A Vela e a Arte
Tarcísio Mattos

21 Nov 2011
Quando os artistas franceses da metade do século 19 abandonaram os estúdios e foram com seus cavaletes, tintas e pincéis para a rua inventar o impressionismo, encontraram o mar. E no mar havia barcos. Barcos a vela.

Eugene Boudin preferiu não molhar os pés e colocou os veleiros no plano de fundo dos quadros em que enfoca os encontros dominicais nas praias de Trouville, Normandia, que é para onde os parisienses levavam suas cadeiras e sombrinhas, e lá se deliciavam com os saudáveis ventos do Canal da Mancha.

Manet, que tentou ser marinheiro, mas, felizmente não conseguiu aprovação após algumas viagens, mostra parte de sua paixão pelos navios ao retratar a saída de um vapor rodeado por veleiros de velas escuras, em Boulogne-sur-Mer, antes de aliviar as cores e pintar mais um preguiçoso domingo sob o sol da Normandia.

Enquanto isto, do outro lado do Atlântico, Winslow Homer usava o litoral de sua Boston natal como inspiração para as paisagens marinhas que o elevaram a condição de um dos mais importantes artistas americanos do século 19. Longe das teorias impressionistas de seus pares europeus, onde o retrato do lazer, a ausência de detalhes e a forte e clara luz eram uma constante, a pintura de Homer mostra a faina de pescadores e portuários em quadros ainda com as características carregadas dos renascentistas.

O retorno ao dolce far niente encontra Claude Monet e Gustav Caillebotte envoltos na Regata de Argenteuil, por volta de 1870. Monet pintando, Caillebotte velejando. Amigos e vizinhos, cada um passou para o outro um pouco de sua arte. Quem de nós não se vê orçando na “Onda Verde” que Monet retratou como se estivesse na tripulação do barco a barlavento? Ou não se transporta para varanda do clube ou marina, e extasia-se com a visão dos barcos ancorados e do movimento de outros navegando na linha do horizonte, como mostra a arte do mestre?

Odilon Redon, que pinta casais em solitários veleiros emoldurados por céus impressionantes, demonstra seu amor e respeito pelo mar no desenho “O espírito das Águas”, onde um enorme rosto com expressão suave olha pelos navegantes do minúsculo veleiro abaixo de si.

O pós-impressionismo do fim do século 19, início do século 20, perdeu a luz, voltou para dentro de casa e trouxe as cores vivas para a pintura vanguardista daquela época. E com elas veio Henri Matisse, que abre uma colorida janela para o atracadouro dos veleiros.

O Russo Wassily Kandinsky já morava em Berlin quando se tornou um dos primeiros e mais importantes pintores abstratos. Seu abstracionismo, no entanto, não chega ao ponto de esconder completamente o veleiro no quadro “Mit und Gegen”. Seu amigo e colega da cátedra na Bauhaus, o suíço Paul Klee, também voltou seus lápis para o mar e de lá interpretou o que viu e chamou um de seus maravilhosos quadros de “Porto de Veleiros”.

Grande parte da arte de boa qualidade das primeiras décadas do século 20 vem da Alemanha. De lá emerge Lyonel Feininger, também professor na Bauhaus, mas que seguiu os passos de Pablo Picasso e usou o cubismo para pintar veleiros retos, ondas retas, nuvens retas em estonteante velocidade e movimento. Até que o realismo do americano Edward Hopper entra na raia.

Conhecido por suas imagens melancólicas em paisagens urbanas repletas de solitários, Hopper parece ter encontrado na beira do mar um contraponto para sua arte inquietante.

Tarcísio Mattos
Comandante do Zephyrus
Grupo [POPACOMBR]

 

Veja a apresentação no YouTube
(A música, Joana Francesa, é de Chico Buarque e a voz é de Badi Assad)

 


 

 


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