Rally náutico
Até que ponto a tecnologia soma?
Danilo Chagas Ribeiro

22 Out 2008
N
o sábado passado participei de um rally náutico no Delta do Jacuí, Porto Alegre, como tripulante da Napele, a lancha de 24 pés do Comandante Luiz Gerbase. Foi uma experiência náutica interessante e extremamente divertida. A tripulação, inexperiente em rallies, foi imbatível na arte do convívio e na alegria a bordo.

Trata-se de uma competição de regularidade em que as embarcações devem manter velocidades pré-estabelecidas para cada trecho. Ao longo das 25 milhas náuticas dos mais de 50 trechos ou pernas do percurso de aproximadamente duas horas, as velocidades variavam de 6 a 18 nós, impedindo que a maioria das lanchas planasse. Segundo informação divulgada na marina, a Marinha teria limitado a velocidade de alguns trechos do rio Jacuí em 5 nós.

Um pouco de história
Os primeiros rallies náuticos realizados em Porto Alegre ocorreram em 1971, tendo por palco o Delta do Jacuí.

O primeiro deles, em 29 de Agosto daquele ano, teve por vencedor o Comandante Geraldo Knippling, a bordo de sua lancha de 80HP.

"O controle era feito em diversos pontos chave oficiais, por barcos ou fiscais ancorados ou estacionados no local. Também havia pontos de fiscalização secretos com localização desconhecida pelos participantes", conta o Mestre Knippling.

Em vez do GPS, os navegadores embarcavam calculadoras que funcionavam à manivela. "Lembro que alguns colegas levavam a bordo as (na época) conhecidas calculadoras Facit. Eram mecânicas e pesavam que nem chumbo. De qualquer forma, foi muito divertido. Compatível com os recursos da época, os resultados levaram alguns dias para serem calculados e publicados", lembra o Comandante Knippling.

Roteiro digital
No rally deste final de semana não havia qualquer marca visível para indicar o percurso. As extremidades das pernas do circuito foram indicadas por waypoints (coordenadas de pontos de passagem). Uma planilha fornecida pela organização, como se vê ao lado, indicava as coordenadas, o tempo, a velocidade e o comprimento de cada perna. Assim, pode-se afirmar que o uso do GPS aumentou o grau de dificuldade da prova. Não havia uma bóia ou uma árvore na margem para demarcar pontos. Era preciso conhecer algo de navegação digital para obter sucesso na prova. Isso estimula a utilização do GPS, trazendo ganhos de conhecimento de navegação.

A coordenação técnica da prova ficou a cargo da Apucron, do Paraná. Segundo informação na festa de premiação, 23 lanchas participaram do evento (R$450/embarcação, com até 4 tripulantes). Considerando o dia chuvoso, foi muito boa a participação dos lancheiros, incluindo tripulantes femininas. Uma das lanchas aliás, foi tripulada exclusivamente por mulheres.

Melissa Gerbase, tripulante da NaPele, percebeu que com uma cópia extra da rota a bordo poderia auxiliar na navegação. Em seguida fotografou a cópia impressa e passou a fornecer informações ao comandante, a partir da tela de sua câmera.

Registro do percurso
A organização cedeu um GPS data logger a cada embarcação. Trata-se de um GPS do tamanho de um celular, sem display nem teclado, que armazena o track (caminho percorrido) da embarcação. Com a devolução dos aparelhos ao final do evento, os dados do trajeto foram transferidos a um computador para o cômputo dos pontos. Andar atrasado ou adiantado em relação aos horários estipulados, ou andar fora da rota, acumula pontos. Quanto maior o número de pontos, logicamente pior é o resultado. Além dos trechos de média controlada, haviam outros com diferentes características de controle.

Tempo x velocidade
A prova organizada pela Marina das Flores foi dividida em duas categorias, sendo uma delas para Graduados, e outra para Principiantes. O campeão dessa categoria, Comandante Rogério Schroder, utilizou equipamentos extremamente simples para vencer. Um antigo GPS Gamin12 indicava o ETE (Estimated Time Enroute), uma função oferecida por qualquer receptor GPS, que mostra o tempo estimado para alcançar os waypoints (pontos do caminho), em função da velocidade do deslocamento. À medida em que a embarcação aproxima-se do destino, o ETE diminui. Se a embarcação pára, o ETE deixa de variar. Quanto mais se acelera a lancha, mais rapidamente o ETE decresce.

Além do GPS, o comandante Schroder utilizou 2 cronômetros de baixo custo que adquiriu no dia da prova. Ao passar por um waypoint, um cronômetro era disparado em contagem regressiva, a partir do tempo estipulado para percorrer o trecho. Cabia ao piloto da Focker255, Marco Braun, além de manter a rota, fazer com que o ETE coincidisse com o tempo estipulado. Durante o percurso, a tripulante Nubia carregava o outro cronômetro com o tempo da perna seguinte e o disparava ao atingir o waypoint de início do próximo trecho, e assim sucessivamente. Como se vê, a leitura da velocidade não foi necessária: lancheiro experiente, Schroder e sua tripulação fizeram a lancha 4Estações andar na velocidade pré-estabelecida, de olho no registro do tempo.

Sobrepondo barquinhos na tela
Consta que o comandante campeão da classe Graduados utilizou um software que, segundo fui informado, foi desenvolvido para rodar com o Track Maker, um programa para navegação digital que atualiza a posição da embarcação a cada segundo na tela. Essa característica é comum a outros programas, como o Ozi Explorer, bem como aos GPS com cartas e aos chart plotters. Assim, isso não representa novidade.

A tela do programa apresenta a carta náutica com o desenho de um barquinho que se move conforme o movimento da embarcação em que se encontra.

A inovação está no tal software que teria sido utilizado pelo vencedor da Graduados. Especialmente desenvolvido para uso em rally, o programa plota um segundo barquinho na tela, que indica a posição onde a embarcação deveria estar. Cabe ao piloto manter os desenhos dos barquinhos sobrepostos. Ao fazê-lo, terá a garantia de estar na rota e no tempo corretos.

O que virá depois?
E assim como outros programas comandam o piloto automático, por que este, desenvolvido para rally, não poderá fazê-lo também em uma próxima versão? Poderá ainda ligar o motor minutos antes da largada, acionar o guincho da âncora e conduzir a lancha até o ponto de partida. Na hora certa, o software aceleraria e, mantendo o rumo, manteria a velocidade correta o tempo todo, poupando a tripulação até mesmo do acionamento do acelerador.

Sem dúvida que o tal recurso utilizado no rally deste final de semana oferece grandes chances do piloto levar o troféu para casa. Mas, salvo melhor juízo, reduz a necessidade de qualificação dos participantes, e pouco soma ao piloto ou à navegação de recreio, de modo geral.

 

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