A relatividade do tempo
Reflexões sobre um cruzeiro de férias
Cylon Rosa Neto

Na medida em que envelhecemos, temos a sensação de que o tempo passa cada vez mais rápido e traz com isto a ansiedade de termos de fazer valer cada segundo vivido.

Esta forma de pensar pode ser revista, se tivermos no contexto normal de dificuldades e percalços do dia a dia, uma busca serena de alternativas que façam entender a necessidade de vivermos estes obstáculos eventuais e termos os momentos primorosos como a referência efetiva. Tenho procurado, especialmente depois dos 40 ( anos, não pés, infelizmente) fazer este tipo de reflexão, transformando as dificuldades em efemérides e os momentos vividos no lazer como aqueles que de fato contam. Aprendendo sempre, como na cabine do Igaraçu, onde tem uma placa que informa não ser contado na vida em anos (ou seja, em ônus) os momentos que passamos navegando.

Dentro desta idéia e na busca de aproveitar da melhor forma possível o curto período de férias, resolvemos fazer um cruzeiro em Angra, já mais próximos dos 40 pés, alugando um 36´ na Delta Yacht Charter, desta forma, buscando um bom uso do tempo quando é cada vez maior distância dos 40 anos e a proximidade dos 50. Bem que poderia ser o inverso, estar mais distante para baixo dos 40 anos e mais próximo dos 50 pés, mas como a realidade teima em ser diferente, vamos navegar pela vivência que nos é oportunizada.

Assim, partimos com expectativa para 7 dias embarcados, na busca da relatividade do tempo, no intuito de fazer este multiplicar-se.

Ao chegarmos, fomos surpreendidos favoravelmente com a estrutura da operadora, onde ao invés de um ambiente rústico típico de um cruzeiro, tivemos um serviço mais próximo de um hotel 5 estrelas, até com roupas de cama de primeira linha e inclusive bordadas (Ficou o exemplo para o Raio de Luar...). Para quem está acostumado às intempéries, este foi um primeiro sinal de bonança e de bons indícios.

Estando cansados da viagem, no primeiro dia fizemos uma navegada curta, ancoramos na enseada de Piraquara de Fora, onde a água é um pouco mais quente, por ter próxima a descarga da água de resfriamento da Usina Nuclear. Foi um fim de tarde tranqüilo, enfeitado pela experiência revivida (depois de 20 anos somente de mergulho autônomo e fotografia) de arpoar um robalo para jantar. Coroado desta forma, o primeiro dia já valeu por muitos.


Robalo para o jantar.

Na seqüência dos dias, fomos brindados pela experiência profícua da convivência familiar em um cruzeiro, cada dia enfeitado por novos cenários, em um lugar mágico como Angra dos Reis, onde em cada enseada temos a certeza de ser esta a mais bela, no momento seguinte desmentida, pois é impossível afirmar qual tem a maior beleza de fato.


Ilhas Botinas, muita vida no mar, apesar da proximidade de Angra.

Aproveitamos os poucos dias de tempo não tão bom para alternativas, como ler, brincar, caminhar, tomar banho de cachoeira, pescar, passear em Parati, mergulhar de forma educativa, tanto de dia quanto à noite, ensinando as crianças a diversidade da vida no mar e os aspectos intrínsecos de disciplina vinculados à vida a bordo, onde o espaço é restrito, desta forma, a cumplicidade e o respeito tornam-se fatores fundamentais. Um cruzeiro pode ensinar muitos valores pertinentes para nossa ação rotineira, as quais, muitas vezes, desdenhamos.


Visita à Usina Nuclear

 


Parati e seus encantos

 

Esta é uma experiência que também testa a fundo a relação familiar pelos fatores acima, assim, além dos aspectos de lazer, beleza paisagística e vivência náutica ligada a um cruzeiro, entendo este seja o maior ganho.


Banho de cachoeira no Saco do Céu

A maioria dos profissionais presentemente tem na restrição de tempo o fator preponderante da atividade de lazer. Um cruzeiro com barco próprio, para nós em Porto Alegre, demanda um esforço e uma logística que dificilmente nos é possível atender. Tenho uma inveja muito sadia daqueles que se organizam e conseguem, eu ainda não consegui. Desta forma, a locação de um barco apropriado em um programa dirigido, talvez represente para aqueles que como nós têm esta dificuldade, a grande alternativa. Neste aspecto, a Baía de Angra dos Reis apresenta a vantagem da beleza, proximidade, facilidade de acesso, além de disponibilidade de serviços diferenciados em qualidade, como aquele que nos foi oportunizado.


Navegada com o Cisne Branco no canal de acesso ao Porto de Angra.


Navio de Cruzeiro em frente ao Colégio Naval - Matheus e a Gabriela nunca haviam visto um de perto

Nós fomos muito felizes por termos levado adiante a idéia, pelas condições de tempo, pelo astral das crianças em tirar o máximo proveito de tudo e pela nossa situação de pais buscando reforçar os fundamentos e conceitos vinculados à formação das respectivas personalidades, onde uma vivência junto à natureza como a de um cruzeiro, traz um retorno absolutamente diferenciado em educação.


Simone “estressada” com o livro e a pescaria ao mesmo tempo.

Talvez seja o momento de começarmos a mudar este conceito de urgência que presentemente o “modus viventi” estabelece, fazendo valer a relatividade do tempo nos aspectos intrínsecos, ou seja, fazendo como de fato foi, cada minuto valer horas, cada dia valer por uma semana e nossa semana embarcados ter representado um período de férias de meses.

O barco para nós tem sido um elo de ligação, tanto no decorrer do ano nos fins de semana quanto nas férias, sendo tanto o nosso Raio de Luar ou aquele que estivermos navegando.

A vida é boa, também é dura, mas é principalmente curta, vivê-la intensamente, com o foco no ser, tendo a sensação de longevidade por atividades que agregam valor afetivo e efetivo, pode ser uma alternativa de sucesso em uma sociedade que prioriza o ter e o resultado imediato para quase tudo. Isto torna nossa existência muitas vezes além de fútil, também volátil, quando na verdade esta nossa jornada poderia ser o sopro sereno de uma brisa de verão, tendo no tempo bem vivido o foco e o fulcro. Está em cada um de nós a opção.


Diário de Bordo do Futuro IV com nosso registro

Cylon Rosa Neto, Veleiro Raio de Luar, 23\03\2008, escrevendo em um dia de reflexão quanto a relatividade do tempo, na data em que completo 48 anos de busca perene por melhores parâmetros qualitativos... (quantitativamente, um 40 pés não seria nada mal...).