"Não aguentamos mais" 08 Jun 2009 O navio cargueiro alemão Hansa Stavanger foi capturado por piratas somalis há três meses. As negociações de resgate deram errado várias vezes, e a tripulação, cercada de atiradores mascando "khat", ficou sem suprimentos médicos e está desesperada. No primeiro sinal de vida em mais de três semanas, o capitão do navio sequestrado Hansa Stavanger enviou uma mensagem desesperançada à mulher dele na última sexta-feira (03/7): "Não temos água, alimentos ou remédios". A tripulação do navio de containeres de Hamburgo capturada por piratas somalis no dia 4 de abril está exausta, emocional e fisicamente: "Não aguentamos mais", escreveu o capitão. Nada tinham ouvido da empresa em Hamburgo proprietária do Hansa Stavanger, Leonhardt & Blumberg. O grito desesperado por ajuda foi o mais recente em um jogo de negociações de alto risco no qual nenhum lado quer ceder. Afinal, o jogo não é apenas sobre vidas humanas - é sobre dinheiro. Muito dinheiro. As vítimas deste duro regateio são a tripulação do navio, para quem cada dia a mais no cativeiro é mais um dia no inferno. Os piratas estão em cada vez mais agressivos; comida e água há muito são insuficientes e muitos marujos estão doentes. Durante as primeiras semanas em cativeiro, os oficiais ao menos tiveram permissão de se comunicarem regularmente com suas famílias por telefone e algumas vezes por e-mail. Os piratas controlavam e até possivelmente encorajavam os reféns a descreverem sua difícil situação, para aumentar a pressão do outro lado. Evidentemente, é difícil verificar a veracidade dos relatos dos marujos. Pelo que informaram aos seus parentes em casa, o medo de um ataque pirata acompanhou os tripulantes em sua viagem de Jebel Ali, um porto nos Emirados Árabes Unidos, até Dar es Salaam, a maior cidade na Tanzânia. A tripulação consistia de 24 homens. Cinco deles eram alemães, inclusive o capitão e o primeiro oficial. Eles sabiam que estavam cruzando um trecho de oceano que é atualmente o mais perigoso do mundo. Na noite anterior a sua captura, o Oceano Índico estava liso como aço polido -perfeito para a tomada de um navio. Apesar de estar viajando a 550 milhas náuticas da costa, bem acima da margem recomendada por segurança, o capitão mandou apagar todas as luzes e cobrir todas as janelas. Nenhuma luz deveria ser visível do lado de fora. Ele desligou inclusive o sistema de identificação automático que informa a posição exata de um navio, um dado que poderia ser interceptado por piratas. Um de seus tripulantes monitorava o radar continuamente. Se outro navio se aproximasse, ele deveria soar o alarme e mudar de curso imediatamente. Essa manobra talvez desse à tripulação tempo de alertar os navios militares da "Operação Atlanta", missão de combate à pirataria da União Europeia. Pelo menos era essa a esperança do capitão. A noite se passou calmamente, apenas os motores do navio rompiam o silêncio. Com o nascer do dia, o Hansa Stavanger já estava fora da região dos piratas, a cerca de 400 milhas náuticas a leste de Mombaça, Quênia, seu próximo destino. Eles pareciam ter tido sorte. Ataque súbito Então, subitamente, dois projéteis atingiram o navio abaixo da ponte e um terceiro passou a poucos metros de distância. O deque pegou fogo e rajadas de tiros soavam contra o aço enquanto a tripulação buscava proteção. Minutos depois, os piratas estavam a bordo. A fragata da marinha alemã Rheinland-Pfalz, que estava a caminho de Mombaça, mudou de rota e dirigiu-se para o Hansa Stavanger. A fragata de 200 tripulantes é equipada com canhões e helicópteros. Quando surgiu, os piratas apontaram um rifle Kalashnikov para a cabeça do capitão. "Voltem, ou eles vão me matar", foi sua mensagem pelo rádio. O navio militar alemão retirou-se. Naquela tarde, o capitão informou a captura do navio à empresa em Hamburgo. Os piratas exigiam US$ 15 milhões (em torno de R$ 30 milhões) de resgate. O Hansa Stavanger ancorou na baía de Harardhere, ao longo da costa somali. O deque e a cabine do capitão estavam completamente incendiados e as outras cabines tinham sido pilhadas. "Os piratas estão drogados, mas são amigáveis", escreveu o capitão para a mulher. "Não se preocupe, estamos esperando pelo resgate." Uma semana se passou sem contato da empresa proprietária. Cada vez que um navio de guerra se aproximava, os piratas entravam em pânico. "Não há uma estrutura de comando clara entre os piratas. Todo mundo abre fogo quando quer", escreveu o capitão no dia 11 de abril. Ele acrescentou que ainda não tinha ouvido nada da empresa em Hamburgo. Sua mensagem incluía desejos de "feliz páscoa". "Outro dia cheio de terror e medo", escreveu o capitão na manhã seguinte. A tripulação dormiu na ponte guardada pelos piratas, que carregavam metralhadoras. Seus captores se revezavam dormindo no deque com cobertores e colchões a céu aberto. No dia 12 de abril, oito dias após o ataque, o capitão teve notícias de sua empresa pela primeira vez. Em circunstância alguma ele deveria negociar; deveria deixar tudo a cargo da empresa, cujo negociador estaria disponível de 10h da manhã até o meio-dia todos os dias. Seu nome era Peter Shaw, do Amor Group, no Reino Unido. Ele ofereceu US$ 600.000 (cerca de R$ 1,2 milhão) e começou a negociação. O homem que falava em nome dos piratas se chamava Faisal. Ele agora exigia US$ 6 milhões em vez de US$ 15 milhões e ameaçava destruir o navio. Era sua última oferta, dizia. As ameaças faziam parte do ritual. Fedor de excremento, falta de alimento e água O capitão e o primeiro oficial não tiveram permissão de deixar a ponte. Eles não podiam tomar banho, e suas roupas agora estavam sendo usados pelos piratas, que mascavam a droga "khat" e sorriam. Toda vez que novos homens subiam a bordo, as coisas ficavam inconfortáveis. Eles buscavam saquear o navio e ficavam furiosos quando não encontravam nada. "Ainda estamos resistindo, mas não sabemos por quanto tempo", escreveu o capitão no dia 15 de abril. O navio inteiro cheirava a excremento e urina, o alimento era racionado e não havia mais água. Quando ancorado, o navio só produz água não potável, usada para lavar os banheiros e a roupa. Agora, era usada para beber e não era suficiente. Havia quase 60 pessoas a bordo, o dobro do que o navio era capaz de suportar. O capitão não achou que sobreviveria ao dia 20 de abril. As negociações tinham atingido um impasse, e os piratas estavam impacientes. "Eles nos reuniram na ponte. Eles disseram que iam nos matar, de um a um... eles me vendaram com fita adesiva e me arrastaram pelo deque... eles gritaram e atiraram bem ao lado da minha cabeça... eu estava quase inconsciente quando eles me arrastaram de volta para a ponte me jogaram no chão." Em certa altura, um avião jogou uma caixa na baía e, pouco depois, um dos cargueiros sequestrados levantou âncora e partiu para o mar aberto. Os tripulantes do Hansa Stavanger encheram-se de esperança que outro avião chegaria em breve trazendo o resgate e a liberdade para eles também. Desta vez, contudo, o governo alemão quis deixar claro que não queria ser chantageado por piratas. O plano era levar a unidade de combate ao terrorismo GSG-9, da polícia federal alemã (foto) sob o comando do ministro do interior Wolfgang Schäuble, da União Democrata Cristã, para avaliar se os piratas poderiam ser dominados, e os reféns resgatados. Planos de uma operação de resgate Enquanto isso, as negociações entre o negociador da empresa de navegação e os piratas se arrastavam. O terceiro oficial do navio sofreu um ataque cardíaco ao qual mal sobreviveu. "Nós imploramos, por favor, ponham um fim a esse terror psicológico e negociem", escreveu o capitão à empresa no dia 24 de abril. "Não tenho mais qualquer influência sobre os tripulantes, e eles estão todos mentalmente exaustos." No dia 25 de abril, Olaf Lindner, diretor do GSG-9, praticou a missão de resgate com 200 membros da equipe de elite a bordo do navio porta-helicóptero americano Boxer. Eles estavam a 80 km a leste de Harardhere, fora da vista dos piratas, e tinham helicópteros, sondas de reconhecimento e equipamentos de mergulho à disposição. "Estamos prontos", dizia a mensagem de Lindner para Berlim. Os piratas ficaram nervosos. Eles tinham visto aviões voando acima do Hansa Stavanger. À noite, todas as luzes do navio ficaram ligadas e homens com metralhadoras assumiram posições de vigilância na ponte e na proa. O deque estava coberto de "khat" mascado e cuspido pelos piratas. Cabritos passeavam livremente, para serem mortos mais tarde. Antes que o ministro do interior alemão pudesse dar a ordem para a GSG-9 executar sua missão, James Jones, assessor de segurança nacional dos EUA, pôs fim à operação com uma ligação ao governo alemão. O risco era alto demais para os EUA. O Boxer recebeu ordens de voltar a Mombaça. Um pirata, chamado Abdi tinha assumido as negociações. No dia 5 de maio, um acordo parecia estar próximo, e a entrega do resgate foi preparada. Então, cinco dias depois, as esperanças desmoronaram novamente. Os piratas mudaram de negociador, o "senhor China" foi chamado e dobrou suas exigências. Eles possivelmente ouviram falar, de seus intermediários na Europa, da missão de resgate cancelada da GSG-9, o que elevou o preço. No dia 9 de maio, os piratas liberaram o cargueiro britânico Malaspina Castle após o resgate ter sido pago na semana anterior. O navio tinha sido capturado dois dias após o Hansa Stavanger. O destino da tripulação está primariamente nas mãos da empresa de navegação em Hamburgo, que também está sendo assessorada pela equipe de crise do Ministério de Relações Exteriores alemão e o Escritório Federal de Polícia (BKA). Contudo, como a empresa será responsável pelo pagamento, também terá a palavra final. Nenhuma resposta de Merkel Os parentes da tripulação estão sendo atendidos por policiais treinados com esse propósito. Ainda assim, sentem-se impotentes. Foram rechaçados por todos a quem apelaram: o Ministério de Relações Exteriores e o BKA. O pai de um dos comandantes do navio escreveu à chanceler Angela Merkel e ao presidente Horst Köhler, assim como a Norbert Röttgen, líder do grupo parlamentar do CDU no Bundestag, e a Hans-Christian Ströbele, do Partido Verde, de oposição. Até agora, apenas Röttgen respondeu, após três semanas. O pai achou a carta do político educada, mas sem efeito. Os especialistas do governo também estão perdendo a paciência. Uma delegação do BKA foi para Hamburgo conversar com Frank Leonhardt, diretor da empresa de navegação, mas este não quis ceder. Ele tinha feito uma oferta e não queria mais negociar. Leonhard foi diretor da Associação da Marinha Mercante alemã até novembro de 2008. Será que estava tentando evitar incentivar os piratas a capturarem navios alemães? A empresa disse ao "Spiegel" que o BKA e o Ministério de Relações Exteriores pediram que não desse informações até que os reféns fossem libertados. Depois, no dia 15 de maio, outro navio levantou âncora e deixou a costa da Somália. Era o cargueiro Patriot, de propriedade da empresa de navegação de Hamburgo Johann M. K. Blumenthal. Os piratas tinham capturado o navio três semanas após o Hansa Stavanger. Estamos todos desesperados A esposa do capitão do Hansa Stavanger escreveu uma carta desesperada a Leonhardt, culpando-o pela duração do sequestro do marido. Leonhardt pediu que seu gerente de recursos humanos respondesse. Sua maior ambição era libertar a tripulação, escreveu o gerente em uma carta no dia 25 de maio. As negociações com os piratas são difíceis, acrescentou, porque eles não se atêm aos seus acordos e continuam a fazer novas exigências. Parecia que um acordo afinal estava para acontecer no início de junho. O dinheiro supostamente seria entregue no dia 12 de junho. A tripulação estava no fim de suas forças, muitos estavam com febre e alguns dos piratas claramente tinham tuberculose. A farmácia no navio estava vazia e o tempo estava ficando pior. As monções tinham chegado, com ondas altas ameaçando o navio ancorado. Dois dias antes da entrega do resgate, um pirata de alta posição hierárquica entrou a bordo. Ele queria mais dinheiro, especialmente pelos reféns que estavam sendo vigiados e cuidados em terra. E ele não queria negociar. Há duas semanas, outro avião sobrevoou a baía de Harardhere, trazendo o resgate para o cargueiro belga Pompei, mantido pelos piratas somalis por mais de dois meses. Na última sexta-feira, o capitão enviou um e-mail desesperado à chanceler Ângela Merkel, dizendo que ele e sua tripulação não conseguiam acreditar que suas vidas e seu sofrimento valiam menos que dinheiro. "Estamos todos desesperados, alguns estão doentes", escreveu. "Estamos pedindo com educação, mas com firmeza, que nos ajude e convença a nossa empresa a pôr fim a este jogo insano". As negociações voltaram a acontecer naquela tarde. Tradução: Deborah Weinberg
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