De Porto Alegre a Jaguarão
Um veleiro e uma lancha navegam juntos até a fronteira com o Uruguai
Adriano Marcelino

Esta era uma navegada que estava em pauta a bastante tempo. Desde que o MIDUSHI estava em fase final de construção. Finalmente em dezembro de 2007 o Léo deu a obra como encerrada, foram dois anos e meio de idas e vindas a Pelotas. Quando ficasse pronto, a Lagoa Mirim seria a primeira navegada, mas como era verão protelamos um pouco mais para evitar a água baixa e seus dias muito quentes que consequentemente propiciam a proliferação de muitas espécies de insetos, entre eles o mosquito, que infesta aquele tipo de ambiente. Já no inverno seria melhor, curtir o interior do barco com uma boa calefação, comidas quentes, muito vinho e nada daquela bicharada que infesta o convés do barco. O PASSATEMPO (38 pés, 1m de calado mínimo) já tinha feito toda Mirim, mas isto foi em 2002. A vontade de voltar lá era grande e se fosse feito em parceria com amigos como o Leo e a Eloísa Frederes seria ótimo.

Em junho de 2008 numa conversa daquelas de bebum numa churrascada lá no nosso reduto, a barra do Arroio Araçá, marcamos uma data, 18/07. Coincidiria com as férias de julho de nossa filha Mariana.
Chegando a semana de soltar as amarras, mais uma vez nos dedicamos aos preparativos, que convenhamos, já faz parte da navegada, pois dá muito prazer. Acompanhei a previsão do tempo durante toda a semana e constatei que para a tarde do dia 18/07 estava marcando um vento sul, fraco, mas contra o nosso propósito que era tocar direto a Pelotas. Por isso resolvemos sair um dia antes, cuja previsão era bem melhor, uma aragem de noroeste.

Dia 17/07 o PASSATEMPO zarpou as 14h. Nada de vento. Nem as velas levantamos. O MIDUSHI (43 pés e 1,15m de calado) com o Léo e a Eloísa sairiam um pouco mais tarde e nos alcançariam antes da Ilha do Junco. O Guaíba estava totalmente espelhado e esta era a expectativa para a noite, nada de vento e temperatura amena, já que a semana foi de muito sol e temperatura de primavera, mas sabíamos das mudanças que estavam previstas para a próxima semana, pois uma frente entraria nos próximos dias, de fraca intensidade segundo a meteorologia. Lá pelas 16h o MIDUSHI nos alcançou e as 17h deixamos o Farol de Itapuã para trás. A noite na lagoa foi maravilhosa até o Vitoriano, calmaria total. As 2h o vento sul previsto para a tarde deste dia resolveu se antecipar e entrou fraco com 12 a 15 nós. Em seguida a lagoa começou a encrespar-se e na altura do Saturno as ondas já eram consideráveis para um contra vento. Entramos no Canal da Feitoria as 7h e no través da Ilha Marechal Deodoro aproveitamos a água menos mexida para tomar um belo café da manhã. Aportamos no Saldanha da Gama as 14h. Como o MIDUSHI ainda possui só um tanque de combustível, o Léu achou prudente reabastecê-lo, visto que seu motor consome na faixa de 12 a 15 l/h.

Dia 19/07 acordamos cedinho para cruzarmos a ponte férrea (foto ao lado) antes das 8h, pois estava previsto a passagem de um trem as 8h 30min e o horário da eclusa seria as 9h. Esperamos em frente a eclusa por uns 20min. Deixando a eclusa (foto abaixo) para trás, seguimos o São Gonçalo rumo a Mirim. Paramos para almoçar na Ilha das Moças e as 17h ancoramos na boca do Sangradouro para no dia seguinte tocarmos direto até a Barra do Rio Jaguarão. Noite calma com temperatura baixando lentamente, pois devido a entrada da frente, uma fraca chuva caiu praticamente o dia inteiro.

Dia 20/07 zarpamos logo ao amanhecer porque a distância até a Barra do Rio Jaguarão é de aproximadamente 50 milhas. Cruzamos pelo canal do sangradouro com o dia clareando e a quantidade de rede atravessada no meio do canal era impressionante e para ajudar, mal sinalizadas. O Léo como era marinheiro de Primeira navegada nesta região deixava a dianteira para o PASSATEMPO. Resumindo, pegamos 3 redes, uma arrebentou e em duas, ficamos trancados, sendo que em uma o MIDUSHI nos rebocou de cima. Saindo do Sangradouro içamos as velas e aproveitamos o vento sul de 18 a 20 nós para darmos uma bela velejada até a Barra do Rio Jaguarão. Deixamos a Ponta dos Latinos por bombordo e a Ponta do Juncal por boreste, já que a lagoa está relativamente baixa e não sabíamos a profundidade em cima dos bancos, principalmente a do Juncal que é baixo. A entrada do Rio Jaguarão é demarcada por dois mangrulhos. Chegando na Ponta do Juncal (lat S32º 43,428', lon W053º 04,379') vira-se pouco mais de 90° a boreste e mantem-se o rumo de 310° mag. por 5,8 milhas até o 1° mangrulho (lat S32º 40,634', lon W053º 10,473') o qual também deverá ser deixado a boreste virando-se para o mesmo bordo e mantendo o rumo 358° por 1 milha até a entrada da barra (lat S32º 39,557', lon W053º 10,818') que tem profundidade na faixa dos 5 a 7m. Neste ponto visualiza-se o 2° mangrulho que ficará bem afastado a boreste. Do primeiro magrulho a entrada da barra a profundidade não baixou de 2,5m. Cabe frisar que para esta navegada nos informamos sobre a medida do nível da Lagoa Mirim através da régua do Iate Clube de Jaguarão (foto abaixo) que marcava 1m e mesmo não sendo um parâmetro técnico real, nos dá uma boa idéia. Para se curtir a Mirim com barcos com calado de 1m, o ideal é que a referida régua esteja marcando entre 1,7 e 2m. Com este volume de água entra-se em praticamente todos os arroios e rios da lagoa. Já com muita água as barrancas dos arroios ficam encobertas não mostrando todas as suas belezas e dificultando as ancoragens.
Chegamos na barra do rio as 17h, depois de 9h de uma boa velejada com vento folgado e ancoramos logo na entrada, em uma pequena baía formada pelo depósito de sedimento que desce o rio. Até então todas as noites e durante as refeições ficamos a contrabordo, para a confraternização tradicional, boa bebida e boa comida, mas nesta noite isto não foi possível, porque o vento rondou para sudeste e apertou, marcando 35 nós nas rajadas. Apesar do vento uivar no estaiamento, tivemos uma ótima noite de sono.

Dia 21/07 acordamos sem hora marcada, para subir as 12 milhas de rio até a cidade. A partir da Ilha do Cardoso deve-se tomar bastante cuidado, pois até o clube existem uns 30 espigões de pedra que saem da margem e avançam para o meio do rio em sentido perpendicular. Com este volume de água, as pedras estão quase aflorando na superfície. Em 2002 o então comodoro, Sr. Roberto Couto, grande conhecedor da região me forneceu 14 waypoint que são indispensáveis para quem quer subir o rio. São precisos e seguros. Paramos no través da Ilha do Cardoso para o almoço e logo seguimos subindo o rio. As 16 h com muita chuva chegamos ao clube. O Roberto nos aguardava preparando cabos e arrumando espaço para os nossos barcos. Como estava previsto um noroeste forte para o dia seguinte, tratamos de reforçar as amarras do bordo que entraria o vento. Já o MIDUSHI entrou parcialmente na doca e ficou bem abrigado. Durante a noite desabou o mundo chovendo mais de 100mm em poucas horas fazendo com que o Rio Jaguarão subisse 1,6m durante a noite.

Dia 22/07 alugamos o Roberto e sua mulher, a simpática dona Tereza, para um tour por Rio Branco para fazer umas comprinhas. Quando saímos pela manhã a água estava 20cm abaixo do trapiche e a tardinha quando retornamos o trapiche tinha desaparecido. Para subir no barco, somente com um bote de apoio, assim mesmo se cuidando para não ser levado pela correnteza. A noite saiu uma bela churrascada de costela Uruguaia na sede do clube.

Dia 23/07 a chuva e o vento noroeste haviam diminuído e apesar da forte correnteza zarpamos para passar o restante do dia na barra, o que facilita a navegada de volta ao sangradouro. Como por volta das 12h o vento rondou para oeste e deu uma apertada, optamos em ancorar na Sanga do Mendes, que é mais abrigada do que a barra.

Dia 24/07 após o tradicional café com torradas, zarpamos com o sol nascendo. O céu estava limpo e a navegada prometia, pois soprava um oeste fraco, mas que certamente iria aumentar durante o dia. Deixamos a Sanga do Mendes e fomos rumando para a barra do rio. O dia prometia ser ensolarado, mas ventoso, porque a última frente trouxe um minuano que já soprava a dois dias. Levantamos vela logo na saída e a medida que nos aproximávamos do mangrulho de fora, o vento ia aumentando, pelo menos seria favorável. Ao contornarmos a ponta do Banco do Juncal o vento soprava a 30 nós e a sensação térmica era de zero grau. Para agüentar a velejada de umas 7h tivemos que colocar as proteções laterais do bimini. Velejar protegido do vento gelado é bem melhor, pelo menos a erva do chimarrão para em cima da cuia. Passamos o dia a base de lanche e frutas devido a lagoa muito mexida. Contornamos a Ponta Alegre por volta das 12h deixando o mau humor da lagoa para trás e aproveitando o abrigo da ponta para navegarmos o mais próximo possível da costa. Entramos no  Arroio Grande (foto abaixo) ás 13h 30min onde passaríamos uma bela noite. No final da tarde o vento se entregou e ao anoitecer o céu mostrou toda sua beleza, a qual refletia-se nas águas do arroio. Depois de uma bela janta no Midushi fomos dormir com uma maravilhosa orquestra de sapos e grilos.

Dia 25/07 zarpamos cedinho rumo a entrada do Sangradouro. Nada de vento e um belo dia dando as caras. Aproveitamos a calmaria e rumamos direto a primeira coordenada do canal. A propósito o canal do sangradouro estava com profundidade entre 2,2 e 3,0m. Ele está marcado com algumas estacas que devemos deixar por boreste quando navegamos do são Gonçalo para a lagoa. Achei que iria ser abordado pelos donos das redes que o Passatempo destruiu, mas cruzamos por vários pescadores e ninguém se manifestou, talvez por terem consciência de que elas estavam no meio do canal e mal sinalizadas. Três milhas antes da Ilha das Moças paramos para almoçar e acabamos ganhando uma bacia de Pintados e Jundiás que seriam devorados durante o jantar. Neste momento o Roberto Couto passa por nós no veleiro SOLTO DAS PATAS. Estava ajudando a levar o barco para Jaguarão. Almoçamos e seguimos viagem rumo a eclusa para pernoitarmos em sua proximidade, pois chegaríamos depois do último horário de passagem. Noite calma, dormimos próximos a uma margem repleta de Capim Santa Fé e com profundidade de 7m.

Dia 26/07 o dia amanheceu bem nublado e com um chuvisqueiro fino. Tomamos um belo café e aproveitamos para cruzar a eclusa (foto ao lado) no primeiro horário, às 9h. Deixamos a eclusa rumo ao Saldanha da Gama. A calmaria total e o chuvisqueiro deixavam o colorido do dia somente no preto e branco. Entrando em contato com os funcionários da ponte fomos informados que teríamos que aguardar uns 30min, pois iria passar um trem de carga. Chegamos ao iate clube perto das 12h. Passamos o resto do dia organizando os barcos, fazendo pequenas manutenções de rotina e abastecendo para zarparmos no dia seguinte. Navegar no inverno tem um romantismo todo especial. Aproveitamos para fazer comidas quentes, curtir o interior do barco, bem sequinho e aquecido por uma calefação a gás, tomamos muito chimarrão e tiramos as tardes para fazer quase nada.

Dia 27/07 soltamos amarras às 8h com cerração fechada. Seguimos até a entrada do São Gonçalo costeando a margem direita do canal, pois a visibilidade era muito baixa. Deixando o canal alguns raios de sol anunciavam como seria o dia. A previsão de vento não era favorável, um nordeste de 12 a 15 nós. Não tinha jeito, nosso tempo estava se esgotando e o trabalho e as aulas da Mariana já iriam começar . Seguimos a motor até a Barra Falsa do Bojuru, onde pernoitamos. A previsão para os próximos dias continuava com ventos fracos e contra.

Dia 28/07 zarpamos com pouca claridade e mesmo com o pouco calado do PASSATEMPO, tivemos dificuldade em passar do canal da taipa para o de saída, encalhamos algumas vezes. Deixamos o canal de acesso a barra e já tivemos idéia do que nos esperava. Durante a noite o nordeste apertou um pouco e deixou a lagoa com um banzeiro considerável. Mais uma vez, não tinha jeito, era só encarar. A tripulação não estava muito satisfeita, pois um contravento a motor com aquele banzeiro e um dia de cara feia, realmente deprimia um pouco. O MIDUSHI, um barco mais confortável e empurrado por um belo motor 6 cilindros turbinado, não toma conhecimento desta condição de lagoa e segue viagem majestoso. Nós, saracotiando com nosso potente 40HP seguimos rumo a costa do Farol Capão da Marca, procurando uma ondulação menor. A idéia era tocar direto a Itapuã, mas como o rendimento era pequeno e muito desconfortável, optamos em pernoitar no Barquinho (foto ao lado), chuleando que o vento diminuísse um pouco para o próximo dia. Ancoramos no Barquinho às 13h.
Depois da bóia fomos dar a nossa tradicional subida de bote até a Lagoa do Sumidouro. O tempo continua com sol entre nuvens. A fauna desta região é muito diversificada. Este lugar nos fascina bastante, apesar de no verão não possuir sombras, claro que um bom toldo branco supri esta necessidade. Navegamos ao Barquinho pelo menos umas quatro ou cinco vezes ao ano. Para facilitar a saída no dia seguinte, optamos em ancorar a norte do velho trapiche de ferro, pois ali era só levantar âncora e partir.

Dia 29/7, sem sinal de celular, não conseguimos pegar uma previsão do tempo, mas tudo indicava que era a mesma que nos acompanhava desde Pelotas. Zarpamos cedinho, pois na madrugada o vento sempre dá uma amainada. Às 8h cruzamos pela alagada do São Simão, com profundidade de 2m. Já cruzamos com muita onda e assim foi até o Farol de Itapuã. Ancoramos na Praia do Sitio logo após às 12h. Pegamos uma previsão que marcava a entrada de uma frente para o próximo dia à tarde. Decidimos ficar no Sitio e partir no outro dia bem cedo, mas lá pela 20h os relâmpagos anunciavam o pior, a frente já iria entrar aquela noite. A medida que os relâmpagos aproximavam-se, nós levantávamos ferro e zarpávamos rumo a Vila de Itapuã. O PASSATEMPO atracou bem na entrada da marina e o MIDUSHI ficou do lado de fora, no arroio. A meia noite entrou um forte vento oeste. Fiquei apreensivo pela posição do barco de nossos amigos, mas com todo aquele vento eu só podia torcer para que eles tivessem amarrado bem o barco. No dia seguinte não valia a pena seguir para PoA, pois o vento passava dos 25 nós. Trocamos o MIDUSHI de lugar, porque ali fora estava balançando muito. Relaxamos e curtimos a aconchegante Marina de Itapuã (na foto ao lado, Mariana pescando no trapiche do clube) em companhia de nossa amiga Tina, que como sempre, nos recebeu de braços abertos. Passamos dois agradáveis dias por ali, só zarpando depois que o vento rondou para sul, permitindo enfim, uma bela velejada até o Iate Clube Guaíba. A navegada foi de aproximadamente 500 milhas náuticas, ida e volta.

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Waypoints do Jaguarão

Os pontos da rota abaixo referem-se ao Rio Jaguarão,
trecho "Ilha do Cardoso - Jaguarão"
(GG MM,MMM)
Autor: Comte Roberto Couto

1- S32º 35,813' W053º 19,285'

2- S32º 35,468' W053º 19,716'

3- S32º 35,249' W053º 19,851'

4- S32º 34,994' W053º 20,222'

5- S32º 35,311' W053º 20,529'

6- S32º 35,541' W053º 20,742'

7- S32º 35,589' W053º 20,958'

8- S32º 35,559' W053º 21,187'

9- S32º 35,337' W053º 21,495'

10- S32º 34,772' W053º 21,713'

11- S32º 34,540' W053º 21,951'

Profundidades do Rio Jaguarão
Com a régua do ICJ marcando 1,0m, o local de menor profundidade do Rio Jaguarão foi lido com 1,3m, logo a montante da Ilha do Cardoso. No restante do rio a profundidade lida foi maior que 3m.

 

Comentários recebidos

04 Ago 2008
Marcos Mascarenhas

Ótima reportagem mesmo eu aqui no nordeste fiquei com desejo de conhecer, apesar do frio.

05 Ago 2008
Ubiratan Colares

Parabens por essa navegada que só o Adriano saber executar com real capacidade.   Gostaria de estar com vcs e com o meu querido filho Evandro, no Summer, mas não vai faltar oportunidade. Abç  para ti, Vera e Mariana   Tiau

05 Ago 2008
Mariana Marcelino
oi pai você escreve muito bem , hehe :D 
adorei, pelo visto tu me ama muito, para ter colocado 2 fotos minha e uma contigo, mas eu também te amo hihi, parabéns e essa viajem foi ótima, valeu muito a pena,

23 Dez 2009
Yvan Orozco

Encontrei estas informações,com certeza ajudarão a concluir mais uma navegada, de Pelotas a Jaguarão (jan.2010), e em abril/2010 (semana santa)até o Cebojati.A ultima, mas nunca é assim, sempre aflora outra, seria de Pelotas, Guaiba subindo o Jacui. Retornarei com comentários, após retorno de jaguarão. Desde já agradeço as informações, que muito me ajudarão, com certeza. Até breve, bons ventos. Yvan (Pelotas/RS)


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