Porto Alegre - Itapuã
Soltando as amarras, o início das Aventuras do Planeta Água

Fernando Maciel

"Para se chegar, aonde quer que seja,
aprendemos que não é preciso dominar a força,
mas a razão. É preciso, antes de mais nada querer".
Amyr Klink
Frases escritas em placa afixada ao pé do mastro
da grande no Navio Veleiro Cisne Branco,
(Tall Ship) pertencente à Marinha do Brasil.

Quinta-feira, 13 de abril de 2006.
Final de tarde, vamos chegando ao Iate Clube Guaíba com o carro carregado de mochilas e outras tralhas. Tudo o que imaginamos ser necessário para nossa primeira etapa de viagem: Porto Alegre - Tapes, esta era idéia inicial. Marta (almiranta), Vitória, nossa caçula, e este que vos escreve todos muito ansiosos por soltar as amarras do Planeta.

Tralhaiedo¹ a bordo, enquanto as duas se "divertiam" tentando acomodar aquilo tudo no pequeno espaço do Delta, eu ia fazendo os últimos preparativos para a partida. Trazer do box terrestre o bote inflável e o motor de popa auxiliar, acomodar ambos no barco. Abastecer de água e combustível, banho, jantar e quando nos damos conta são 23:00, como não quero iniciar esta viagem numa sexta-feira resolvo sair antes das 24:00h.

Com cuidado vamos deixando o trapiche do I.C.G.
Neste exato momento, tem inicio as aventuras do veleiro Planeta Água, estamos começando a transformar um sonho em realidade.
Motorando no meio da noite escuto: Fernandinho, te cuida! Identifico aquela voz que ecoou na escuridão, era o Armando Michelon no cockpit de seu Cal 9.2 Respondo apenas com um: Valeu!
Fico imaginando quantas vezes ainda vamos soltar as amarras até nosso destino final: o Rio de Janeiro.

No través do farolete do Veleiros do Sul, aciono o piloto e alguns segundos depois escuto um biiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! O cara desarmou! Repito a operação e mais uma vez o nosso tripulante mais importante nega fogo. Desisto! Continuamos motorando em direção a ponta do Dionízio. A estas alturas eu já estava sozinho, minha tripulação tinha adormecido em seus beliches. RM 252° proa través da Piava - S30°06,050' W051°16,150'.

Través da Piava, proa no través da ilha do Presídio RM 204° - S30°07,384' W 051°16,372' vamos via canalete. No través da ilha do presídio aproamos para o Tranqüilo² lá na Ponta Grossa, RM 165° distante 04 MN na marcação S30°10,868' W051°14,042'.
00:30h, Fundeamos em 2,5 metros. Olho a nossa volta e conto mais três veleiros, todos em absoluto silêncio e completa escuridão. Ao soltar a ancora o barulho da corrente em contato com a ferragem de proa despertou em terra um ruidoso vira lata, e que acústica tem este ancoradouro! Logo uma luz de tope se acende, em outro veleiro um facho de luz da voltas na escuridão, para um tempo na direção do Planeta e se apaga. A serenata canina despertou nossos vizinhos. Organizo o Planeta procurando não fazer muito barulho, não quero quebrar mais uma vez o silêncio e a tranqüilidade do abrigo. Antes de me recolher, fico sentado lembrando da primeira vez que estive aqui. Foi pela mão do Bill (I.C.G.), uma pessoa pela qual tenho muito carinho. Lembro que fundeamos o Planeta ainda em sua versão regata e durante horas conversamos sobre nossas vidas. Bill saudoso, lembrou de seu Guanabara - Inseto e de um último beijo... Coisas da vida.

Sexta-feira, 14 de abril de 2006.
Acordo cedo, sem pressa baixo o bote para a água. Pretendo tirar alguns "retratos" deste começo de aventura e também arrumar alguma distração para a Vitória. Quero que a almiranta e a Vitória aproveitem o passeio, de forma alguma esta navegada pode ser cansativa ou mesmo entediante. Pois, é muito importante para mim ter a companhia das duas nas próximas 1500 milhas náuticas, para isto a velejada tem que ser gostosa, tranqüila e até divertida.

Este cantinho de Porto Alegre é muito bonito, é mais um dos vários que nós membros da comunidade "povo da água" temos o privilégio de poder alcançar e contemplar a bordo de nossas embarcações. Passo alguns minutos admirando a beleza deste lugar. Vitória e Marta ainda dormem.

-O café esta na mesa! Anuncia a almiranta. Enquanto tomamos nosso café decidimos não empreender a viagem até Tapes. Sem o piloto não seria uma viagem como imaginamos, seria uma perna cansativa para a tripulação do Planeta.

10:00h, Com o grande e motor vamos contornando a Ponta Grossa. Vitória vem no bote sendo rebocada. Decidimos por uma parada na ilha Chico Manoel, lá vamos preparar o almoço e aproveitar para que Marta e Vitória conheçam a ilha. Sempre que navegamos por estas bandas passamos ao largo. Vencida a Ponta somos presenteados com um ventinho de popa. Combinamos, depois da Chico vamos para Itapuã. Costumamos passar entre a Ponta e as Baleias, meu ponto safo é S30°11,210' W051°15,000'. Atenção para as pedras Baleias da Ponta Grossa na marcação S30°11,222' W051°15,232' deixe em torno deste ponto mais 0,1MN para safar outras pedras submersas. Pode parecer para muitos que estou "chovendo no molhado" ou até querendo "ensinar padre a rezar missa", como dizem os ditados populares. Mas, não faz muito tempo durante uma regata, incrédulos vimos uma tripulação muito experiente (nossos representantes Olímpicos), localizarem aquelas pedras sem o auxilio do GPS. Na época a bordo do Mutley, quando percebemos que os malucos estavam indo direto para as baleias, tentamos sem sucesso contato via radio, gesticulamos e gritamos mas, a pancada foi inevitável. Escutamos em alto e bom som a pancada da quilha dos Olímpicos, e detalhe eles(as) vinham balonando...Coisa muita feia de se ver.

Recolho a amarra e aproximo o bote até que fique bem junto da popa do Planeta, assim Vitória pode voltar a nos fazer companhia. Armo a genoa em asa de pombo e vamos morro abaixo.

Da Ponta Grossa ao través das Pedras do Arado são 04,5MN RM 158° proa na marcação S30°14,798' W051°11,836'.
Do Través das Pedras do Arado até o inicio do canalete da Chico RM 132° distante 02 MN.

12:15h, O Rio esta baixo, com muita cautela vamos motorando pelo canalete dragado que nos conduz até o trapiche S da ilha, com o Planeta devidamente "amarrado" me envolvo com a Vitória que pergunta se pode mergulhar ali. Mal termino de dizer que sim...Ela já esta na água. Em seguida sobe pela escada da popa e mergulha novamente, este sobe e pula se repete uma dezena de vezes. Eu, só de olhar fiquei cansado. Bah! Que saúde! Criança tem um fôlego.

Imagine se isto aqui fosse mar. Pouco lindo! (sotaque catarina, please). Devaneio...Se o rio fosse mar livre de poluição, nossas belezas naturais, baías, enseadas, ilhas e pontas seriam ainda mais belas. Certamente a terra dos barrigas verdes não faria tanto sucesso entre os Porto Alegrenses.
Nós mesmos a uns quinze anos atrás nos enamoramos pela "Santa e Bela Catarina", o resultado deste flerte são dez anos de residência fixa em Garopaba cidadezinha do litoral sul catarinense, distante 400 km de Porto Alegre. Garopaba se tornou famosa primeiro entre os surfistas, isto graças as suas generosas ondas e lindas praias. Hoje a cidade e suas 10 praias abrigam freqüentadores de todas as tribos. Veja mais www...


A almiranta caprichou em seu laboratório. Nosso almoço estava digno de aplausos. Para distrair um jogo de bocha, uma caminhada pela trilha e muitas fotos. Resolvemos passar a noite aqui mesmo, Itapuã fica para amanhã, nada de pressa!

Sábado, 15 de abril de 2006.

09:00h, Sem pressa. É como nos afastamos do trapiche da ilha Francisco Manoel. A BB a Ponta dos Coatis a BE o molhe S da Chico, posição S30°15,731' W051°09,668' RM 147°, deixando pelo través a Ponta das Canoas aproamos para a marcação S30°17,081' W051°01,387' RM 112°, vamos de carona com um vento W bem "sopradinho". Faltam 06 MN para Itapuã.

11:15h, É sempre muito agradável chegar ao Náutico Itapuã, somos sempre carinhosamente recebidos e a Tina se desdobra para que a gente se sinta "ainda" mais em casa. Logo após a nossa chegada, ponho fogo na churrasqueira de bordo. Ficamos ali eu e a almiranta, trocando algumas idéias sobre o futuro enquanto cuido para não incinerar a carne. Vitória, rapidamente se entende com a Renata, filha do casal Elton e Marta do veleiro Presto³ um Main 35, que já estavam lá quando chegamos.

O resto do dia corre tranqüilo. Chove um pouco, quando a chuva para, vamos dar um passeio pela pequena vila. De volta ao clube ficamos um bom tempo na varanda jogando conversa fora.

Domingo, 16 de abril de 2006.

Muito tudo. Muito sono, preguiça, muito tarde acordamos. Improvisamos um almoço na aconchegante cozinha que fica a disposição de todos que chegam até aqui. Vitória, Renata, as Martas, eu e o "deputado" (é como chamamos o Elton mas, não tirem conclusões precipitadas! O "deputado" vem de seus discursos calorosos e inflamados onde ele defende ardentemente suas teses e idéias).

Inicio de tarde chega o Pépe vindo de Pelotas, do Saldanha da Gama. Ele e seu veleiro "Miura". O homem é um exemplo, da gosto de se ver! Um cidadão que não é mais guri e sai por aí navegando "sólito" encarando a lagoa de Pelotas à Itapuã.

Devagarzito, vamos juntando a bagunça e organizando o Planeta. Resolvemos deixar o barco aqui em Itapuã, melhor assim. Na verdade, tive medo de voltar a Porto Alegre para consertar o piloto e depois levar mais um ano para soltar novamente as amarras. Itapuã é razoavelmente perto de Porto Alegre e vamos conseguir fazer o conserto aqui mesmo, até porque o sintoma é de falha por falta de corrente e não defeito eletrônico do piloto. Tudo ajeitado, não demora chega o Bill para nos levar de volta para casa.

¹ Tudo que não pode ser acomodado no interior de um Delta 26.
² Praia situada no Morro da Ponta Grossa, Rio Guaíba - RS.
³ Veloz




Cartas náuticas utilizadas
2108, 2109 e 2111

Leitura Sugerida
Descobrindo o Guaíba - Geraldo Knippling
O Guaíba e a Lagoa dos Patos - Geraldo Knippling
Caminhos da Lagoa dos Patos - Luiz Fernando Santiago Velasco

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