"O meu pai dizia que o mar tem duas caras"
Cristiano Pereira
03 Jan 2011 Manuel Silvério, Basílio Fonseca, Amândio Pinto e José Martinho eram pescadores experientes, sabiam nadar, e diz-se que o mar até estava navegável nesse dia em que saíram para pescar robalo. Mas até hoje, ninguém sabe o que afundou aquele barco moderno, em fibra de vidro, quase dez metros de comprimento. "Só quem lá estava é que saberia mas infelizmente já cá não está para contar a história", lamenta o filho de Manuel Silvério. " De um momento para o outro pode ter vindo uma onda maior que ninguém estava à espera e o barco estar mal posicionado", prossegue. "Às vezes colam-se as nuvens à água e o mar eleva-se. Isso é que apanha as pessoas e os barcos de surpresa. O mar lá pegou naquilo e virou. Foi um pandemónio", aponta, por seu turno, Herófilo Rato, de 62 anos, o cunhado de José Martinho. A pequena povoação de Ribamar tem uma forte tradição piscatória e são vários os naufrágios ali sofridos nas últimas décadas. "Praticamente todas as casas daqui têm um pescador", assegura Herófilo Rato, também ele com mais de 40 anos dedicados ao mar. O jovem Pedro Silvério confirma essa visão mas lembra que o seu pai não queria que ele seguisse esses passos. "Ele não queria que eu fosse pescador, dizia que era o maior desgosto que lhe podia dar". Pedro fez-lhe a vontade mas como o mar lhe corria nas veias alistou-se na Marinha, o que o pai aceitou de bom grado. "É completamente diferente estar num navio com 100 metros do que estar num barco com 10", aponta, confessando, todavia, que a morte do seu pai o levou a mudar a sua relação com o mar. "Ganhei-lhe mais respeito", diz. "O meu pai dizia-me que o mar tem duas caras e que era bom que eu só visse só a cara boa". |