Velas de Cruzeiro: pequenos pecados permitidos
Arnaldo P. de Andrade
(Diretor da Cognac Velas)
1º Dez 2010 Veremos aqui que alguns pequenos pecados são aceitáveis em velas de cruzeiro. Também falaremos brevemente do modo com que podem ser parcialmente corrigidos.
Cuidar dos pequenos pecados (e evitar os grandes) é especialmente importante, pois a maior parte dos nossos barcos de cruzeiro veleja com poucas velas a bordo. Aumento do volume - A deformação da vela de Dacron, com aumento de volume, acontece muito mais rapidamente do que a maioria dos velejadores imagina. Mesmo em velas de layout tri-radial a deformação já compromete o rendimento em regata, passados apenas dois ou três anos. Essa deformação não cessa. No mau Dacron nem mesmo diminui de ritmo. Por isso, a vela "gordinha" de hoje será, fatalmente, a vela "obesa" de amanhã. O aumento de volume prejudica o desempenho de contravento, tanto mais duramente quanto mais intensa for a deformação. Para muitos cruzeiristas isso não parece ter importância. Essa atitude muda, no entanto, quando se tenta realizar um longo percurso no contravento. Foi o caso de quem levou seu barco do Rio de Janeiro para o Nordeste este ano, com intenção de participar da regata Recife - Fernando de Noronha. Os ventos de leste-nordeste chegaram amiúde a 35 nós e "fecharam a porteira" aos barcos com velas deformadas, incapazes de fazer um bom ângulo de contravento. Eu diria que qualquer barco que não consiga orçar eficientemente com um vento aparente de 35 graus (ou menos) precisa tomar providências urgentes em relação ao volume das suas velas. Desgastes gerais - O atrito contra amantilhos, volantes, brandais, púlpitos, postes, botes e tudo o mais que fica no caminho das velas de cruzeiro é freqüentemente tratado com desatenção. Quando ele acontece em áreas de concentração de esforços ou em áreas sujeitas a panejamento (valumas, esteiras) pode causar rupturas graves e deixar o velejador na mão. Outro tipo de desgaste, mais perigoso porque menos evidente, é a perda de resistência do tecido nas proximidades de reforços pequenos ou mal desenhados. Nesses lugares a vela pode se romper quase sem aviso prévio - isso é comum logo acima do reforço do punho de escota do grande, algumas vezes após uma simples cambada em vento um pouco mais forte. Também há desgastes nas bolsas de tala, algumas vezes tão pronunciados que o velejador acaba por não usar mais talas. É vício condenável porque diminui a vida da vela e a coloca em risco estrutural por panejamento excessivo.
Nas genoas de enrolar há pecados associados à exposição solar. Embora os protetores solares costurados sejam bastante populares, muitos erros são cometidos, tanto de construção quanto de utilização. Há tapes UV estreitos, que deixam exposta na vela enrolada uma nesga de tecido que acaba por se estragar, colocando a vela em grave risco. Há velas em que o reforço dos punhos e o tape UV foram costurados de uma só passada. Quando enroladas, essas velas expõem as costuras dos reforços aos raios solares porque o tape não as recobre. É um grave problema que, felizmente, tem correção. Há ainda o relaxamento completo, com velas deixadas enroladas sem qualquer proteção ou até mesmo enroladas com o tape UV voltado para dentro! Alterações dimensionais diversas - À medida que envelhecem as velas esticam em quase todas as direções, ao passo que os cabos da testa e da esteira - e a bicha da valuma - encolhem para valer. O resultado é que, após alguns anos, fica muito difícil adriçar as velas de maneira adequada. Velas mal adriçadas ficam ainda mais gordas e acabam de arruinar o desempenho do barco. A remissão dos pequenos pecados - É possível corrigir quase todos os pecados acima. Alguns de forma completa, outros parcialmente. Quando o Dacron ainda tem alguma qualidade residual, as velas podem ser "emagrecidas" com bastante sucesso. A grande ainda pode, adicionalmente, ganhar talas inteiriças que vão melhorar seu o rendimento e aumentar a longevidade. Os danos localizados podem ser corrigidos pontualmente. Mesmo erros construtivos de relativa gravidade podem ser corrigidos com engenhosidade. Finalmente, as alterações dimensionais, sobretudo o aumento excessivo do comprimento da testa (gurutil), podem ser corrigidos com facilidade, melhorando muito o desempenho da vela. O importante é que os pequenos pecados sejam encontrados e tratados corretamente já que podem, em conjunto, roubar o prazer de uma velejada ou mesmo por em risco a embarcação. |