Travessia de bancos de areia na Lagoa dos Patos
Translado do Micro 19, de São Lourenço do Sul para Porto Alegre
José Campello

19 Fev 2009
Data: 31/01/09
Local: São Lourenço do Sul/RS (Lagoa dos Patos)
Participantes: Comandante José Campello, Ari Valter e Ricardo Cassali
Nome atual: SUKAMAY
Nome futuro: THERMOPYLAE

Partimos 10:00h já com bom atraso, em função das arrumações normais de última hora para uma velejada de 125 Mn entre São Lourenço e POA.

Adentramos a Lagoa dos Patos sob um dia nublado com ventos sudoeste de média intensidade, com a bujinha e a grande na 1ª forra de rizo. Havia grandes expectativas quanto às condições do clima uma vez que os sites de previsão de tempo estavam bastante desencontrados. Alguns previam ventos de 10 a 15 nós de oeste a sudoeste, outros de até 30 nós na faixa litorânea junto ao mar, uma vez que se afastava para o oceano um centro de baixa pressão sem descarte de formação de ciclone extra tropical. Havia apenas uma coincidência comum a todos, o vento deveria ser de oeste a sudoeste e choveria.
Logo de início nos deixamos empurrar pelo vento de oeste entrando pela alheta de boreste que nos gerava um desvio razoável, acusado pelo mapa do GPS Garmin 76 Cx da rota que o colega Maurício Mancini nos fornecera, a mesma praticada na transferência do veleiro Joshua, um Madruga 24, há 3 anos como convidado.

Apesar do vento nos atingir pela popa, escolhêramos por segurança uma rota conservadora mais orçada que nos levava ao centro da Lagoa. As correções foram feitas com sucessivos jaibes que cruzavam a linha da rota, ora por um bordo ora por outro.
Começamos logo a testemunhar o assédio de várias nuvens indesejadas, pouco amistosas e sentir as conseqüências destas aproximações com boas pancadas de chuva no lombo. Tudo bem, estávamos preparados para isto. Em algumas, o vento aumentava e depois normalizava.

Ao chegarmos ao banco do Quilombo, o 1º dos 4 bancos da Lagoa do lado oeste, não encontramos qualquer sinalização de portão ou referência de estacas que indicasse ali ser a passagem procurada. Estas existiam no passado. Conferimos as informações de GPS com localização e não constatamos erros. Na aproximação, alguns toques da bolina no fundo nos fez içar imediatamente tanto esta como o leme. Não portávamos ecobatímetro no barco, o que agravava nossa aproximação e a visão de fundo. Após algumas investidas, as ondas delineavam a linha do banco e não havia qualquer indício de passagem com menos onda por perto. Baixamos as velas e ligamos o motor de 4HP que nos era ainda uma incógnita e resolvemos enfrentar o banco na esperança de sua profundidade não fosse menor que 30/35 cm, calado mínimo de nossa embarcação.

Após a perda de 1:30h e razoável stress nestas manobras, forçando a passagem, conseguimos ultrapassar o banco recolhendo praticamente toda a bolina e tocando regularmente o fundo, abrindo uma nova canaleta no banco do Quilombo que a título de piada poderá ser aprofundada e melhor dragada por veleiros maiores futuramente.
Por outro lado, as formações de nuvens sobre nossas cabeças, não cessavam e se dispunham a nos castigar um pouco mais infligindo alguns sustos nos aventureiros.

Na lagoa é como se estivéssemos no mar. Toda a calota acima de nossas cabeças é visualizada 100%. Não existe qualquer obstáculo a impedir a visão. Tínhamos a visão completa do horizonte por qualquer quadrante que se escolhesse. Assim, víamos a todo instante, formações isoladas de nuvens carregadas cruzando o céu em rotas diferentes. Algumas nos respeitavam se desviando, outras nem tanto, até que o Ari descobriu uma que vinha pela popa em nossa perseguição. Toda branca tinha um manto esbranquiçado e compacto que a ligava ao solo, ou melhor, à água. Iniciamos uma rota evasiva, fugindo por uma das extremidades. A tática estava dando resultado, quando perscrutando em volta descobrimos outra formação vinda pelo oeste, esta escura densa de um chumbo ameaçador, correndo pelo continente.
Notamos que as duas se fechavam em cima de nós em forma de tesoura.
Nesta altura, o Cassali já dava sintomas do mal do balanço das ondas, comum para inúmeros velejadores.
Embora conseguíssemos quase despistar a 1ª formação, a 2ª se aproximava ameaçadoramente.
No instante seguinte, entra pelo rádio uma voz amiga de alerta, certamente vinda de São Lourenço. “ Atenção veleiro Sukamay, atenção veleiro Sukamay preparam-se para forte temporal. Encaramos aquilo como alerta de Nª Sª dos Navegantes, a qual pedíramos proteção antes da partida.
Pedi imediatamente para baixarem a vela de proa, a mais rápida. O Ari correu para a proa enquanto o Cassali ajudava no “piano” livrando a adriça da buja do mordedor. Na metade da operação o vento nos atingiu. Depois de muita gritaria e luta a buja resultou derrotada e estacada no convés enquanto a vela grande panejava loucamente com o barco aproado ao vento. Com o vento se aproximando de 30 nós instalamos a 2ª forra de rizo na vela mestra e começamos a velejar de través abandonando nossa rota. Estávamos a apenas 4 milhas do banco Vitoriano ( 2º banco do percurso).

No 1º impulso decidi tomar o rumo do farolete do banco Vitoriano, para montá-lo por fora pois ainda tinha altura e a mestra me permitia ensaiar uma orça folgada. Não seria possível atravessar o banco naquelas condições.
Conseguimos dominar bem o veleiro só com a mestra no 2º rizo, mas o vento não cedera e mostrava consistência após a formação nos atingir, demonstrando que viera para ficar se firmando e soprando do Sul. Então nenhuma previsão acertara. Aquilo parecia uma entrada de frente fria, mesmo que de intensidade razoável. A única variável que batia com uma das previsões era a intensidade do vento estimada perto de 30 nós.

Agora, nossas alternativas se dividiam entre abandonar a rota dos bancos e contornar os faroletes de suas extremidades pelo centro da Lagoa ou persistir na travessia dos bancos. Olhei em volta e vi o Cassali dominado pelo mal das ondas e o Ari já com os mesmos sintomas e decidi retornar à raiz do banco Vitoriano, para a segurança relativa das margens na expectativa de que o vento amainasse. Muito antes da margem tivemos um toque de bolina no fundo. Era o sinal que deveríamos lançar âncora sem demora. Não havia abrigo para o vento sul nas imediações. Levantamos a bolina, passei o timão para o Ari e busquei a âncora Danforth de ferro do barco e a lancei ali mesmo. O barco repentinamente paralisado investia enfurecido contido pela âncora firmemente unhada. Parecia se rebelar e tentar escapulir daquela prisão, enquanto para nós iniciava-se um período de espera e de avaliação das circunstâncias imune a maiores riscos, por enquanto. O Cassali, abatido se lançou para dentro do barco enquanto o Ari ainda resistia ao enjôo, porém não tardaria a lançar os restos do estômago aos patos, a exemplo do Cassali. Fiquei apreensivo, pois também sentia uma leve pressão na garganta e a única vez que caí vítima deste mal fiquei imprestável por dois dias.

Vimos as horas passando e o destino se definindo com relação a 1ª noite em que pretendíamos pernoitar em Arambaré. O vento Sul era constante e forte na casa de 25 nós. Uma preocupação maior persistia caso o vento viesse a rondar para leste nos embretando contra a raiz e impedindo de orçar na saída, uma vez que estávamos com a bolina razoavelmente recolhida. Não teríamos leme nem bolina suficiente para ensaiar um retorno à área navegável pela orça nestas condições, quando o motor de popa estaria descartado.
Durante a noite, totalmente incomunicáveis por rádio ou telefone, pouco dormimos, devido aos solavancos. Ainda assim nossa situação transcorreu com boa segurança, a mercê de estarmos em águas desabrigadas. De manhã foi difícil acordar e recolher a tripulação combalida. Levantei-me, analisei a situação e decidi enfrentar o banco mesmo com o ventão. Este rondara levemente para o sudeste, mas ainda permitiria a manobrar para uma retirada segura. Passei o plano para a “rapazeada”, acrescentando que por mim não haveria problemas em esticar nossa estadia ali, se não estivessem em melhores condições. Tínhamos víveres e água suficiente. Poderíamos chegar na quarta em POA, sem qualquer problema. O clima firmara e os temporais se foram.

Aos poucos, o Ari conseguiu reagir e começou a trabalhar, não sem antes assumir de vez a função de “médico” de bordo lastreado por sua farmácia ambulante instalada dentro de uma respeitável caixa de ferramentas branca, muito bem vinda a bordo e de dar inveja a muito barco de médico. Para tanto, já tentara no dia anterior se firmar na função receitando uns comprimidos de Dramin ao Cassali, que os jogara fora junto com as cargas aos peixes. Tomado de seus conhecimentos homeopáticos relatou com alguma dificuldade os passos de preparação de um remédio Hidrafil ou Hidrofex para curar a ele próprio e ao Cassali. Fiz tudo de acordo e iniciaram imediatamente o tratamento que se esperava reagisse rapidamente. Depois de alguns goles do líquido amarelo ingeridos intercaladamente a cada 10 minutos, já mais fortalecido, me ajudou a colocar o tormentim, porém no momento que eu engatava o olhal do punho da testa no encaixe do convés continuou a caçar a adriça e no puxão me retirou da mão o olhal e o vento safado, se divertindo comigo, levou a vela para as alturas. Tentamos com o croque buscá-la em cima da retranca com o barco jogando muito e não a alcançávamos. Quase caí da retranca com croque e tudo. Após várias, tentativas numa queda de rajada, a vela baixou um pouco e consegui engatar o croque trazendo-a de volta. Que sufoco e que cansaço? Lá se foram meia hora.

Montamos a grande no 2º rizo e fomos então para a âncora. Neste instante, conseguimos ressuscitar o Cassali da cama que saiu cambaleando, direto à borda para mais um lance de cargas aos filhotes de peixes. Já parcialmente refeito, sua ajuda, permitiu puxarmos até a corrente o cabo da âncora que prendi nos cunhos. Cada vez que o barco entrava na cava da onda avançava mais um pouco cuidando para não deixar a mão ou os dedos prensados. Após muitos trancassos no convés e nos cunhos, a âncora soltou-se. Quando a recolhemos estava virada num chapéu velho. A haste estava retorcida e fletida a 45º de tal jeito que não conseguia mais fechar. As pás das unhas perderam totalmente o alinhamento, uma para cada lado. Coitada, antes de “expirar” cumpriu seu dever. Não posso maldizê-la porque nos agüentou batendo a noite toda até o final. Neste momento o Ari no timão já mais recuperado, conseguiu bem posicionar o barco e pegar um rumo ideal e começamos a orçar para as águas mais profundas. Que alívio, saímos com a tripulação intacta!

No GPS, voltamos para a rota e seguimos para o banco Vitoriano 2,5 milhas a frente, dispostos a ultrapassá-lo. Lá chegados, pouco acima da raiz, baixamos as velas e não vimos nenhuma das referências que esperávamos.

Após avaliarmos a nova situação já encima do banco com a bolina e leme recolhidos, encalhamos num baixio mais aflorado. Desci à água pelos joelhos para procurar o melhor local de passagem e descobrimos que estávamos distante uns cem metros da mesma, junto a uma ilhota. O Cassali, momentaneamente recuperado me seguiu e conseguimos ir arrastando com o ajuda do motor sob o comando do Ari até paralisar novamente. Numa investida a pé de 360º definimos o ponto e a direção mais adequada para atingir a passagem. Quando o Ari desceu do barco, não que estivesse acima do seu padrão de peso, o barco reagiu, cedendo ao nosso esforço, sendo então gentilmente conduzido ao ponto de passagem correto. Apesar do vento sempre soprando com intensidade, encima do banco as águas estavam calmas e depois de mais 1:30h de manobras conseguimos superar mais este obstáculo. Tínhamos então mais 18 milhas até o banco de Dona Maria.

Já na tarde, o vento parecia diminuir permitindo colocar a genoa e tirar inicialmente o 2º rizo da mestra e mais tarde o outro. Notei que o Cassali quando solicitado, reagia bem à faina e melhorava do enjôo, porém quando começava a o balanço, sem grandes funções a bordo o mal retornava e novas cargas eram lançadas à Lagoa. O Ari me olhava surpreso impressionado que seu tratamento não surtia efeito definitivo no Cassali. Minha preocupação era com a desidratação dos dois que só tomavam uma solução salgada amarelada aos goles, tipo soro e o Cassali não consumia quase nada de água. Ele dizia que qualquer coisa que batesse no estômago resultava na reação de vômito. O Ari estava deveras confuso com estas ocorrências freqüentes e eu a ponto de empanturrar o Cassali de água. Surpreendia-me também com estes dotes do Ari para Medicina. Em plena Lagoa dos Patos, ele que é engenheiro, trabalha no mercado imobiliário, já mostrara em terra algumas qualidades e tendências para a Advocacia e agora em água despontava este novo lado medicinal. Pensava em silêncio, que mais este amigo velejador iria revelar até o fim da velejada.

Nossa velejada até o banco Dona Maria foi tranqüila e gostosa. Corríamos contra o tempo em zig zag com vento em popa, pois desejávamos pernoitar no Clube Náutico de Arambaré, porém ainda restava o 3º banco que se aproximava rapidamente.
Novamente surpresas nos esperavam em plena linha de rota, logo batemos inesperadamente no fundo antes de chegar ao ponto culminante da passagem. Eram alfaques. Investimos para ambos os lados e estávamos cercados deles e águas rasas. Depois do sucesso da travessia do Vitoriano, inspirados nas façanhas de Garibaldi, elevamos o Cassali, como nosso Garibaldi para nos apontar o caminho da passagem do banco. Neste momento baixávamos a vela grande aproada ao vento quando para nossa surpresa a vela trancou no mastro a ¾ da altura. Não houve jeito de baixá-la e com aquele vento de popa não poderíamos nos arriscar a entalar num dos inúmeros baixios aflorados. Enquanto já cogitava contornar o farolete de fim de banco lá no centro da lagoa, o Ari veio com a idéia salvadora: deixar a vela por lá estendida e conduzir o barco aproado ao vento de costas com o todo o resto recolhido. Preocupado com a situação da vela emperrada, não me ocorrera tal idéia, logo adotada. Enquanto o Cassali e eu inspecionávamos a raiz do banco em busca de águas menos rasas, o Ari ancorava o barco aproado. O Cassali logo conseguiu encontrar uma passagem que suspeitávamos desse certo.
Depois de 2h de manobras e inspeções logramos conduzir o barco manualmente eu e o Garibaldi, digo o Cassali guiando-o de cada lado na popa e o Ari na proa a pé deixando-o correr de costas com segurança e com a vela grande encima trancada, mas sempre aproada ao vento, sem pressão.

Minha preocupação agora seria como baixar a vela em Arambaré. Eram 18h quando saímos do banco e pretendíamos chegar ainda com luz no balneário, uma foz difícil mesmo para um barco como o nosso. As primeiras estimativas do GPS mostravam chegada às 21:00h. Arrumamos as velas, tiramos todos os rizos, colocamos a genoa maior, instalamos o pau de Spinnaker, armamos asa de pomba, vento de alheta, barco regulado com velocidade de 5 nós de média disparando para baixar a estimada para às 20:15h, ainda com luz.

Quando nos aproximamos tentamos o contato por rádio várias vezes, mas ninguém nos esperava. Só notaram nossa presença quando era inevitável nossa aterragem pela aproximação das duas balizas na entrada estreita e de baixíssima profundidade. Na aproximação, tivemos de entrar pela baliza de sotavento com a vela grande encima quase aproada ao vento sul e o motor de 4 HP a toda RPM tentando recuperar a deriva inevitável sem bolina e sem leme. Nos atravessamos completamente na foz conseguindo recuperar altura até a baliza de barlavento e então entramos em diagonal em meio a batidas da bolina no fundo de aproximadamente 40 cm de profundidade. Como resultado, ganhamos o arroio Velhaco, com boa torcida e então já com profundidade de 6m, segundo os pescadores e velejadores locais. Fomos então bem recebidos e atendidos pelo pessoal do Camping e outros velejadores. Para nossa surpresa ao arriar a grande a vela baixou como que ensebada, motivo de grande satisfação do comandante.

Fomos muito bem recebidos na cidade balneária. Conhecemos o administrador do Camping, além de Adriano e sua esposa, proprietários de um veleiro Guanabara fabricado em Pelotas na década de 1940, com longa história por Bagé e Rio Grande. Ele estava semi-abandonado, cheio de água e agora nas férias do proprietário começava a ser recuperado. A família quase nos adotou, oferecendo aperitivos e o Adriano Becker nos ofertando previsões de tempo em 3 sites de sua residência de praia.

Nesta altura, o Cassali e o Ari já recuperados exaltaram a idéia para jantar uma pizza. Por precaução solicitamos uma pizza grande para os 3 que apesar de saborosíssima ainda sobrou um pedaço. Demos uma volta pela animada cidade à noite, tomamos um bom banho e fomos dormir.

Acordamos às 7:00h e partimos às 8:00h com vento nordeste de uns 13 nós bem desfavorável. O Adriano madrugando, porém, nos ensinou os segredos da saída e seguindo a arrisca deixamos o simpático Balneário e aqueles anfitriões exemplares. Confessaram eles depois da chegada que até fotos bateram do Sukamay na aproximação, tão raro está a visita de veleiros forasteiros no local. Apenas 4 veleiros residentes ancoram lá hoje. No passado havia bem mais. Os barcos a motor de pesca e dos visitantes do camping do clube náutico dominam hoje 80% das vagas. Infelizmente as condições da barra e do vento predominante não se prestam aos veleiros.
Na saída, primeiro levantamos a vela grande na poita e rumamos no motor até a foz sem praticamente bolina e leme. Antes de ultrapassar a foz com vento pela frente enveredamos por um alfaque à esquerda (norte) entre a praia e o banco, não sem antes dar uma encalhadinha, mesmo seguindo a orientação do Adriano.
Então escolhemos o local com menos ondas na arrebentação e investimos contra o banco com motor e grande em posição de orça largando a bolina após a arrebentação conseguindo uma saída satisfatória sob o olhar e aprovação de nossos amigos.
A partir daí, contraventamos por 4 horas até o banco dos Desertores, seguindo a rota do Maurício Mancini.

Mais uma vez nos surpreenderíamos. Um pescador nos informara que havia uma bambona flutuante no local a 500m da raiz do banco com passagem farta de 60 cm ou mais. Ficamos entusiasmados com estas informações, achando que seria a mesma passagem de nossa rota e desta vez seria fácil. Pois sim!!!
Para nossa surpresa percorremos o banco paralelamente sem avistarmos bambona alguma. Avançando mais adiante em direção ao ponto da rota, também não localizamos qualquer passagem. O banco quase aflorava com ondas em todo comprimento. A Lagoa andava muito baixa mesmo. Mais uma vez ficamos sem referência diante de uma profundidade nada animadora, vista a distância.

Requisitamos prontamente o Cassali, diante dos sucessos anteriores de sua atuação na travessia dos demais bancos. Mesmo já portando novos sintomas de enjôo, prontamente se apresentou diante da convocação. O Ari continuava surpreso diante da persistência de seu enjôo, uma resposta desalentadora ao tratamento idealizado que lhe aplicara dia anterior. Achava que o chocolate ingerido de manhã lhe tinha feito mal.

O Cassali registrava a característica de quando solicitado para uma tarefa, melhorava consideravelmente. Sua função era relativamente simples: a de encontrar uma passagem a pé naquele banco de quase 7 milhas de comprimento. O agravante era que estávamos com a vela grande içada e não queríamos baixá-la pois se a tentativa resultasse fracassada, pretendíamos usá-la para retorno. O vento era de frente e a vela tinha de ir aproada. Isto gerava uma sobre carga para ele. No 1º instante não descemos do barco e pedimos para o Cassali fazer uma minuciosa inspeção caminhando por cima do banco com águas pelas canelas.
Olhávamos para um lado e para outro e víamos as ondas da arrebentação se perpetuarem para qualquer lado. Novamente pensei em contornar o banco pelo farol da extremidade. Notei que esta idéia não me abandonava.

O Cassali retornou sem informações maiores e pediu somente um cabo e antes que descêssemos começou a puxar o barco com toda experiência adquirida nos bancos anteriores. Desesperei-me quando vi a água cair abaixo dos joelhos e continuar baixando até a altura das canelas. Então começamos a escutar o barulho, já nosso conhecido, da bolina raspando e batendo no fundo. No curso disponível da bolina, havia só 1,5 cm de folga, reserva para o caso de entalar e o nosso próprio peso desembarcando do barco, o que também era outra reserva e que já se mostrara providencial quando o Ari saltara do barco no banco Vitoriano.

Puxando, resfolegando pelo esforço o barco foi atravessando numa lâmina d´água estabilizada de aproximadamente 30 cm.Demorou mais de 20 minutos esta tensão e aos trancos e barrancos começou repentinamente a afundar do outro lado lentamente. Aquilo merecia uma comemoração. O Cassali conseguira sozinho. Foi magnífico. Perdêramos 2h na travessia, mas havíamos conseguido. O homem é um monstro mesmo enjoado, imagina são como o Ari pretendia deixá-lo.

Já era 15:00h quando nos aproximávamos do Pontal Santo Antônio do saco de Tapes, e o Ari voltou a manifestar a preocupação com os compromissos profissionais mantidos na terça feira dia 03/02, sugerindo e já insistindo numa escala em Tapes.

Porto Alegre ou mesmo Itapoã ainda estavam ao menos a 12:00h ou mesmo 8:00h respectivamente naquela situação de contra-vento.

Diante destas limitações, resolvi antecipar uma escala dividindo o retorno em duas etapas. A velejada até Tapes foi tranqüila. Fazia tempo que não velejava por aquelas águas e foi bom recordar e curtir o ventinho nordeste batendo perto de 15 nós em águas protegidas a sotavento do ístmo de terra que se estende até o Pontal. O tapete da lâmina superficial permitiu ao barco atingir até 6,5 nós pelo GPS na orça folgada, um resultado auspicioso para a carga que conduzíamos. Chegamos ao Clube Tapense pouco antes das 18:00h, sendo recebidos por um prestativo marinheiro que acomodou o Sukamay num bom box.
A vela mestra ao descer quis mais uma vez rançar, porém cedeu diante das insistências do Ari e do Cassali.

Deixamos o barco em ordem para a próxima etapa e embarcamos no 1º ônibus para POA.

Infelizmente os temporais do 1º dia nos reduziram o tempo disponível fazendo com que a programação sofresse uma significativa alteração, tornando-se bi-partida em duas etapas.
Esperamos curtir uma velejada mais legal e limpa na 2ª etapa, pois da travessia de bancos tomei um verdadeiro fartão.

Pela disparidade do GPS com a realidade vivenciada, concluímos com que também os bancos de areia da Lagoa dos Patos se locomovem, aumentam, diminuem, mudam de conformação, e mesmo a localização de suas passagens intermediárias, em função dos ventos, temporais, correntezas, cheias e outras ocorrências naturais.

A 2ª etapa, de Tapes a Porto Alegre, foi realizada em 08/02/09. Na tripulação estavam o Fernando, meu filho em férias, e o Cassali. Não houve enjôos.
Fizemos excelente navegada com ventos de razoaveis a bons, de nordeste a leste, saindo de Tapes às 13:00h e chegando na praia do Sítio 22:45h com noite de lua cheia. Na rota cruzamos com o Canibal no "Pau do Hugo".

Ao contrário da 1ª etapa, observamos rigorosamente todas as sinalizações contornando os obstáculos faroletes e bóias como se estivéssemos num 60´. O único atraso ocorreu na largada quando tivemos de desmontar o carburador do motor para limpeza atrasando 3h nossa partida. No dia seguinte fizemos um reconhecimento da costa do Sítio até a vila de Itapuã no motor onde urgiu uma parada técnica e notamos um assoreamento acelerado na entrada do canal. Tivemos de dar um 360º para nova investida, mas que ainda assim nos pareceu com menos de 1m de profundidade.
Depois foi só receber o vento rondando de noroeste a leste pelas duas alhetas até POA.

José Campello