De Porto Alegre a Arambaré
em uma lancha de 16 pés
por Carlos A. Castilhos


Era sábado, dia 01/03/03, às 7 horas, me via fazendo uma ampla varredura nas páginas sobre meteorologia na Internet. Para saber a previsão para Porto Alegre, Tapes, Arambaré, e exagerando um pouco, São Lourenço, Pelotas e Rio Grande. Aliás, era coisa que vinha fazendo, durante todos os dias da semana que antecedia a data prevista para a jornada.

Enfim, às 9h15, após confirmação visual das condições do Guaíba, que eram favoráveis, dávamos início, eu, minha esposa e todas as "tralhas" (para acamparmos). Tudo criteriosamente selecionado, devido ao porte da pequena embarcação.

Uma lancha 16 pés, motor de popa 70hp, recentemente revisado, painel com toda instrumentação necessária para acompanhar seu rendimento, bem como o da navegação. Equipamentos de segurança e salvatagem completo. Uma antena multidirecional para telefone celular, onde recebi sinal tempo integral durante a navegação, enquanto o celular da minha esposa (não conectado à antena) não recebia sinal algum. Combustível e óleo 50% a mais do necessário para navegar a rota e distância determinada, bem como uma rota alternativa, calculadas através da carta náutica. E todos os telefones agendados dos Clubes Náuticos, Iates Clubes e Marinas das imediações do trajeto e do objetivo final.
O objetivo inicial era navegar, se houvesse condições, do Morro do Sabiá (onde fica a nossa marina) até o farol de Itapuã (divisa do Guaíba e a Lagoa dos Patos), para então lá verificar as condições de navegação da lagoa.

Chegamos lá em aproximadamente 1 hora de navegação. Foi possível manter a velocidade de cruzeiro da nossa embarcação, que é em torno de 25 milhas/h. Lá verificamos que as condições pareciam boas, então , já na lagoa, prosseguimos em direção a Ilha Barba Negra. As condições continuavam favoráveis, pouco vento e muito sol, e continuamos navegando, costeando aproximadamente de 2 à 3 milhas da costa oeste da lagoa, e mantendo uma média de 22 milhas/h.

Eram 11h45, 2h30 de navegação, quando contornávamos o Pontal de Tapes em direção à Arambaré. Ali pegamos um vento de través pelo bombordo, o que nos obrigou a diminuir para aproximadamente 16 milhas/h. As ondas estavam maiores, sobretudo quando navegávamos sobre o Banco dos Desertores na Ponta Dona Helena (ou Ponta do Dourado, como a chamam em Arambaré). Esta ponta fica a meio caminho do Pontal de Tapes e Arambaré, e foi o pior trecho da navegação, tanto na ida quanto na volta, que estava pior ainda, pois o vento era mais intenso.

Contudo, eram 12h45, depois de 3h30 de navegação, chegávamos no Clube Náutico Arambaré, no encontro do Arroio Velhaco com a Lagoa dos Patos. Onde ficamos atracados e acampados até as 07h50 do dia 04/03, quando iniciamos a navegação de retorno.
Fomos muito bem recebidos por todos no clube, gostaríamos de agradecer à Ivone, Edi, Marlon, Gilberto e Paulo. Também ao Volmir e família, amigos que têm casa em Arambaré, a qual seu Edgar (pai de Volmir) reside, onde nos acolheram para um saboroso churrasco de boas vindas. Inclusive no domingo pela manhã, fizemos juntos uma pequena expedição pelo Arroio Velhaco, que corta a cidade em dois lados, a parte que se emancipou de Camaquã e a que se emancipou de Tapes. Este arroio nos lembrou muito o Petim e o Araçá que temos no Guaíba, em igual beleza e distância navegável, porém em menor profundidade, pois ficamos várias vezes encalhados.

Todos os dias, pelas 7 horas, a lagoa parecia um espelho, por volta de 9 horas entrava um vento, sendo que às 13 horas o mesmo soprava com mais intensidade, fazendo com que as ondas arrebentassem na praia, e ao anoitecer sempre chuviscava.

Na segunda-feira, dia 03/03, a lagoa ficou tranqüila, sem vento e sem ondas até às 11 horas, o que favoreceu uma pequena exploração de barco na grande bacia onde está situada a cidade. Quando então, entrou o vento mais intenso de todos os dias que estivemos por lá, foi necessário reforçar as amarras do barco e da barraca. Inclusive, nesta noite, sob a chuva, tivemos que refazer a amarração da lona de proteção do barco, porque uma rajada mais violenta, arrancou-a, arrastando-a por alguns metros.
Chegava então a terça-feira, 04/03, data marcada para o retorno. Eram 6h30 e estávamos desfazendo o acampamento. A lagoa fugiu a regra, não estava um espelho pela manhã, mas era navegável, e após reabastecimento e organização das "tralhas" à bordo, às 7h50 iniciamos a navegação de retorno.
Mais uma vez o trecho entre Arambaré e o Pontal de Tapes, passando pelo Banco dos Desertores, foi o mais complicado, apesar do sol forte, o vento mais intenso vinha de proa, as ondas seguramente ultrapassavam os 50 centímetros de altura, mas a freqüência entre elas era longa, o que favoreceu cortá-las com muita paciência, oscilando entre 10 e 15milhas/h.

Contornando o Pontal de Tapes, as ondas vinham de través por boreste, menores, tipo uns 40 centímetros no máximo. Foi possível manter 19 ou 20 milhas/h, sempre costeando por oeste a lagoa, até pegar a Ilha Barba Negra alinhada com o Morro de Itapuã, quando pegamos estas ondas de proa. Reduzimos novamente para tipo 15milhas/h e com muita paciência mantivemos de 15 à 18milhas/h até o Morro do Sabiá, onde fica nossa marina. Pois pegamos mais vento de popa no Guaíba, o que levantava muitas marolas de razoável tamanho.
Chegamos às 12h10, após 4h20 de navegação de retorno.

Em Arambaré, tanto o pessoal do Clube, como o pessoal vindo de Porto Alegre, e a tripulação de dois veleiros, o Rabib e o Aragano, ficaram muito surpresos. Principalmente devido ao tamanho da nossa embarcação em relação à distância e às demais condições. Muitos não acreditavam, escutavam céticos a nossa história.
E esta não foi a primeira vez, no ano passado fomos até Tapes. Quando chegamos no Clube Náutico Tapense, já nos aguardavam. Pois alguma embarcação passou rádio para eles dizendo que avistaram "um maluco numa lanchinha no meio da lagoa", acharam incrível a nossa aventura. Inclusive, nesta ocasião, quando retornávamos ao entardecer, em um trecho entre a Ilha do Junco e o Farol de Itapuã, encontramos o Marcelo Lopes, coordenador da Marina Pública, com o seu veleiro Ilha de Coral, preparando-se para entrar na lagoa para o treinamento de um pessoal em navegação noturna. Ele ficou espantado quando encostamos e contamos o que tínhamos realizado, sendo tudo feito em um só dia (ida e a volta).

Isto sem falar, que somos figuras conhecidas na nossa marina e imediações, pois já subimos o Rio dos Sinos até São Leopoldo, o Caí até Montenegro, o Jacuí até Triunfo com São Jerônimo passando por Charqueadas, mas estas são outras histórias.
Tudo isto prova, que uma aventura, sobretudo navegação, se for bem planejada, organizada, é possível e segura.
Qualquer dia destes compro uma lancha maior, cabinada, e vou até Florianópolis, o que renderá uma outra boa matéria.

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