários: info@popa.com.br

04 Mar 2008
Fernando Araújo

É uma verdade tambem dos lancheiros, nunca estão satisfeitos querem sempre um barco maior, mas usamos muito pouco.  Sonhamos que vamos usar, viajar e dormir, mas nao usamos nunca.

04 Mar 2008
Emilio Oppitz
Como disse o Com. Ferrugem a pouco tempo, " o melhor barco é o que cabe no orçamento do comandante".
É mais ou menos por aí.

06 Mar 2008
Adriano Marcelino
Muito bom assunto!
Na minha opinião, o tamanho do barco deve estar intimamente relacionado ao propósito de sua utilização e ao quanto você realmente gosta da vela de cruzeiro. Realmente é lamentável que belos barcos passem meses e até anos sem navegar, mas não é regra geral. Já fiz a lagoa com um marreco 16 e com um bruma 22 e hoje navego em qualquer lugar com um 38 retráctil. A diferença é gritante, pois velejar não é só poesia, você necessita de um mínimo de conforto a bordo para trocar a sua casa pelo barco e também de boas condições de navegabilidade para enfrentar condições adversas. Se não houver estas duas coisas, sua família não vai junto e se você não gostar de navegar em solitário acaba navegando somente nos finais de tarde em frente ao clube. Nós levamos 5 anos fazendo o barco e morando em uma casinha de aluguel, o barco era nossa prioridade.Acho que o verdadeiro aficionado pela vela de cruzeiro só não compra um barco maior porque seu orçamento não permite.
Um abraço.
Adriano ( PASSATEMPO)