Todos os Ventos Para a bússola há 32 ventos, isto é, 32 direções; mas essas direções podem subdividir-se indefinidamente. O vento, classificado por direções, é o incalculável; classificado por espécie, é o infinito. A corrente polar roça na corrente tropical. Eis o frio e o calor combinados, o equilíbrio começa pelo choque, sai a onda dos ventos, inchada, esparsa e toda dilacerada em jorros medonhos. A dispersão dos tufões sacode nos quatro cantos do horizonte o prodigioso esgadelhado do ar. Aí estão todos os rumos; o vento da Gulf Stream, que despeja tanta névoa na Terra Nova; o vento do Peru, região de céu mudo onde jamais se ouviram trovoadas; o vento da Nova Escócia, onde voa o grande Auk, Alca impennis, de bico riscado; os turbilhões de Ferro dos mares da China; o vento de Moçambique que maltrata os juncos; o vento elétrico do Japão denunciado pelo gongo; o vento da África que habita entre a montanha da Mesa e a montanha do Diabo, e que se desencadeia daí; o vento do equador que passa por cima dos ventos regulares, e traça uma parábola cujo cimo fica a oeste; o vento plutônico que sai das crateras e que é o temível sopro das chamas; o estranho vento próprio do vulcão Awu que faz sempre surgir do norte uma nuvem azeitonada; a monção de Java, contra a qual estão construídas aquelas casamatas chamadas casas do furacão; a brisa ramificada que os ingleses chamam busk, bebida; os grãos arqueados do estreito de Malaca observados por Horsburgh; o possante vento de sudoeste, chamado Pampeiro no Chile, e Rebojo em Buenos Aires, que carrega o condor em pleno mar e o salva da cova onde o esperava, debaixo de uma pele de boi arrancada de fresco, o selvagem deitado de costas e retesando o arco com os pés; o vento químico que, segundo Lemery, faz nas nuvens pedras de trovoadas; o Harmattan dos cafres; o sopra-nevespolar, que se prende aos eternos gelos e os arrasta; o vento do golfo de Bengala, que vai até Nijnii-Novogorod devastar o triângulo das barracas de pau onde se faz a feira da Ásia; o vento das cordilheiras, agitador das grandes vagas e das grandes florestas; o vento dos arquipélagos da Austrália onde os caçadores de mel arrancam as colmeias silvestres escondidas nos galhos do eucalipto gigante; o siroco; o mistral; o hurricane; o vento de seca; os ventos de inundação; os diluviados; os tórridos; os que lançam nas ruas de Gênova a poeira das planícies do Brasil; os que obedecem à rotação diurna; os que a contrariam e fazem dizer a Herrera: Malo viento torna contra el sol, os que vão aos pares, para destruir, desfazendo um o que o outro faz; e aqueles ventos antigos que assaltaram Colombo na costa de Veraguas; e os que durante quarenta dias, desde 21 de outubro a 28 de novembro de 1520, puseram em questão Magalhães abordando O Pacífico, e os que desfizeram a Armada, e sopraram sobre Filipe 11. Outros ventos mais, e como achar-lhes o fim? Os ventos carregadores de sapos e gafanhotos que sopram nuvens e bichos por cima do oceano; os que operam o que se chama salto de vento, e que tem por tarefa acabar com os náufragos; os que, com um sopro único, deslocam a carga do navio e o obrigam a continuar viagem todo inclinado; os ventos que constroem os circum-cúmulos; os ventos que constroem os Circum-estratos; pesados ventos cegos, túmidos de chuva; os ventos do granizo; os ventos da febre; os ventos cuja aproximação faz ferver os salsos e os solfatários da Calábria; os ventos que fazem brilhar o pelo das panteras da África andando nos espinheiros do cabo de Ferro; os que vem sacudindo fora da sua nuvem, como uma língua trigonocéfala, o temível relâmpago de forquilha; os que trazem neves negras. Tal é o exército. O escolho Douvres, no momento em que Gilliatt construía o quebra-mar, ouvia-lhes o galope longínquo. (Capítulo IV, “Turba, Turma”, do Livro Terceiro da Segunda Parte) Colaboração: Luis Alberto Grassi |