"O meu pai dizia que o mar tem duas caras"
Cristiano Pereira

03 Jan 2011
O meu pai dizia-me para eu nunca virar as costas ao mar, que o mar é traiçoeiro". Pedro Silvério perdeu o pai, Manuel Silvério, em Fevereiro passado quando uma tragédia se abateu ao largo da praia da Areia Branca, perto de Peniche e a escassos quilómetros de Ribamar, a povoação de onde eram oriundos os quatro pescadores que perderam a vida no naufrágio do barco "Fábio e João".

Manuel Silvério, Basílio Fonseca, Amândio Pinto e José Martinho eram pescadores experientes, sabiam nadar, e diz-se que o mar até estava navegável nesse dia em que saíram para pescar robalo. Mas até hoje, ninguém sabe o que afundou aquele barco moderno, em fibra de vidro, quase dez metros de comprimento.

"Só quem lá estava é que saberia mas infelizmente já cá não está para contar a história", lamenta o filho de Manuel Silvério. " De um momento para o outro pode ter vindo uma onda maior que ninguém estava à espera e o barco estar mal posicionado", prossegue.

"Às vezes colam-se as nuvens à água e o mar eleva-se. Isso é que apanha as pessoas e os barcos de surpresa. O mar lá pegou naquilo e virou. Foi um pandemónio", aponta, por seu turno, Herófilo Rato, de 62 anos, o cunhado de José Martinho.

A pequena povoação de Ribamar tem uma forte tradição piscatória e são vários os naufrágios ali sofridos nas últimas décadas. "Praticamente todas as casas daqui têm um pescador", assegura Herófilo Rato, também ele com mais de 40 anos dedicados ao mar.

O jovem Pedro Silvério confirma essa visão mas lembra que o seu pai não queria que ele seguisse esses passos. "Ele não queria que eu fosse pescador, dizia que era o maior desgosto que lhe podia dar".

Pedro fez-lhe a vontade mas como o mar lhe corria nas veias alistou-se na Marinha, o que o pai aceitou de bom grado. "É completamente diferente estar num navio com 100 metros do que estar num barco com 10", aponta, confessando, todavia, que a morte do seu pai o levou a mudar a sua relação com o mar. "Ganhei-lhe mais respeito", diz. "O meu pai dizia-me que o mar tem duas caras e que era bom que eu só visse só a cara boa".

Publicado no Diário de Notícias, de Portugal, em 03 Jan 2011


 

 


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