O programa era levar o meu irmão
Gustavo, que mora em Marau (RS), e veleja com seu Laser na represa do
Capinguí para conhecer a eclusa de Santo Amaro, (nosso Canal
de Panamá) e dar umas linhadas por lá, já que gosta
de pescar e o lugar tem fama de ser muito piscoso.
O feriadão de 20 de setembro
tinha iniciado com um sábado maravilhoso, mas planejamos para
sair no domingo, já que ele tinha compromissos que o impediram
de sair no dia anterior.
A previsão da meteorologia era preocupante: chuva na segunda
feira. Mesmo assim arriscamos.
No sábado fui até
o Jangadeiros para preparar tudo e fiz uma completa revisão do
barco: tanques cheios de combustível, motor girando sem problemas,
bombas de água doce e de porão OK, Ecobatímetro,
GPS e Radar OK, estoque de água doce, comida, bebida e Cd´s
além do material de pesca tudo revisadinho e às mil maravilhas.
Desatracando
do Janga, rumo a Amarópolis
Às 6h. da manhã do domingo (19 de setembro),
o Gustavo passou por casa e rumamos para o Janga onde a "Aruanã",
uma Cimitarra de 25 pés e companheira de memoráveis navegadas,
aguardava por nós.
O dia tinha começando sem ventos, com temperatura muito agradável,
mas com uma bruma que não deixava o sol brilhar.
Partimos do clube às 07h30min., após fazer um novo check-in
do barco e cumprir as formalidades do porto. O Guaíba estava
espelhado e a Aruanã parecia desfrutar de mais um passeio que
iniciava.
Fomos até a Ponta da Cadeia navegando a uma velocidade média
de 22 mph. para não tornar a navegação desconfortável
e entramos no braço do Jacuí que margeia a parte oeste
do delta. Assim foram passando por nós a Ilha da Pintada, a Ilha
da Pólvora, o Arroio da Conga, a Ilha das Flores, o Arroio Formoso
e a Ilha do Lages.
Chamou-nos
a atenção que imediatamente ao sul e ao norte da ponte
da BR290 estavam instaladas dragas para extração de areia,
sinalizadas apenas com pequenas bóias impossíveis de serem
visualizadas a noite e que não possuem defletor de radar, pelo
que sua imagem poderá passar inadvertida até mesmo para
as embarcações que possuem este equipamento.
O problema das dragas foi observado em toda a nossa viagem, o que torna
perigosa a navegação noturna ou com pouca visibilidade.
Cabos
de aço atravessando o rio
A "Aruanã" está equipada com um radar
da JRC, mas fica a advertência que a visualização
das miniboias utilizadas por estas dragas com o radar é extremamente
difícil até para olhos treinados.
Além disso, fora as dragas também existem grossos cabos
de aço atravessando o rio, uma armadilha que poderá ser
mortal para os navegadores e que há dois anos atrás, só
não provocou um acidente grave com a "Lídia"
graças à perícia do seu comandante (meu amigo Arthur
Pereira) quando fomos visitar Santo Amaro junto com nossas famílias
nas duas embarcações.
É um absurdo que esses obstáculos à navegação
não sejam sinalizados adequadamente como manda a legislação!
Navegando
entre as ilhas do Jacuí
Voltando ao nosso passeio, assim que chegamos ao norte da ilha do Lages
existe a confluência do braço rio Jacuí por onde
navegávamos e que tem uma direção N-S, com o curso
principal do mesmo que corre W-E formando um grande "+" ficando
à boreste a parte do Jacuí que após receber os
rios Caí e dos Sinos desce para desaguar no Guaíba entre
a Ilha Grande dos Marinheiros e a Ilha das Garças, e a bombordo
a parte do rio que nos levaria ao nosso destino. Ao Norte o Canal de
Santa Clara.
Neste ponto o rio é atravessado por redes de alta tensão
para as que existem grandes torres de transmissão que se visualizam
com facilidade. Viramos a bombordo para subir o Jacuí e entreguei
o comando para o Gustavo para preparar o café da manhã
já que ninguém é de ferro e a essa hora, mais que
um desejo, é uma obrigação. O cardápio foi
simples: café com pão, manteiga e frios, e enquanto o
degustávamos a "Aruanã" passava pelas ilhas
do Cravo, da Siqueira, da Alegria, da Ponta Rasa, Da. Leopoldina, Nova,
etc., e nos mostrava o Parque Estadual do Jacuí, uma reserva
que deve ser preservada com muitos pássaros e uma vegetação
exuberante.
Bóias
sonoras
Assim, misturados nessa
paisagem e passando por várias dragas mal sinalizadas chegamos
a Charqueadas e o seu presídio onde uma imensa fila de pessoas
aguardava a hora de poder visitar os familiares e amigos que lá
se encontram.
A viagem continuou e passamos por duas cidades que se encontram separadas
pelo Jacuí e cuja ligação é feita através
de balsas, a boreste de quem sobe o rio está Triunfo (foto ao
lado) uma pequena e pitoresca cidade histórica que possui uma
igreja cujas torres enxergam-se desde o rio, e a bombordo aparece São
Jerônimo (foto acima) uma cidade maior que possui um estaleiro
onde observamos a construção de navios de grande porte,
e um clube náutico que iremos visitar algum dia.
Logo em seguida chegamos à desembocadura do rio Taquari que deixamos
à boreste para continuar nossa navegada pelo Jacuí.
A partir deste ponto, a sinalização do rio torna-se difícil
de visualizar e perigosa já que é feita com pequenas bóias
cônicas metálicas ("sonoras" segundo definiria
o comandante Dick, meu amigo Centauro Navegador já que fazem
"bum!" quando se bate nelas) e que desaparecem quando o rio
está crescido pelo que deverá ser tomada precaução
extrema para não colidir nelas e manter o curso correto, já
que existem muitos bancos de areia no local.
Uma
obra impressionante que vale a pena ser visitada
A navegada continuava fantástica,
passamos por baixo da belíssima ponte da RS 244 e quando eram
as 09h06min chegamos ao nosso destino. Havíamos percorrido exatas
52.4 milhas náuticas!
A eclusa de Santo Amaro (foto ao lado) é uma obra desconhecida
para a maioria dos gaúchos e, por incrível que pareça
para a maioria dos navegadores de Porto Alegre e que certamente em qualquer
outro lugar do planeta seria um ponto turístico imperdível.
É uma obra impressionante que vale a pena ser visitada e que
permite que as embarcações comerciais e amadoras possam
vencer a represa do mesmo nome sem dificuldades.
Somente ficar assistindo as manobras para a passagem dos navios justifica
ir até lá.
Descobrindo
o pesqueiro
No dia da nossa visita, a represa encontrava-se com as comportas
abertas provocando um belíssimo espetáculo de águas.
Olhando para ela percebi como é alta e instantaneamente lembrei-me
de outro querido amigo, o bravo comandante Papaleu que sempre relata
em roda de amigos e entre uma e outra cerveja, que numa oportunidade,
retornando a Porto Alegre, encontrou a eclusa fechada pelo que foi obrigado
a pular da represa com a sua lancha! Não aconselhamos a ninguém
tentar repetir esta proeza.
Mas
como a idéia era pescar, após dar uma boa olhada na represa
e sua eclusa, resolvemos tentar a sorte três milhas náuticas
rio abaixo onde tínhamos observado uma meia dúzia de embarcações
pescando, todos eles armados até os dentes com grande quantidade
de caniços, chegamos, como quem não quer nada e soltamos
o ferro perto deles, na posição W51º 50.26 e S29º
57.15, fora do canal de navegação mas bem pertinho
de uma bóia. Conversamos com os nossos vizinhos e ficamos sabendo
que o lugar é um ótimo pesqueiro de piavas e todos eles
estavam tentando este peixe. Usavam como isca caramujo. Inacreditável!.
Na falta do mesmo, resolvemos tentar com a isca clássica: milho,
mas após um longo período tentando e nenhum pique nas
nossas linhas (nem nas dos vizinhos) resolvemos tentar o Pintado, com
linhas de fundo de dois anzóis iscados com fígado de galinha
e começamos a ter sucesso com exemplares de porte excelente que
saíram até perto das 13h. quando o pique parou.
Aproveitamos o recreio para fazer um lanche (sanduíches e refrigerante)
que nos deu um novo ânimo para continuar pescando.
O pique reiniciou-se por volta
das 16h. mas não com a intensidade da manhã. Nossos vizinhos
continuavam tentando as piavas sem sucesso e nos as abandonamos já
que a pesca de pintados estava muito boa. Além dos pintados apareceram
alguns jundiás, mas pequenos e algumas brancas grandes. Assim
continuamos até perto das 6h. da tarde quando resolvemos procurar
um lugar para passar a noite após ter juntado uma boa quantidade
de peixes.
Barômetro
caindo
Levantamos
o ferro, fomos até a margem norte e nos acomodamos em baixo de
uma árvore frondosa até onde chegamos com muito cuidado
já que a profundidade era pouca (1,1m) soltamos duas ancoras
danforth de 8 kg. na popa e amarramos um cabo de proa na árvore
que nos abrigava. O Gustavo continuou pescando, incentivado pela quantidade
e porte dos peixes e eu resolvi colocar um pouco de ordem no barco,
que, a essa altura parecia mais um pesqueiro que um barco de passeio
com anzóis, linhas de pesca, caniços e o resto da tralha
de pesca espalhada por todos os lados. Após isso, arrumei a cabine
para passar a noite e fui preparar o jantar.
Fritei um pacote de salsichão que, acompanhado de umas torradinhas
com patê de peru, frios e cerveja bem gelada tirou a nossa barriga
da miséria e, após assistir o Fantástico, dei a
nossa posição por rádio para o Jangadeiros e fui
dormir para ficar responsável pela segunda metade da noite. Antes
disso, dei uma olhada no barômetro: a pressão estava caindo...,
mas não tinha nenhum sinal de nuvens, o céu estava estrelado,
e não havia ventos. Fiquei preocupado e adormeci lembrando das
minhas aulas de meteorologia no curso de mestre...
Creedence,
whisky e temporal
Um forte trovão me acordou, olhei o relógio:
02h10min. Saí da cabine e vi o Gustavo comodamente sentado na
popa pescando e com um balde cheio de pintados do lado. A noite era
um breu, relampeava bastante e o barômetro tinha caído
muito,... mau sinal.
Fui até a proa e verifiquei o cabo. Tudo OK. Na popa as duas
âncoras também OK. O Gustavo foi descansar e fiquei sentado
ouvindo Creedence e saboreando um uisquinho esperando o temporal.
Graças
a um relâmpago consegui enxergar um enorme navio
No silêncio da noite, interrompido por alguns trovões ouvi
o barulho de um motor que se aproximava, tentei descobrir o que era
e não sem sucesso, até que, de repente um estrondo e umas
vozes. Um refletor se acendeu e, graças a um relâmpago
consegui enxergar um enorme navio que tinha batido numa bóia.
Nenhuma luz acessa, nada, navegando na mais completa escuridão.
Ele seguiu seu caminho rio acima e eu fiquei pensando sobre a imprudência
do comandante do cargueiro navegando nessas condições.
Furando
os beiços dos pintados
De repente, entrou o vento, de intensidade forte, com aquele
cheirinho de chuva, após ele granizo e finalmente para arrematar
despencou uma chuvarada como a Aruanã nunca tinha visto antes
e, pior, chuva com vento de rajadas fortes, relâmpagos e trovões,
aquela "chuva guasqueada" que não respeita nada, e
que em poucos minutos deixou tudo que estava no barco molhado. Até
uma goteira na gaiuta apareceu que nos obrigou a apelar para o velho
balde!! Um desastre! Choveu dessa maneira até às 05h30min
da manhã mais o menos, e o meu "hóspede" não
tomou nem conhecimento. Aninhado na cabine, ressonava e dormia como
um anjo!!!. Se acordou lá pelas seis (quando eu já tinha
feito café e secado todo o barco) matou a fome, e após
deliberar sobre o que faríamos, já que a chuva tinha dado
uma trégua, resolvemos voltar ao nosso pesqueiro e lá
ficamos até o meio dia furando os beiços dos pintados
entre períodos de chuva e calmaria.
Carona da chata
Me
preocupava a volta, já que o rio tinha crescido bastante e descia
muita sujeira. Enquanto o Gustavo pescava, resolvi fazer uma rota de
retorno no GPS utilizando o tracklog e calibrei o radar. Após
o almoço (pizza) começamos o retorno e junto com ele,
começou novamente a chuva forte que prejudicava de mais a visibilidade,
e assim fomos, com muito cuidado até a desembocadura do Taquari,
onde achamos uma chata que carregava areia e se dirigia para Porto Alegre.
Pronto! Estava aí a nossa solução ficamos atrás
dela, já que nos mostrava o caminho e tirava a sujeira da frente,
ouvindo música, conversando fiado e tomando cerveja e assim retornamos
a Porto Alegre, aonde chegamos após 6h de navegada!!..............
Que aventura!
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