Carnaval em seco no Porto do Barquinho
Redução repentina do nível da Lagoa dos Patos surpreende velejadores
Fábio de Lima Beck

 

03 Jul 2010
O
assunto já foi discutido e ilustrado aqui no Popa, mas segue uma descrição mais detalhada que pode ser útil para quem enfrentar eventualmente situações semelhantes.

Pelas informações colhidas em Porto Alegre no dia 12/02/10, haveria forte virada para sul a partir do meio dia de 2ªf, 15/02, com previsão de ventos de até 35 nós e que perdurariam até a 3ªf 16/02, embora perdendo intensidade e mudando para sueste e depois leste.

Com esta previsão o Valhalla saiu de POA na manhã do sábado 13/02, com planos de pernoite no Sítio e saída domingo cedo para o Porto do Barquinho, prevendo chegar lá com tempo suficiente para preparar o barco (usando os ensinamentos do mestre Knipling) para a “virada” de tempo na 2ªf.

Depois de uma noite equivocada e sem dormir no Sítio devido à vento noroeste que chegou perto de 30 nós e muita onda (pelo que ouvi no VHF a partir do pessoal que estava no Saco do Cego e arredores), inicio velejada a partir das 9:00 de domingo 14/02, com apoio de motor, sem parada, até o Barquinho.

No caminho uma forte, mas ligeira tempestade à altura do banco de São Simão (devidamente prevista e informada pelo J.P.Wolff/Viva la Vida/ICG pelo VHF). Chegada no Barquinho 17:00, com vento NO médio e horizontes claros após a tempestade.

Já dentro da enseada cruzo com Maragato e Barba Negra ancorados no meio da baia e na “prainha” encosto na areia, depois do tZ (Oday23) e do Bandido (Ranger 22). Sou o último dos 3, na parte mais funda daquele ponto do arroio. A proa do Val fica a 1m da praia e coloco uma Bruce de 5kg e 20m de cabo, fincada no campo logo após a areia da praia e presa no cunho da proa. (foto)

Por sugestão de Clovis/tZ e lembrando do mestre Knippling, com auxilio da bóia de retinida coloco uma outra Bruce de 5kg pela popa, no fundo do arroio uns 10m quando já estava escurecendo a BE do barco, já pensando na “virada” do dia seguinte e que viria de sueste. Outros cabos conectam a popa de BB do Valhalla à popa do Bandido e deste à popa do tZ que tem também uma âncora pela à BB popa, no fundo do arroio a uns 15m.

Ficamos assim com os 3 barcos conectados, cada um com uma âncora pela proa no campo e 2 âncoras pela popa à BE e BB no rio. Noite tranquila com as belezas típicas do Barquinho e 2ªf também muito tranquila, contrariando as previsões (talvez por isto, Barba Negra e Maragato saem no início da manhã de 2ªfeira, para minha surpresa).

Durante o dia algumas rajadas de vento provocam deslocamento da proa do Valhalla para os lados, o que me obriga a colocar agora uma âncora Danforth com 10m de cabo também pela proa, mas agora na areia e em ângulo de mais ou menos 45 graus com a Bruce que está no campo.

Noite de 2ªf tranquila até 6:00 quando acordo (3ªf, 16/02) com o costado de BB do Val batendo no costado de BE do Bandido. Colocadas as defensas em ambos, verifico que minha âncora de popa colocada a BE no fundo do arroio garrou e a correnteza e o vento forçaram o Val contra o Bandido. A solução foi retirar a âncora do arroio e com o máximo comprimento do cabo colocá-la também em terra, num ângulo de uns 70 graus com o costado do barco.

O dia iniciou com o leste meio escuro, vento médio, mas alguns claros de sol para o NE. Lá pelas 10:00h a pressão desce abaixo de 1000 o vento aumenta e chegam pelo celular, notícias de vento SE chegando a 40 nós, previsto para o meio da tarde. Efetivamente depois do meio dia forma-se uma enorme mancha escura no céu a L e a SE. Aos poucos ela vai cobrindo todo o horizonte a L e SE e tornando a Lagoa esbranquiçada à medida que o vento aumenta e se aproxima.

Lá pelas 14:00h o vento chega com grande intensidade e em seguida temos chuva forte também. O arroio sobe rapidamente e se aproxima do nível da Lagoa que agora está inteiramente visível do cockpit dos barcos. Com a subida do arroio, os cabos todos ficam folgados e somos obrigados a caçá-los para evitar que os barcos se movam ao sabor do vento. Com os cabos caçados os barcos firmam mas adernam muito com as rajadas de vento e a chuva forte. Esta situação permanece por uma meia hora com vento muito forte e chuva, quando notamos que o nível do arroio começa a descer rapidamente.

Começamos a folgar os cabos em meio à chuva e à ventania mas notamos que os barcos começam a encalhar e mesmo empurrando-os com toda a força, um a um vão ficando em seco e adernados para bombordo. Em menos de 20 minutos os 3 barcos estão no seco: o Tz inteiramente no seco, o Bandido e o Val com as quilhas enterradas na areia e todos com o costado de bombordo na areia.

É um cenário impressionante e percebemos que não há o que fazer a não ser checar permanentemente a condição dos lemes (que felizmente não chegam a tocar na areia). Veja foto ao lado).

Do outro lado do riacho uma lancha de POA e um barco de pesca de Rio Grande também ficam praticamente em seco e adernados, quando o arroio começa a baixar. Em meio à chuva e o vento tentamos cavar sob o patilhão do tZ para facilitar seu desencalhe quando o arroio voltar ao normal. Conseguimos cavar uns 30cm ao longo de todo o patilhão em empurrá-lo para este “buraco”.

Neste momento aparece de caminhão o pescador proprietário do barco de pesca que está do outro lado do arroio e diz: “nunca vi o arroio torrar assim, é a primeira vez”. Depois de alguma conversa ele garante que temos que esperar e que tudo vai voltar ao normal. Perto das 16:00 o vento e a chuva começam a diminuir e o horizonte S e SE começa a clarear.

Colocamos taquaras no limite da altura da água na areia da prainha para verificar se há mudanças. Depois de alguns minutos vemos que o arroio volta a encher lentamente e em 40 minutos aproximadamente ele retorna ao nível normal. Notamos que as popas começam a boiar e em grupo forçamos os barcos de volta ao arroio.

Creio que lá pelas 17:00 estavamos com os 3 barcos novamente boiando, felizmente sem nenhum dano estrutural e o barômetro marcando novamente 1008! Do acampamento que havia perto da praia aonde estavamos restaram só os ferros da barraca e o pequeno banheiro. O restante espalhou-se pelos juncos e pela água enquanto os campistas se abrigaram em uma camionete em um capão de mato próximo.

Com a melhoria da situação, ao verificar o estado das 3 âncoras do Valhalla noto que a Danforh de alumínio moveu-se uns 40 cm na areia, mas sempre enterrada. As duas Bruce que estavam no campo cederam e estavam prestes a soltar-se do local aonde tinham sido cravadas, provavelmente porque não foram enterradas suficientemente e este mesmo campo virou um banhado e afrouxou a ambas.

No final da tarde voltaram os contatos telefônicos e ficamos sabendo que o vento teria passado de 100km/h em Rio Grande e que em Tapes a água cobriu novamente os trapiches durante a tarde. Embora o Barquinho tenha oferecido um abrigo extremamente seguro durante todo o temporal, foi impressionante constatar o movimento e a rapidez com que o arroio alterou seu nível para cima e depois para baixo.

Fica a lição clara de que é preciso saber manejar melhor barco, cabos e âncoras nestes momentos. Prá compensar, dia seguinte uma velejada excepcional do Barquinho ao Clube Náutico Tapense com um SE de 12 nós até perto de meio dia seguido de um L de 14 nós até a entrada do clube! Lá o sempre atento Emílio nos aguardava ansioso, já tendo pensado inclusive em mobilizar aviões da aviação agrícola para procurar os 3 veleiros na Lagoa.

Bons menos ventos,

Fábio/Valhalla/CDJ. 


Fotos: Clovis Melendo

Localização do Porto do Barquinho


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