A primeira travessia à vela
Impressões de um neófito
Nelson Ferreira Fontoura

Era fevereiro de 2006 quando o Paulo Mordente (Pixote) me ligou. Precisava de um tripulante para um translado de Porto Alegre para Florianópolis. Conhecia o Paulo desde 1999, quando iniciamos a construção do Tiza, o meu veleiro Mordente 27. Nesta época, o Tiza já estava na água há dois anos, mas ainda sem mastreação, em função da escassez de recursos. Navegar a motor já era a minha especialidade, mas o manejo das velas eu só conhecia por teoria e alguns rápidos cursos práticos.

Esta travessia estava nos meus sonhos fazia tempo, e aceitei prontamente. Passei muitas horas imaginando como seria a minha aventura. Entretanto, poucos dias antes da saída, a minha esposa adoeceu, e fui obrigado a comunicar ao Paulo que acionasse o plano "B", pois já não poderia garantir que iria. Felizmente minha esposa melhorou, e pude integrar a tripulação que agora não seria mais de duas pessoas, pois iria mais um casal: Ricardo Englert (Realidade II) e esposa.

Saímos em uma sexta-feira às quatro da tarde. O barco chamava-se Vida, um 48 pés com casco em laminado moldado. Como se tratava de um translado, o Paulo não estava interessado em curtir a travessia: queria mesmo era terminar o serviço de forma rápida e tranqüila. Assim, velejamos sempre calçados no motor: modestos 100 Hp. O barco apresentava armação em Cutter, e navegamos com a staysail e a mestra na maior parte do tempo.

O Vida era muito rápido. Não sei se o speed estava aferido, mas acusava velocidades entre nove e dez nós na maior parte do percurso. Entramos na laguna dos Patos ao final da tarde. O vento vinha de sudeste, e fizemos uma bela travessia noturna, sempre no través. Pela manhã já estávamos entrando no canal da Feitoria, e às três da tarde de sábado, com pouco menos de um dia de percurso, já saíamos pela barra de Rio Grande.

A minha situação a bordo era curiosa: embora disposto a ajudar, pouco sabia fazer de fato. Observava o Paulo e o Ricardo, procurando aprender, e fazia os meus turnos de observação. Neste sentido, liberamos um pouco o nosso comandante, e eu e o Ricardo fizemos a maior parte dos turnos noturnos.

Na verdade, se dependesse do Ricardo, nem isto eu teria feito. Embora fosse um navegador muito experiente em águas interiores, também era a sua primeira travessia oceânica. Ansioso por curtir todos os momentos, e de temperamento pró-ativo, pouco sobrava para eu fazer.

Na primeira noite no mar veio uma surpresa. Terminei o meu turno à meia noite, tomei um copo d'água e fui deitar. O que era só uma dorzinha de cabeça acabou mostrando-se como um enjôo: cargas ao mar. Me vangloriava disto nunca ter acontecido comigo, de forma que aprendi que todos enjoam, apenas temos limites diferentes. O vento havia mudado de sudeste para leste, com cerca de 20-25 nós. O mar apresentava vagas um pouco desencontradas pela mudança do vento. Nada de mais, exceto eventuais borrifos no cockpit. Mas havia encontrado o meu limite pessoal, espero que distorcido em função da ansiedade da primeira noite no mar.

Depois de alimentar os peixes fui melhorando gradualmente e na manhã seguinte, após alternar algumas horas de sono com outras de vigília, já estava "operacional". Ainda apresentava um certo desconforto, mas já pude comer um macarrão preparado pelo Paulo e "trabalhar" normalmente.

O tempo, com exceção do primeiro dia, nunca foi de cinema: fechado na maior parte do tempo, com direito a chuva e chuviscos. Mas o vento foi perfeito: raramente baixou de 20 nós, tendo alcançado 28-30, e na travessia Rio Grande-Florianópolis, sempre de leste.

Segundo o Paulo, foi a melhor travessia que ele já havia feito: rápida e sem necessidade de um bordo sequer. Navegamos praticamente em linha reta de Rio Grande até Florianópolis. Já a minha impressão, como neófito neste tipo de empreitada, não foi tão positiva.

O Vida era um barco grande: andando a 9-10 nós em um mar com vagas, dá para se dizer que sacudia um pouco... Não seria grande problema se houvesse onde se agarrar. Em um 27 pés, tudo está ao alcance da mão, e por mais que o barco possa sacudir, sempre há onde se apoiar ou segurar. Em um 48 pés é diferente: o teto da cabine é bem alto, e com o barco adernado, o bordo de sotavento fica lá longe... Foram vários os esbarrões e os roxos ao final da viagem.

Por outro lado, a navegada foi molhada na maior parte do percurso; molhada por fora e por dentro. O choque nas vagas fazia um borrifo constante no convés. As borrachas de vedação das vigias e gaiutas não eram novinhas, e a vedação do mastro passante também não era uma Brastemp. Moral da história: chovia dentro e tínhamos que escolher cuidadosamente onde dormir e onde colocar as sacolas. No fundo, fiquei com uma impressão de que quanto maior o barco, maior a encrenca. Alguém já escreveu isto antes.

De qualquer forma, barco grande é barco rápido, e na segunda ao meio dia já estávamos aportando no Veleiros da Ilha. Embora talvez não seja nenhum recorde, acho que poucos já fizeram este percurso em menos de três dias completos. Fico imaginando como teria sido no Tiza: mais lento, mas negociando as vagas com mais cuidado. Terei que ver para crer; quem sabe em 2009?

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