Em botes, piratas somalis driblam navios de guerra
Pirataria: a história se repete
Jeffrey Gettleman
Tradução: Paulo Migliacci ME

21 Dez 2008
O
contra-almirante Giovanni Gumiero está saindo à caça dos piratas. Do convés de um destróier italiano que cruza as águas infestadas por piratas ao largo da costa da Somália, ele comanda de todas as ferramentas mais modernas - radar, sonar, câmeras infravermelhas, helicópteros, um canhão capaz de afundar um navio a 16 km de distância - em seu esforço de combate a um problema secular, que remonta aos dias das escunas e dos tapa-olhos.
"Nossa presença servirá para dissuadi-los", o almirante afirmou, de maneira confiante. Mas os astutos bucaneiros das águas somalis não parecem ter se sentido muito dissuadidos - em lugar disso, suas artimanhas aparentemente se tornaram ainda mais ousadas. Mais de uma dúzia de navios de guerra da Itália, Grécia, Turquia, Índia, Dinamarca, Arábia Saudita, França, Rússia, Reino Unido, Malásia e Estados Unidos estão participando da caçada.

E no entanto, apenas nos últimos dois meses os piratas atacaram mais de 30 embarcações; e estão avançando mais em direção ao mar aberto e procurando por presas maiores e mais lucrativas, como um navio de cruzeiro norte-americano e um petroleiro saudita de mais de 300 metros de comprimento. Os piratas estão alterando suas táticas, e atacam navios em enxames de 20 ou 30 botes, e com isso ameaçam estrangular uma das movimentadas vias mundiais de navegação, na boca do Mar Vermelho.

Funcionários da ONU estimaram recentemente que os piratas somalis haviam recebido mais de US$ 120 milhões em pagamentos de resgate este ano - uma soma astronômica para um país cuja economia foi dilacerada por 17 anos de caos e guerra. Algumas empresas de navegação estão alterando as rotas de seus navios para que evitem as águas ao largo da Somália, e os desvios aumentam a viagem em milhares de quilômetros, e forçam as embarcações a contornar o Cabo da Boa Esperança, a ponta sul da África.

Os piratas estão em completa inferioridade bélica. Continuam a percorrer o mar em botes de fibra de vidro, armados com fuzis de assalto e no máximo alguns lançadores de foguetes. Um oficial italiano disse que persegui-los com um destróier de 150 metros, armado de mísseis antiaéreos e torpedos, é como "perseguir de caminhão uma pessoa em uma bicicleta".

Mas os piratas - como seus antecessores - não parecem se deixar abalar. "Eles não conseguem nos deter!", disse Jama Ali, um dos piratas a bordo de um cargueiro ucraniano carregado de armas que foi seqüestrado em setembro e continuava em poder dos corsários.

Ele explicou que havia se escondido com seus homens em uma rocha perto da estreita entrada do Mar Vermelho e esperado que os grandes navios cinzentos repletos de armas passassem, antes de sair ao ataque dos lentos petroleiros. E mesmo que marinhas estrangeiras venham a capturar alguns de seus comandados, diz Jama, isso não o preocupa. Em sua opinião, os homens receberiam apenas uma bronca antes de serem levados à praia - algo que já aconteceu diversas vezes.

"Nós conhecemos as leis internacionais", disse Jama. Os diplomatas ocidentais afirmam que as leis marítimas podem ser ainda mais complicadas que o mar. Por diversas vezes este ano, a marinha dinamarquesa capturou homens suspeitos de pirataria mas teve de devolvê-los à terra quando o governo dinamarquês decidiu que não podia assumir jurisdição sobre o caso.

Os navios norte-americanos que estão cercando o cargueiro ucraniano seqüestrado interceptaram diversos pequenos botes que estavam a caminho do navio, mas permitiram que os homens subissem a bordo porque representantes dos Estados Unidos afirmaram que não desejavam colocar em risco a tripulação do navio.

Essa aparente impunidade é especialmente irritante para os novos seguranças privados, que acabam de sair dos campos de batalha do Iraque e do Afeganistão e foram contratados para operar em diversos navios e oferecer proteção. Homens corpulentos, ostentando tatuagens nos antebraços e cabeças raspadas, eles tomam cerveja Heinekken e verificam seus relógios o tempo todo, e se tornaram uma presença comum nas praias de Omã, Quênia e Djibouti. As idéias que eles adotam para reprimir os malfeitores marítimos diferem das adotadas pelas marinhas.

"Nós deveríamos forçá-los a caminhar pela prancha", disse um segurança britânico. A despeito da retórica belicosa, os guardas estão desarmados (porque a maioria dos países não permite que carreguem armas em seus portos), e por isso muitas vezes só dispõem de mangueiras para enfrentar piratas armados de metralhadoras.

Ou pior. Em um caso recente, de acordo com diversos seguranças, a tripulação de um navio filipino tentou resistir à abordagem dos piratas usando tomates. A tentativa fracassou.

Os oficiais da marinha italiana dizem que as patrulhas de combate à pirataria ajudam - os italianos já resgataram diversos navios mercantes que estavam cercados por botes dos piratas. O destróier italiano é parte de uma missão iniciada pela Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan) em outubro.

"Mas a resposta seria ter um governo forte em terra", diz Gumiero. "Só assim isso poderá acabar". O governo do Egito, que está enfrentando dificuldades orçamentárias, vai perder US$ 1 bilhão caso os navios vindos do Oriente Médio e a Ásia deixarem de usar o Canal de Suez, uma das maiores fontes de receita e moeda forte do país, e optarem pela rota em torno da África.

"Os especialistas em assuntos navais dizem que os esforços das marinhas demorarão a surtir efeito. Precisamos esperar para ver", disse Pottengal Mukundan, diretor do International Maritime Bureau, em Londres. "É preciso levar em conta que se trata de muita água, uma região extensa", ele disse, em referência aos milhares de quilômetros quadrados de mar que as embarcações de guerra estavam patrulhando.

E há a incerteza quanto ao que fazer com os piratas capturados. Os oficiais italianos em patrulha pareciam desconfortáveis diante da idéia de capturar um pirata real. O destróier não dispõe nem ao menos de uma cela para detê-los.

No entanto, Kenneth Randall, diretor da escola de Direito na Universidade da Alabama e especialista em leis internacionais, diz que "qualquer país pode deter esses sujeitos e processá-los em seus tribunais, sob as leis internas aplicáveis". "Estou surpreso por as pessoas acharem que a situação é confusa", ele diz. "As leis sobre pirataria são 100% claras".

Fonte: Terra/The New York Times - Foto: The New York Times

[Comentário do Popa] O "segurança britânico" talvez não saiba que piratas ingleses atuavam com a conivência de Sua Majestade, inclusive no Brasil. Veja no artigo abaixo.

Piratas e Corsários Ingleses no Brasil

Por mais de duas décadas, a apavorante bandeira negra com o crânio e as duas tíbias tremulou, pressaga e amedrontadoramente, diante de várias cidades da costa brasileira. Embora a presença do sinistro pavilhão do Rei Morte the King Death Banner, como seus sórdidos súditos o chamavam jamais viesse a ser tão freqüente e devastadora no Brasil quanto no Caribe, a pirataria inglesa provocou prejuízo, devastação e morte na Bahia, no Rio e em São Paulo.

O ataque mais famoso foi o de Thomas Cavendish a Santos, no dia de Natal de 1591. Os 300 moradores da vila estavam na igreja no instante em que três dos cinco navios de Cavendish abriram fogo. Pouco depois, entre gritos e tiros, os piratas tomaram o lugarejo, no qual permaneceram por dois meses até não haver mais o que saquear. Cavendish, marinheiro ousado, o terceiro a circunavegar o globo, não era exatamente um pirata, mas um corsário agindo sob as ordens da rainha Elizabeth. Depois de uma dramática viagem até o estreito de Magalhães, ele voltou ao Brasil e atacou o Espírito Santo. Foi vencido, 80 ingleses morreram no combate, e a vila que se defendeu bravamente foi chamada de Vitória, hoje capital do estado do Espírito Santo.

Cair nas mãos de piratas sempre foi considerado um destino pior do que morrer durante o ataque. Elevando o sadismo a uma espécie de arte meticulosamente tétrica, esses facínoras dos mares inventaram mais modalidades de tortura do que os inquisidores espanhóis. A gravura ao lado mostra dois padres, capturados num navio que partira da Bahia em 1718. Sendo obrigados a carregar seis captores nas costas, antes de serem forçados a andar na prancha e jogados ao mar.

O primeiro corsário a navegar em águas brasileiras foi William Hawkins, notório traficante de escravos, membro do Parlamento e amigo do rei Henrique VIII. Entre 1530 e 1532, ele fez três lucrativas viagens ao Brasil, levando numa delas, para Londres, um cacique - "um autêntico rei brasileiro" . Seu filho, John Hawkins (gravura ao lado), e seu neto, Richard, seguiram a tradição e também fizeram vantajosas incursões nos mercados negreiros da Guiné e do Brasil.

O primeiro ataque pirata ao litoral brasileiro foi comandado pelos filibusteiro Robert Withrington e Christopher Lister. Por seis semanas, de abril a junho de 1587 eles assolaram o Recôncavo Baiano. Só foram rechaçados porque o governador Cristóvão de Barros teve ajuda de "índios flecheiros". Em 29 de março de 1595 James Lancaster tomou o porto do Recife e lá permaneceu por 31 dias, carregando seus três navios e outros 12 que "alugou" de franceses e holandeses que ali encontrou com tudo o que pôde saquear. Foi a mais lucrativa das pilhagens ao Brasil, superando até o butim que o infame capitão Bartholomew Roberts colheu em 1711 do galeão português que zarpara da Bahia abarrotado de jóias, ouro e açúcar.
Fonte: "Enciclopédia" - A História dos Corsários

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