Adolescentes relembram calvário após naufrágio
Lembranças do bote salva-vidas do Navio Veleiro Concordia
Por Katie Daubs, Toronto Star
Tradução Cap. Juliano Bonotto

25 Fev 2010
O
s botes salva-vidas foram a pior parte.
Esfarrapados e torcidos durante o abandono da embarcação S.V. Concórdia (foto), os botes eram iguais a banheiras cheias de água salgada, vômito, dejetos humanos e pessoas.

“Você faz aquilo que consegue. Estamos juntos e vivos,” disse a jovem Sam Palonek (foto abaixo), de 16 anos, das 40 horas que flutuou pelo Atlântico. “Nós cantávamos para manter a moral alta, para mantermo-nos rindo. Era a coisa mais importante.
Don’t Stop Believing” e outras músicas da Disney. Até Feliz Aniversário foi cantarolado por um garoto num bote próximo.

“Começamos a cantar American Pie e chegamos no verso que diz – Será o dia que eu vou morrer (That'll be the day that I die) - , abortamos o final da música.
Palonek, era uma das 64 pessoas que escapou do naufrágio, depois que uma forte rajada (microburst) atingiu o costado do barco e o mandou para o fundo do Atlântico, a 555 quilômetros da costa brasileira.

Palonek, natural de Burlington, chegou ao aeroporto de Pearson, segunda pela manhã, junto com outros estudantes canadenses e professores. Ela trouxe seus únicos pertences, um colete salva-vidas e a roupa do corpo, que ela vestia no momento do naufrágio.

O programa de Aulas Flutuantes (Class Afloat) em que ela se inscreveu é gerenciado pelo West Island College International, onde estudantes do mundo todo tem a oportunidade de passar até dois semestres navegando, estudando embarcado e participando da faina do barco.

Sem experiência no início, Palonek literalmente apaixonou-se, e as tempestades eram partes excitantes do novo mundo que se descortinava à sua frente.

Quando o vendaval se aproximou na quarta-feira, as velas de tempestade foram colocadas pela manhã. O barco deslizava feito um foguete, enquanto Palonek assistia uma aula de história.

“O barco capotou” ela disse, - escutei as velas rasgando, e olhei para fora, o guarda mancebo estava embaixo d’água.

À medida em que o barco começou a adernar para bombordo, a água começou a entrar pela gaiuta. Um pacote de espaguete vindo sabe-se lá de onde, veio aterrissar doloridamente no rosto de Palonek. “Eu percebi que este golpe era o menor de meus problemas.” Disse ela. “O barco está afundando”.
Todos gritavam instruções em suas línguas maternas. Palonek teve de escalar, agarrando-se em mesas e cadeiras aparafusadas no chão.
“Era uma corrida para subir ao convés.” Disse ela.

Metade das pessoas embarcadas estavam ainda dentro da embarcação.
Muitas pessoas estavam tirando uma soneca. Muitos dos beliches desabaram.
Quando ela encarou a chuva, raios e trovões a céu aberto, ela ficou ofegante, hiperventilando.
“Nos colocamos juntos e nos reerguemos” disse. “Iniciamos a colocação dos coletes salva-vidas e roupas de emergência.”

Metade dos botes ficaram embaixo do barco. Sem saber quantos haviam restado, os estudantes e professores tentaram soltá-los. Quando alguém mergulhava para tentar soltar os botes, Palonek achava que eles tinham morrido.

Palonek começou a juntar comida, água e cobertores, porém tinha de pular na água, quando o barco deu uma guinada.
“Fui jogada no bote, olhando para baixo, quase não havia espaço, engoli muita água salgada.” Pelas próximas 12 horas, ela ficou enjoada.

O melhor bote salva-vidas estava perfurado e flácido, com água pela cintura.
A maioria estava com água pelos ombros.
Quinta-feira, Palonek desenvolveu uma assadura pelo contato com a água salgada.
“Eu senti como se tivessem despejado gasolina em minhas costas e acendido o fogo.” Na mesma quinta-feira ela comeu uma barra de cereais sem gosto.

“Pessoas continuavam desmaiando, desidratadas, gritando e chorando.”
Todos esperavam ser resgatados quinta-feira à tarde. Quinta-feira à noite chegou.

Quando o Capitão adquiriu um olhar mais preocupado, começamos a pensar que o nosso pedido de socorro não havia sido disparado ou recebido. Ficamos sem saber por que o resgate demorou tanto. As autoridades marítimas brasileiras defende seu modus operandi. Uma investigação está em curso.

Às 19h avistamos uma luz no céu distante. Era uma avião.
“Não houve quem contivesse as lágrimas”, ela disse. “Provavelmente foi o momento mais feliz da minha vida.” Quando a luz se aproximou, sinais luminosos foram disparados. Após a meia noite, dois navios cargueiros chegaram, porém o mar estava agitado, assim sendo os botes permaneceram na água até a manhã seguinte.

Sexta-feira bem cedo, escadas desceram pelo costado dos navios. “Estávamos todos inacreditavelmente exaustos, e tínhamos pela frente uma escalada de 15 metros.”

Palonek pretende retornar para Lunenburg para finalizar o semestre.

“Eu devo a minha vida a 10 ou 15 diferentes pessoas.”

 

O Popa.com.br agradece ao Cap. Juliano Bonotto (Grupo POPACOMBR) pela pronta tradução do texto original em inglês.


No último ponto registrado no track, na véspera do naufrágio,
observa-se que o Concordia velejava empopado com 8 velas içadas, em vento Força 6

Representações gráficas de "microburst"


Outras notícias sobre o naufrágio do Concordia publicadas pelo Popa.com.br

23 Fev 2010
"Quando percebemos que o avião tinha nos visto, começamos a chorar", disse sobrevivente de naufrágio
Os primeiros 12 dos 64 sobreviventes do Navio Veleiro Concordia, localizados por uma aeronave Bandeirante Patrulha (foto) do Quarto Esquadrão do Sétimo Grupo de Aviação (4°/7° GAV) e por uma aeronave C-130, Hércules, do Primeiro Esquadrão do Primeiro Grupo de Transporte (1°/1° GT ) da Força Aérea Brasileira, chegaram por volta do meio-dia deste sábado no Rio de Janeiro.
“Queremos ressaltar que o encontro das pessoas, do navio e das balsas se deu graças a uma aeronave patrulha da Força Aérea Brasileira”, disse o vice-almirante Gilberto Max Roffé Hirschfeld, Comandante do Primeiro Distrito Naval (1° DN) na abertura da coletiva com a imprensa.
Keaton Farwell, Laurem Unsworth, Katharine Irwin e Olívia Aftergood, estudantes que estavam a bordo do veleiro, contaram que era o começo de uma aula de biologia. Alguns estudantes já estavam na sala de aula, outros ainda na área de refeição do navio, quando ele virou.
Foram apenas 15 segundos para a água entrar e inundar praticamente todo o navio e logo fosse dado o sinal de socorro via satélite e de imediato foram todos encaminhados para as balsas; “Sentimos frio, as ondas estavam muito altas, chovia muito, era um grande desconforto, mas com a chuva conseguimos recolher água para beber”, relataram sobre a aflição que sentiram em alto mar.
O Medo de ninguém saber do ocorrido e a possibilidade de ficar ali semanas, sabendo que poderiam acabar morrendo, foram os piores pensamentos a bordo dos botes salva-vidas, segundo Keaton Farwell.
Natasha Carruthers, de 18 anos, estudante canadense, estava na hora do seu plantão no bote, quando avistou a aeronave da Força Aérea Brasileira: “Nós revezávamos de hora em hora para ficar na parte da frente do bote e ter melhor visibilidade para avistar qualquer possibilidade de salvamento.
Foi na minha hora de plantão que eu vi o avião sobrevoar a gente. Usei o sinalizador do bote (na foto acima, um dos tipos de sinalizador disponíveis no mercado internacional).
Outros botes que nós nem conseguíamos avistar também fizeram o mesmo. Só então percebemos que os botes estavam próximos uns dos outros. Quando percebemos que o avião tinha visto a gente, começamos a chorar.
A aeronave começou a sobrevoar em círculos no local onde estávamos. Não tem como descrever a sensação de alegria”, concluiu emocionada.
O Hércules disparou um artefato iluminante com paraquedas, para que os tripulantes dos navios mercantes nas proximidades pudessem enxergar os botes salva-vidas (na foto acima, um tipo de flare iluminante).
Fonte: FAB - Força Aérea Brasileira

21 Fev 2010
Náufragos do Navio veleiro Concordia desembarcaram no Rio
Equipamentos de segurança e treinamento fazem enorme diferença no desfecho de naufrágio
Apesar da perda do navio veleiro, o naufrágio do Concordia teve um final feliz. A tripulação composta, na grande maioria, por alunos adolescentes, certamente obteve do naufrágio mais histórias recheadas de adrenalina para contar do que traumas.
É bem provável que o comandante seja mais lembrado por ter conseguido embarcar toda a tripulação em botes salva-vidas em um mar duro, o que de fato ocorreu, do que pela hipótese improvável de ter cometido eventual erro quanto a procedimentos ou precaução diante das previsões meteorológicas de mau tempo disponíveis.
A Marinha do Brasil teve saldo positivo no evento, alvo que foi de notícias na imprensa internacional exaltando sua ativa participação no resgate, enviando navios às coordenadas do naufrágio informadas pela EPIRB do navio.
O lastimável naufrágio do S/V Concordia deixou uma lição aos navegantes: uma embarcação bem equipada com equipamentos de emergência, como EPIRB, botes salva-vidas, fogos a bordo dos botes, e tripulação treinada para enfrentar situações de emergência, fazem muita diferença no desfecho de um naufrágio.
Previsão do GRIB na véspera do naufrágio (arquivo GRB compactado, 3MB)
Notícias sobre o naufrágio do Concordia: Globo(vídeo), Estadão, G1(vídeo), Terra, Folha

19 Fev 2010
Todos os tripulantes do Concordia foram resgatados sãos e salvos
Depois de 10 meses no mar, o Navio veleiro Concordia, de bandeira canadense, naufragou ontem, dia 18, provavelmente a 500 milhas náuticas a ESE de Florianópolis, a julgar pelo rumo e velocidade do último dia navegado. A última posição do track, na véspera do naufrágio, indicava 300 milhas a SE do Rio de Janeiro.
A previsão do GRIB indicava que o Concordia atravessaria região com ventos de 25 nós do SE, provavelmente por influência de um anti-ciclone.
Todas as 64 pessoas a bordo, sendo 10 tripulantes e 54 alunos do ensino médio, foram resgatadas de 4 balsas salva-vidas pelo navio mercante “Hokuetsu Delight”, por determinação da Marinha do Brasil.
A viagem integrava programa educacional em que os estudantes viajavam por diversas partes do mundo, com aulas a bordo, visitas a museus nas escalas e aprendendo técnicas de navegação.
Equipes de resgate da Marinha estão tentando fazer o transbordo das vítimas do naufrágio do veleiro com a ajuda de um helicóptero. O mar está ruim, com ondas de 2,5m.
O jornal O Globo informou que o primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, divulgou, nesta sexta-feira, uma nota de agradecimento à Marinha brasileira e aos navios mercantes que ajudaram no resgate de todas as 64 vítimas do naufrágio do veleiro de bandeira canadense SV Concordia. "Estamos profundamente aliviados porque uma tragédia foi evitada e porque os membros da tripulação voltarão em breve para casa sãos e salvos", diz um trecho da nota.
Fonte: Com informações do West Island College International e da Marinha do Brasil

19 Fev 2010
Navio veleiro naufraga a 300 milhas do Rio de Janeiro

O navio veleiro Concórdia, de bandeira canadense, naufragou, com 64 tripulantes a bordo, a cerca de 300 milhas do litoral do Rio de Janeiro, ontem, quinta-feira, após enfrentar fortes ventos. Até o momento, foram localizadas três balsas com aproximadamente 48 pessoas, que estão sendo resgatadas pelo navio mercante Hokuetsu Delight. O Comando do 1º Distrito Naval informou que, por volta das 17h desta quinta-feira, pediu que a Força Aérea Brasileira enviasse uma aeronave para investigar a emissão de um sinal de emergência acionado pelo navio. Por volta das 20h, a aeronave localizou uma balsa salva-vidas com pessoas nas proximidades do local onde foi detectada aquela emissão. O navio, que pertence a West Island College International, fazia a travessia de Recife para Montevidéu. A embarcação partiu no dia 8, com chegada prevista no dia 23.
Segundo um dos tripulantes que foi resgatado, ainda faltaria uma balsa, possivelmente com 16 pessoas, a ser localizada.
A Marinha enviou ao local a fragata Constituição com uma aeronave a bordo para ajudar nas buscas, com chegada prevista para 13h. Três navios mercantes que navegavam naquela área se dirigissem ao encontro da balsa. Partiu ainda do Rio de Janeiro o rebocador de alto-mar Almirante Guillobel, com chegada prevista na madrugada do dia 20. A fragata Liberal partirá do Rio de Janeiro às 9h. A FAB mantém uma aeronave Hércules C-130 nas buscas.
Fonte: O Globo
Obs.: O navio veleiro Concordia faz cruzeiros educativos com jovens. Na quarta-feira o log do navio registrou ventos com Força 6 de NNE.

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Comentários recebidos

25 Fev 2010
Tau Golin
Danilo, os fatos sempre geram conhecimentos desde que discutidos e analisados. Na travessia do Atlântico com o Gigante encontramos um barco de "escoteiros do mar" nos Açores. São espetaculares. A vivência da gurizada influi certamente em suas vidas. Para nós que assistimos a tragédia do Concórdia, acho que precisamos especular com dois temas:
1. A questão de navegação. Tenho notado que quanto maior a embarcação, menos preocupação com onda de través e minúcias com a previsão do tempo. Tem aí um aprendizado com o naufrágio do Concórdia que poderíamos incorporar em nossas vidas.
2. A discussão sobre a criação de uma "Guarda Costeira" no Brasil é cada vez mais necessária. O trabalho da Marinha pode ser "bom", mas sempre é lento. O padre é que sabe a liturgia da missa, mas parece-me que falta no Brasil aquela força de vanguarda para chegar rapidamente... E que forme uma cultura de "identidade" e "heroísmo", base da eficiência dessas corporações no mundo.
Abs. pela cobertura.
Tau Golin
Baependi

26 Fev 2010
Danilo Chagas Ribeiro
Tau, aí vai artigo (em inglês) mostrando a tentativa de união entre a Força Aérea e a Marinha britânica, que achei oportuno citar.


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