Uma aula sobre como conviver com lobos do mar
O grupo [POPACOMBR] no Yahoo! foi criado há mais de uma década e reúne velejadores de todo o Brasil e de alguns outros países. Passam pela pauta do grupo diariamente dicas, negócios, conselhos, opiniões, histórias e estórias. Tudo, claro, voltado ao prazer de navegar, ou mais especificamente, de velejar. A morte do Comte argentino Victor Otaño gerou uma interessante troca de mensagens no grupo do Popa, aí abaixo reproduzida. Danilo Chagas Ribeiro _________________________________ Date: Tue, 19 May 2015 14:15:14 -0300 Para quem não sabe da história, aí vai. Na crise de 2002 na Argentina, Vendo que seu ciclo no Brasil tinha terminado, pegou o seu Van de Stadt 21 Victor me recebeu diversas vezes para contar histórias e ouvir histórias. Sergio Sperb _________________________________ De: popacombr@yahoogrupos.com.br [mailto:popacombr@yahoogrupos.com.br] Prezados, Este velejador, esteve faz pouco tempo no Veleiros Saldanha da Gama em Pelotas-RS, fez um tour pela lagoa Mirim e seguiu viajem p/ o sul, estou anexando duas fotos que tirei no trapiche do VSG. Sds: Sergio Sperb / Solares
Em 19 de maio de 2015 16:28, Alberto Kling aokling@hotmail.com [popacombr] <popacombr@yahoogrupos.com.br> escreveu:o _________________________________
_________________________________ Uma aula sobre como conviver com lobos do mar
Em 19/05/2015, à(s) 19:45, Engº Jorge A. Albrecht Filho jorgealbrecht@terra.com.br [popacombr] <popacombr@yahoogrupos.com.br> escreveu: Prezados! Creio q conheci este senhor. Prestem a atenção na história q contarei rapidamente: Meu barco estava em Floripa e precisava trazê-lo para Poa lá por março ou abril de 2014. Numa das tentativas, no aguardo da janela de tempo certa, saí do clube em Floripa e fui para a praia do Sonho aguardar a hora do zarpe para Rio Grande. Chegando à praia, no ato apareceu um senhor, setenta e poucos anos, com aparência um tanto judiada da vida e do sol, barba grande, magrão alto, argentino, de calção e chinelos, pronto a puxar o bote e conversar. Aparentava, sem dúvida, um velejador cansado, parecia querer conversar e trocar impressões. Chamou-me a atenção sua humildade, tonalidade de voz, extrema simplicidade e, natural aos homens do mar... suas histórias. Elas me interessavam muito afinal queria saber como colocara seu barquinho naquele lugar, naquela posição, pra quê?, como chegara ali, de onde vinha e ia, enfim, saber e aprender com quem tem tanto conhecimento para chegar até aqui, naquela idade, naquele barquinho com quase nada, melhor... tudo, para ele! Conversa vai e vem, já começava a anoitecer e me sentia responsável e obrigado a atendê-lo em alguma coisa, dado à sua precariedade de condições e meu interesse. Resolvi convidá-lo a jantar comigo. Se esgueirou pra cá e pra lá em aceitar, insisti e aceitou, que bom, já começava a me sentir aliviado. Já no barco, de início nada queria comer ou beber e, lentamente, foi se abrindo na conversa. No decorrer, mesmo afirmando não comer/beber isto ou aquilo dado seu costume ou limitações, saboreamos uma bela janta que fiz e tomamos um bom vinho, até quase meia noite. Para meu agrado, ele repetiu duas ou três vezes o prato servido. Das histórias contadas, sem forçar a memória lembro: - Era da região das montanhas próximas à Bariloche. Tinha um comércio e na recessão argentina do início dos anos 2000, quebrou. Só sobrara o barco o qual navega num lago da região. Conseguiu levá-lo até Buenos Aires e colocá-lo no mar. Velejou durante meses até chegar a Angra; - O veleiro era pequeno, 21 pés, bem judiado. Afora casco, velas, um motorzinho precário, quilha e leme, mais quase nada. De eletricidade havia uma bateria pequena, uma pequeníssima placa solar, uma lâmpada interna e uma externa (sinalização noturna) e só. Nada de piloto ou eletrônicos. Duas ou três cartas gerais. Água ele levava em garrafas de 5 lts enchidas na torneira. Sem banheiro e pias. Um fogareiro. Internamente o barco parecia uma caverna. Medidas de profundidade ele fazia com um peso e barbante. Perguntei como ele fazia para medir a profundidade velejando? Respondeu-me q bastava atirar o peso prá frente. E comida? Comia pouco, quase nada. O que dava para levar plantado levava em floreiras. Frutas e verduras comprava verdes e comia primeiro o que amadurecia primeiro. Também comia arroz. Dificilmente peixe, não pescava. Carne, quase nunca; - O argentino era um quase maluco, digo quase pq velejou até Angra, ficou pouco mais de 10 anos por lá trabalhando para sobreviver e começara a voltar prá casa com saudades dos filhos e netos, querendo viver seus derradeiros anos junto aos seus. Sabia o que queria e, note-se, sem qualquer dinheiro. Batalhava o que comer para o dia. No fundo... nada de maluco!; - Naquela noite o que mais o preocupava era como fazer para dar entrada no seu barco no Brasil?!?! Aí me contou mais esta interessante proeza: - quando chegou em Angra deu entrada no Brasil e ficou pela região por mais de 10 anos, alguns deles ancorado em frente à Capitania dos Portos de Angra; - como queria retornar, achou por bem dar saída e foi à Capitania. Todos acharam estranho que ele estava mais de 10 anos com o barco no Br e ninguém notara. Embromaram a vida dele por uns dias e depois o liberaram; - velejou (muitos dias de mar andando a 2 ou 3 kt) lentamente até Floripa passando por poucas cidades costeiras. Nessas, onde parava alguém sempre o acolhia dando-lhe um pouco de mais condições, quer em roupas, comida e até na manutenção do barco. Prestou serviços de todos os níveis para ganhar um $$$. Fez menção a casos e lembro como ele era grato ao que fizeram por ele lá em São Francisco do Sul – SC; - a viagem de Angra à Floripa fora cansativa e de muita reflexão e chegou à conclusão que não iria aguentar velejar ainda até Buenos Aires com tudo que envolve o trajeto – tráfego, viagem de semanas no mar, precárias condições gerais (barco, saúde, coração, saudades, etc...), meteorologia, não queria perder todo este tempo, etc...; tinha preocupações com a fama de Rio Grande, das condições da entrada, marés, correnteza, tráfego e ele ter de entrar lá para reabastecer depois de mais de duas semanas de mar segundo suas previsões, afora as questões meteorológicas envolvidas; - chegando na região de Floripa pesquisou e achou melhor ancorar do lado norte da Praia do Sonho. Mais tarde pulou para o sul. Fez amizade com pescadores. Chegou à conclusão que não precisava mais provar nada para ninguém e admitia não querer velejar até BUE, tb pelos riscos. Ele, os pescadores e moradores do Sonho o ajudaram a tirar o barco dágua, arrastá-lo para a base do morro longe da praia e elevá-lo do chão; - seu plano era deixar o barco ali, voltar para a Argentina de ônibus, arrumar uma camionete com reboque emprestados e vir buscar o barco ainda durante 2014; - acontece que já tinha dado saída no barco com destino a Argentina e agora, alterados os planos, o barco permaneceria no Brasil por mais um tempo, então queria dar entrada no Br novamente e não sabia se a Capitania iria aceitar. Tb pensava como sair por terra la em Uruguaiana sem papéis. Expliquei o que pude a ele. Pesquisei dúvidas dele pela internet. Orientei-o a como sair de ônibus do Brasil pelo RS, enfim, conversamos muito. - A companhia e a conversa eram agradáveis. Vivenciava as histórias contadas e, cheio de curiosidades perguntava mais, visto q os detalhes eram ainda mais interessantes, lições de vida, muita simplicidade e perseverança; - Tinha vivido muito nos últimos anos. O que mais queria era voltar para os netos e para a família, viver com eles o resto da vida na sua localidade onde todos o esperavam. Os filhos o chamavam. - Próximo da meia noite levei-o de bote para a praia. Disse que na outra manhã iria a Floripa, na Capitania. Despedimo-nos e agradecemos um ao outro a oportunidade. Não o vi mais. Que bons momentos e lições tive com este navegante. Que oportunidade! Belíssima pessoa! Em tão pouco tempo, tantos valores transmitidos! Escolho duas frases que juntam as histórias, com o comandante: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim". Tenha certeza, o mundo perde um grande velejador! Engº Jorge A. Albrecht Filho, _________________________________ De: popacombr@yahoogrupos.com.br [mailto:popacombr@yahoogrupos.com.br] Francesco Colombo said: _________________________________ De: popacombr@yahoogrupos.com.br [mailto:popacombr@yahoogrupos.com.br] [Anexos de joel incluídos abaixo] Foi ele sim, que voce conheceu. Eu o conheci em 2010 na refeno e descemos juntos ate Salvador. Ele estava a bordo do Tauhiri do Paulo. Era um legitimo homem do mar, muito adaptado e vivendo como gostava. Anexei abaixo, uma foto dele (de camisa listada) no Easy Going, em Salvador, junto com o comandante Pires, do Rebojo de jaguarão. Joel La Nina
_________________________________
De: popacombr@yahoogrupos.com.br [mailto:popacombr@yahoogrupos.com.br] 25 Mai 2015 24 Mai 2015 24 Mai 2015 20 Mai 2015 |
S